Mais da metade dos parques nacionais está irregular

Unidades,que ocupam 25 milhões de hectares do território brasileiro, ainda carecem de regularização fundiária

Marcelo Camargo/ABr

A falta de investimentos nas unidades é um dos principais problemas constatados

Brasília – Mais da metade dos 68 parques nacionais continuam irregulares, quase oito décadas depois da criação da primeira unidade de conservação (UC) com as regras vigentes. A falta de regularização fundiária dessas áreas tem sido uma das cobranças mais frequentes feitas pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em reuniões com autoridades ambientais federais.

Ainda assim, o Instituto Chico Mendes (ICMBio), criado em agosto de 2007 para coordenar os parques, não conseguiu resolver o problema. A situação que se prolonga por décadas é apontada como um dos sinais da deficiente política de Estado para a área, criticada tanto por especialistas do próprio governo quanto por organizações não governamentais.

A falta de investimentos nessas unidades é um dos principais problemas constatados. No orçamento do ICMBio não existe uma destinação específica para as unidades de conservação.

“Alguns estudos já mostravam que com 10% dos recursos usados em Belo Monte seria possível regularizar os parques nacionais. Com R$ 2 bilhões, regularizaria todo o sistema, não apenas os parques”, disse a engenheira agrônoma Maria Tereza Pádua, presidente do site ECO e integrante da Comissão de Parques Nacionais da União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN).

O valor estimado já considera a realidade do atual mercado imobiliário. Além de negociar com proprietários rurais, o governo terá que chegar a preços adequados em regiões próximas aos centros urbanos, onde o preço da terra é cada vez mais valorizado, como os casos de unidades próximas das capitais São Paulo e Rio de Janeiro.

Enquanto não há orçamento claramente definido, Maria Tereza Pádua aponta outras fontes que poderiam ser utilizadas para essa regularização.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Ecológico (ICMS Ecológico), por exemplo, foi criado para compensar os municípios pela restrição de uso de áreas protegidas, estimular a criação de outras e melhorar áreas já protegidas como forma de aumentar a arrecadação.

Em Minas Gerais, ficaram definidos “índices de qualidade ambiental” para balizar os cálculos do imposto. Segundo a agrônoma, algumas cidades pequenas chegam a arrecadar R$ 2,7 milhões por ano com esse imposto.

Para a especialista, esses recursos deveriam compor o esforço financeiro pela regularização dos parques nacionais. O parque do Itatiaia, no Rio de Janeiro, foi o primeiro criado no país e, até hoje, está irregular. Como outras unidades, o parque aguarda uma solução para que possa cumprir o papel de conservação de espécies identificadas na região.

Quando o parque está implementado, como é o caso da Serra do Cipó, em Minas Gerais, ou o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, os municípios percebem o valor do local e ganham dinheiro com o ecoturismo e as concessões, disse a agrônoma.

Maria Tereza acrescentou que todo ano há desmatamento em algumas regiões porque a sociedade não compreende o valor dessas áreas. Ela disse ainda que quando percebem os benefícios econômicos que essas unidades podem trazer, elas passam a ser bem vistas pela comunidade local.

Planos de manejo

Pouco mais de 60% dos 68 parque, que ocupam mais de 25 milhões de hectares do território nacional, têm planos de manejo elaborados e em execução. Esses documentos reúnem todas as informações, como o zoneamento da área, as espécies ameaçadas, as atividades permitidas nos parques, além de orientar grande parte das decisões no dia a dia das unidades de conservação (UCs).

O problema das administrações dos parques e do Instituto Chico Mendes (ICMBio), responsável pela gestão das unidades, é a burocracia e o modelo defasado que orienta a elaboração desses documentos.

“Às vezes demora tanto para concluir um plano desse que, quando aprovado, já está desatualizado. Isso é um empecilho à conservação [de espécies]”, disse o analista ambiental Alexandre Lantelme Kirovsky, coordenador substituto de Elaboração e Revisão de Plano de Manejo (Coman/ICMBio).

Ele acrescentou que o volume de diagnósticos feitos e de pesquisas “é absurdo” e influencia, na prática, em pouca coisa. Técnicos do órgão ambiental, criado há seis anos, tentam concluir uma proposta de mudança desse roteiro que poderá valer a partir deste ano. “Estamos formulando uma metodologia nova, mais enxuta, objetiva e estratégica”, explicou Kirovsky.

O analista ambiental do ICMBio acrescentou que o plano de manejo “não é bíblia”. Kirovsky disse que é possível elaborar o documento de gestão de uma área em, no máximo, um mês.

A presidenta do site ECO destacou que burocracias como licitações públicas, exigidas pela legislação atual, são dispensáveis. “Só precisa planejar quais investimentos você tem nas mãos no momento”, disse.

A engenheira agrônoma e ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lembrou que o país viveu um boom de criações de UCs, inclusive as de usos diversos, como é o caso dos parques nacionais.

“Quando comecei [no Ibama], eram 14 parques, hoje são 68 mas, infelizmente, o Brasil não causa impacto na real implementação da conservação”, avaliou. Para Tereza Pádua, o plano de manejo precisa ser simplificado e barateado.

Ela explicou que o alto custo decorre de gastos com levantamentos para a construção de hidrelétricas, que comprometem a implementação dos planos de manejo previstos. Hoje, apenas 43 parques seguem o plano de manejo.

Em 15 unidades, o documento está sendo revisado. No Amazonas, por exemplo, o plano de manejo do Parque Nacional do Jaú, e na Bahia, o documento do Parque Nacional do Descobrimento, estão em fase de elaboração com a participação da comunidade que vive no entorno da unidade.

Em Goiás, moradores foram contratados para trabalhar em várias atividades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e passaram a contar com uma renda a partir das atividades realizadas dentro da unidade.
 “Quando as pessoas percebem que essas unidades impulsionam economicamente as regiões vizinhas, passam a ter outra avaliação sobre os parques”, disse Maria Tereza.

Especialistas na área sabem que os serviços ambientais prestados por essas unidades, como o de água de qualidade,  são pouco observados pela sociedade o que, talvez, explique a falta de orçamento para as unidades e a deficiente estrutura de servidores.

Atualmente existem cerca de 1,9 mil analistas ambientais no instituto. Pelos cálculos dos funcionários, seriam necessários, pelo menos, mais 5 mil analistas. Alguns parques com áreas superiores à do estado de Sergipe têm apenas um servidor encarregado

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