Dirigentes da Cúpula dos Povos criticam Rio+20 e economia verde

Alguns organizadores da Cúpula dos Povos entendem que o conceito de economia verde passou a ocultar os verdadeiros problemas (Foto:Eskinder Debebe. ONU) Rio de Janeiro – Após três dias de […]

Alguns organizadores da Cúpula dos Povos entendem que o conceito de economia verde passou a ocultar os verdadeiros problemas (Foto:Eskinder Debebe. ONU)

Rio de Janeiro – Após três dias de reunião no Rio de Janeiro, encerrada no domingo (13), o Grupo de Articulação Internacional do Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20, responsável pela organização da Cúpula dos Povos, divulgou um documento no qual critica com veemência o processo de negociações em torno da conferência da ONU e rejeita o conceito de economia verde na forma como ele vem sendo apropriado pelos governos e grandes corporações transnacionais. Ao fim do encontro, que contou com cerca de cem pessoas e 40 redes de todo o mundo, também foi anunciada para 5 de junho (Dia do Meio Ambiente) a primeira grande mobilização internacional da Cúpula dos Povos, com protestos de rua em diversos países.

Diretora para a América Latina da organização ETC e experiente representante da sociedade civil nas discussões ambientais promovidas pela ONU, a mexicana Silvia Ribeiro resume a insatisfação dos ambientalistas. “A um mês da Rio+20, não vemos resultados positivos e estamos muito preocupados com o que se passa nas negociações oficiais, pois não se está realmente encarando os problemas mais graves. Vinte anos depois da Rio-92, os problemas ambientais e sociais e a erosão da biodiversidade estão piores. Ademais, estamos frente a uma grande crise econômica e financeira que tem produzido maiores diferenças e mais desigualdade social, iniquidade e desemprego. Nesse contexto, em vez de se falar em desenvolvimento sustentável está se falando em economia verde, que por sua vez está toda assentada nos mecanismos de mercado”, lamenta.

Silvia afirma que “economia verde é um nome enganoso” e denuncia que a Rio+20 parece mais empenhada em criar uma nova estrutura de governança mundial para gerenciar essa proposta do que em encontrar soluções reais para os problemas da humanidade e do planeta. “O que nos preocupa é que a economia verde vai nos levar a uma maior mercantilização de aspectos fundamentais da natureza. Quem vai se beneficiar com essas medidas são fundamentalmente as corporações transnacionais, as mesmas que são responsáveis pela atual crise econômica e ambiental. A nova estrutura de governança proposta inclui agências da ONU e o Banco Mundial e certamente privilegiará interesses de mercado em lugar de políticas públicas para realmente encarar o problema socioambiental”, diz.

Ex-representante do governo da Bolívia na ONU e um dos principais organizadores da Conferência dos Povos sobre Mudanças Climáticas realizada há dois anos em Cochabamba, Pablo Solón mostrou fotos, tiradas na semana passada, de 1,5 mil pelicanos e 887 golfinhos mortos encontrados em praias do Peru e do norte do Chile: “A explicação dos cientistas é que as mudanças na cadeia alimentar provocadas pelo aquecimento das águas do Pacífico provocaram essas mortes. Estamos vivendo atualmente um ‘ecocídio’. No futuro, poderão não ser golfinhos e pelicanos, mas pessoas a morrerem em decorrência do aquecimento global.”

Solón, que hoje atua como dirigente da organização Focus on the Global South, também criticou a economia verde e os rumos que estão sendo dados até aqui para a Rio+20: “O que propõem os governos para enfrentar esse ‘ecocídio’? Propõem fazermos mais negócios com os créditos de carbono. A economia verde propõe generalizar o negócio dos certificados de redução das emissões, os chamados créditos de carbono. Mas, estes não são nada mais do que uma permissão para que as empresas do Norte descumpram seus compromissos de redução dos gases de efeito estufa e sigam contaminando o planeta”.

O boliviano disse que os integrantes da Cúpula dos Povos querem que sejam respeitados os ciclos vitais da natureza. “Que os governos do Norte reduzam substancialmente suas emissões, não em 2020 como querem, mas agora. Queremos que os países emergentes, como China, Brasil, Índia e África do Sul não sigam o mesmo caminho de destruição imposto pelos EUA e pela Europa e que nos tem levado a esta situação. Queremos outro futuro para a humanidade e para a natureza”, disse. 

Agronegócio e EUA

A canadense Nettie Wiebe, que é dirigente da Via Campesina e agricultora familiar em seu país, reafirmou as bandeiras comuns do movimento camponês. “Somos contra todo esse conceito de economia verde que quer mercantilizar e privatizar os bens comuns e a natureza. Lutamos para reconquistar o direito às sementes e à terra pelos pequenos agricultores do mundo”, disse.

Nettie afirmou que os problemas vividos pelos pequenos agricultores hoje são muito parecidos no Brasil, no Canadá ou na Índia: “O problema principal que estamos vivendo é a privatização da produção pelo avanço do agronegócio, pelo controle das sementes e pela forma como as grandes corporações estão cada vez mais controlando a agricultura e tornando inviável a pequena agricultura”, disse. 

A dirigente da Via Campesina prometeu uma “participação em massa” dos militantes da organização na Cúpula dos Povos. “Temos as propostas para que possamos sair dessa crise e fazer um manejo mais sustentável do planeta. Vamos participar em massa da Cúpula dos Povos, não só para denunciar como nossas comunidades estão sendo afetadas por essas múltiplas crises, mas também para propor soluções. Sabemos muito bem que para superar essa crise climática que estamos vivendo é preciso diversidade biológica. Quem mais protege as sementes e a natureza é a pequena agricultura”. 

A norte-americana Cindy Wiesner, dirigente da Aliança Popular pela Justiça Global, afirmou sua preocupação com a atuação do governo dos EUA no que diz respeito às negociações ambientais internacionais: “A Cúpula dos Povos será o espaço para falarmos sobre os limites da Terra. Queremos que nosso governo assuma responsabilidades e, particularmente, queremos influenciar a delegação oficial dos EUA, que virá à Rio+20 muitas vezes representando os interesses das grandes corporações, os interesses de 1% da população do país”.

Cindy também pretende “apresentar ao mundo” os muitas vezes ignorados conflitos socioambientais que acontecem em seu país. “Nos EUA se está sentindo muito profundamente a crise econômica e ecológica. Nas classes operárias e marginalizadas e, sobretudo, nas comunidades latinas, asiáticas, indígenas e afro-descendentes. Os EUA, que basicamente tratam de dominar ao resto do mundo com guerras e ocupações, agora querem fazer isso a partir do manejo do capitalismo verde. Traremos líderes de diferentes frentes de luta dentro dos EUA para poder compartilhar ideias com movimentos internacionais e procurar saídas globais para essa crise”, diz. 

Mobilização internacional

Toda a articulação internacional mobilizada a partir da Cúpula dos Povos passará por um teste no Dia do Meio Ambiente (5 de junho), para quando estão sendo convocadas ações e protestos contra a economia verde em todo o mundo. “Vamos dar um recado nas ruas para os governos e as sociedades em todas as partes do mundo. Seremos milhares de pessoas nas ruas, com um compromisso contundente contra o capitalismo esverdeado”, afirma a brasileira Tica Moreno, dirigente da Marcha Mundial das Mulheres.

Tica aposta no sucesso desta mobilização e também do evento que começará dias depois no Rio de Janeiro. “A Cúpula dos Povos é parte de um processo de luta e resistência à expansão da mercantilização da vida em todo o mundo. Será o momento de dizermos basta ao machismo, ao capitalismo e ao racismo e apontarmos ações para depois da Rio+20”. Segundo Tica, os movimentos organizados que compõem a Cúpula dos Povos irão levar ao Rio cerca de 18 mil militantes: “Teremos representantes das mulheres, dos camponeses, dos indígenas, dos quilombolas, da juventude e do movimento negro. Vamos afirmar a economia solidária, a soberania alimentar e a agroecologia como estratégicas para a construção de um novo paradigma”.