Riscos

Transgênicos: semente que não foi aprovada nos EUA chega ao Brasil

A variedade de soja da Dow Agrosciences significa uma nova etapa na transgenia mundial, porque o chamado sistema Enlist ainda não foi aprovado nos Estados Unidos, onde está em análise desde 2009.

Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil

A soja resistente ao 2,4-D vai passar pela comissão de especialistas responsável por liberar novas variedades

A multinacional Dow Agrosciences, que integra a corporação Dow Chemicals, vai lançar no Brasil uma nova semente transgênica de soja, imune a três agrotóxicos – glifosato, glufosinato de amônia e o 2,4-D. Significa uma nova etapa na transgenia mundial, porque o chamado sistema Enlist ainda não foi aprovado nos Estados Unidos, onde está em análise desde 2009. Esta é uma história que envolve o último lance da agricultura industrial e o passado das corporações, marcado pela participação na produção de um veneno mundialmente conhecido, o Agente Laranja. Um passado que continua vivo na memória de milhares de vietnamitas e no corpo mal formado de seus filhos e netos. Uma tragédia lembrada todo dia 10 de agosto como o “Orange Day”.

Em novembro de 1961 o presidente John Kennedy autorizou uma operação sigilosa denominada “Ranch Hand”, uma ajuda aos agricultores. Na verdade o governo dos Estados Unidos, mesmo contra os princípios da Convenção de Genebra, que proibia o uso de químicos na guerra, mandou 23 empresas fabricarem a mistura do Agente Laranja. Entre as corporações mais conhecidas Monsanto e Dow, que na época não tinha o Agrosciences. Um parêntese para explicar a mistura. Em outubro de 2011 publiquei um texto na Carta Maior intitulado “A Marcha dos Insensatos”, que tocava no assunto agrotóxicos e mencionava o Agente Laranja.

Logo em seguida recebi uma correspondência de uma assessoria de São Paulo, que iniciava assim: “Meu nome é Mariana, sou assessora de imprensa da Força-Tarefa. Li o seu texto A Marcha dos Insensatos, publicado no dia 16 de outubro na Agência Carta Maior. Gostaria de aproveitar para apresentar um material explicativo sobre o defensivo agrícola 2,4-D, mas antes quero explicar o que é a Força-Tarefa: somos um grupo formado por representantes de quatro empresas- Atanor, Dow Agrosciences, Milenia e Nufarm…”.

Lógico que as seis páginas do material mostram que o 2,4-D é um agrotóxico do bem, assim que vou mencioná-lo. A Força-Tarefa ajudou bastante na explicação, porque mostrou qual era a composição do Agente Laranja. Ainda citando a correspondência:

– O 2,4-D tem sido erroneamente associado ao produto utilizado na guerra conhecido como “Agente Laranja”. O “Agente Laranja” nunca foi usado em agricultura e era uma mistura de 50% de 2,4,5-T Éster + 50% de 2,4-D Éster, utilizado desta forma na Guerra do Vietnã para desfolhar as florestas locais. Ficou assim conhecido porque a mistura era armazenada em tambores que possuíam uma “faixa amarela”, em sua parte externa. O problema que existia com o “Agente Laranja” naquela época se relacionava a uma impureza presente no processo de produção do 2,4,5-T chamada dioxina (TCDD). O 2,4,5-T não é mais comercializado nos dias de hoje”.

Milhares de crianças com graves deficiências

O país que agora pretende bombardear a Síria para punir o uso de armas químicas não resolveu o seu passado. Em agosto de 2012 a secretária de Estado, Hilary Clinton, foi ao Vietnã para inaugurar um programa de descontaminação do Agente Laranja. Mas apenas nos locais onde a Força Aérea dos EUA usava como base. Onde os tambores vazavam o veneno, ou caíam dos caminhões pelos trajetos. O índice de contaminação é 400 vezes maior nesses locais. Porém, nunca o governo dos Estados Unidos reconheceu a responsabilidade da tragédia que atingiu mais de quatro milhões de pessoas. Segundo o governo vietnamita pelo menos 500 mil crianças nascidas posteriormente apresentaram malformações congênitas e suportam uma rotina que é um pesadelo, com mãos e pés defeituosos.

Em 1984 um grupo de veteranos da guerra do Vietnã – entre 15 e 16 mil militares – recebeu US$180 milhões das corporações químicas num acordo extrajudicial. Também os filhos dos veteranos que tiveram contato com o veneno nasceram com malformações. O governo dos EUA lançou o Agente Laranja numa área de 10 milhões de hectares, que era cultivada com milho, arroz e outras culturas. Além disso, pulverizou cerca de 20 mil quilômetros quadrados de terras altas e florestas de mangue. No livro Transgênicos : as Sementes do Mal, os pesquisadores Antônio Inácio Andreoli e Richard Fulls relatam que foram jogadas 366 quilos de dioxina (TCDD) no Vietnã. Em 1976, num acidente com uma fábrica química na Itália em Seveso, que virou um desastre ambiental, foi liberado 1,5kg de dioxina.

Argumento engolido

Três vietnamitas no início dos anos 2000 entraram com uma ação de indenização contra as corporações num tribunal de Nova York. Em 2009, o tribunal negou o pedido, sob o seguinte argumento: não estava estabelecido o vínculo entre a dioxina e as malformações congênitas dos vietnamitas afetados. Outro problema: pela legislação americana as empresas não são responsáveis pelo envenenamento porque agiram por ordem do governo. Em 1999, o deputado federal Dr. Rosinha, do PT do Paraná, encaminhou um projeto na Câmara para proibir o uso do 2,4-D no Brasil. Em 2004, o projeto foi aprovado pelo relator da Comissão de Bem Estar Social e Família. Em função disso o 2,4-D está sendo reavaliado pela Anvisa.

Ele é classificado como um agrotóxico classe 1, extremamente perigoso, mas seu uso é difundido pelo baixo custo e usado como complemento ao glifosato, um herbicida que perdeu efeito. Nos Estados Unidos o próprio Departamento de Agricultura registra mais de 10 milhões de hectares onde plantas como buva, corda de viola, capim amargoso se tornaram resistentes. Isso é um fato também no Brasil, na Argentina. Ou seja, as corporações precisam lançar novas sementes porque o argumento de redução no uso de agrotóxicos nos cultivos transgênicos literalmente foi engolido pela terra.

Leia reportagem completa na página da Carta Maior.

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