Ibama recebe apenas 2% de R$ 630 milhões em multas desde 2008

Os pássaros apreendidos pelo Ibama em fevereiro de 2012 na Bahia foram libertados, mas os responsáveis dificilmente serão punidos (Foto: Ibama) Feira de Santana (BA) – O dia amanhece na cidade […]

Os pássaros apreendidos pelo Ibama em fevereiro de 2012 na Bahia foram libertados, mas os responsáveis dificilmente serão punidos (Foto: Ibama)

Feira de Santana (BA) – O dia amanhece na cidade nordestina de Feira de Santana, Bahia, e o mercado de rua traz cores brilhantes e a cacofonia do canto dos pássaros. Ao longo da estrada poeirenta, nos barracos de compensado, centenas de pássaros silvestres, muitos considerados raros e de espécies ameaçadas, estão em exibição, aprisionados e prontos para a venda. Os vendedores se gabam das suas últimas capturas enquanto negociam os preços com os clientes.

Alguns meses antes, nessa mesma feira, a polícia local havia apreendido mais de 200 pássaros silvestres e prendido dois homens. Agora, o mercado está de novo a pleno vapor. A cultura de impunidade no país em relação a esses crimes joga no mercado milhões de animais por ano, enquanto os criminosos lucram centenas de milhões de dólares, segundo os cálculos de funcionários de organizações governamentais e não-governamentais.

Arquivos do governo obtidos pela recém-aprovada Lei de Acesso à Informação mostram que entre 2005 e 2010 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu cerca de R$ 630 milhões em multas para crimes contra a fauna. O que significaria muito – se os infratores pagassem o que devem. Durante o mesmo período, o IBAMA recebeu o equivalente a menos de 2% do total em multas.

Essa realidade provoca comentários como o do procurador federal Renato de Freitas Souza Machado, alocado no Rio de Janeiro, um ponto forte do comércio ilegal de espécies raras e protegidas: “Os traficantes sabem que nada vai acontecer com eles”.

As multas não pagas – que um porta-voz do Ibama diz que serão cobradas – não são o único problema. Uma combinação de sentenças leves e apelações que parecem não ter fim resultam em poucas prisões para traficantes, mesmo para os grandes. Poucas horas após serem presos, eles estão de volta às ruas e, em muitos casos, de volta aos negócios. A leniência serve de incentivo para os traficantes manipularem seus comércios ilegais, criando um clima de impunidade, segundo vários funcionários do governo.

“Realmente, chama atenção alguém trabalhar como traficante há 20 anos e nunca ter ido para a cadeia,” diz Machado, o procurador federal. “Os animais têm menos proteção do que um telefone celular ou uma bolsa roubada.”

Até 1998, o tráfico de animais no Brasil era crime punível por uma sentença de dois a cinco anos. Naquele ano, o Congresso brasileiro aprovou uma lei ambiental que reduziu a pena para seis meses a um ano. Mas uma brecha na lei federal permite que mesmo essas sentenças mais leves nunca sejam aplicadas, já que infratores que recebem a pena mínima conseguem cumpri-la fora das celas.

Esse vale-tudo ambiental tem um efeito corrosivo, diz Roberto Cabral Borges, ex-coordenador de operações e inspeções do IBAMA, que é responsável por proteger espécies ameaçadas. Equivale a dizer aos traficantes que podem continuar com seus crimes, e à sociedade que infringir as leis não significa nada, o que desmoraliza os policiais.

Muitos dos caçadores são pobres, camponeses sem escolaridade que tentam ganhar a vida nos rincões do país. Eles vendem os animais que capturam por valores irrisórios para sobreviver. João Alves Mateus dos Santos já foi um desses. O trabalhador rural de 45 anos mora na pequena cidade de Canudos, no meio do árido sertão baiano, onde a vida é difícil e as pessoas, fortes. 

Para ele a pobreza é a causa do envolvimento da população local com o tráfico: “Esse é o sertão. Se você não tem o que é preciso, não sobrevive”. Mateus diz que no início dos anos 90, ele passou por grandes dificuldades para dar sustento a sua esposa e dois filhos. Desempregado, durante algum tempo ganhou dinheiro capturando e vendendo animais silvestres. Hoje, não precisa mais fazer isso.

Mas são os grandes traficantes que fazem com que os policiais e fiscais clamem por uma lei que endureça as penas. Um projeto de lei que tramita no Congresso poderia aumentar novamente as penas – para de dois a cinco anos – no caso de traficantes de larga escala. Mas o autor do projeto, o deputado federal Sarney Filho, diz que devido ao atual cenário em Brasília, não está otimista com o futuro do projeto.

O líder do Partido Verde explica que membros do Congresso, alinhados ao que ele descreveu como o “pensamento conservador” do agronegócio e dos interesses ligados à pecuária, são extremamente poderosos. Usando sua influência, os legisladores “ruralistas” têm pouca chance de deixar o projeto de lei passar na Câmara. “Qualquer coisa que envolva o meio ambiente eles colocam no mesmo saco”, ele diz, o que estaria causando uma mobilização para bloquear qualquer lei pró-ambiente.

Em agosto do ano passado, uma comissão no Senado continuava a debater outro projeto de lei que aumentaria a sentença por venda de animais silvestres para dois a cinco anos, e para dois a seis anos, em caso de exportação.

Semelhante ao tráfico de drogas, a natureza clandestina do tráfico de animais silvestres faz com que seja impossível obter números sólidos sobre a quantidade de animais roubados de seus habitats naturais a cada ano.

Leia a reportagem completa na página da Agência Pública.