Pesquisadores defendem produção agrícola sustentável sem mudar Código Florestal

Em audiência no Senado, representantes da comunidade científica apontaram vantagens da recuperação da vegetação nas APPs

O debate desta terça-feira envolvia possíveis alternativas que modifiquem o Código Florestal (Foto: Márcia Kalume/ Agência Senado)

São Paulo – O membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Elíbio Leopoldo Rech Filho e o  professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) Ricardo Ribeiro Rodrigues defenderam, durante debate nesta terça-feira (27) no Senado Federal, o uso de tecnologia para se aprimorar a exploração sustentável de áreas de floresta preservadas. A discussão envolve alternativas aos interesses que motivam mudanças no Código Florestal brasileiro, em tramitação na Casa.

A reunião com os especialistas ocorreu em uma audiência conjunta das três comissões pelas quais o Projeto de Lei 30/2011, da Câmara, terá de passar antes de ir a plenário – de Meio Ambiente, de Ciência e Tecnologia e de Agricultura. A constitucionalidade da matéria foi aprovada na semana passada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

O membro da ABC observou que a reforma no código pode representar uma oportunidade para a criação de medidas promotoras do crescimento da produção de alimentos em harmonia com o ambiente. “Devemos focar nos processos já existentes, uma vez que a intensificação sustentável da produção de alimentos é o maior desafio deste século”, destacou Rech Filho. Na prática, ele refere-se a estratégias mais eficientes de produção – sem que haja expansão da área cultivada e com a redução do uso de recursos hídricos.

Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal Brasileiro começaram desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos de controle de desmatamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original precisa ser mantida para evitar acelerar a erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas ambientais. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e adiado por quatro vezes, que prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida uma forma de aumentar o desmatamento. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.

Rech Filho observou ainda que a agricultura do futuro deve combinar o uso de uma gama de tecnologias capazes de promover o aumento da produtividade agrícola sem comprometer os recursos naturais. É a chamada agricultura de baixo carbono, com baixa emissão de gases causadores do efeito estufa. Depois das queimadas, a pecuária é apontada como principal fonte de emissão desses gases em decorrência da alimentação inadequada e de práticas extensivas. Ele citou técnicas nesse sentido, como plantio direto, integração lavoura-pecuária, fixação biológica de nutrientes, entre outros.

Rodrigues, da Esalq-USP, posicionou-se contra a dispensa de recuperação de reserva legal em pequenas propriedades, conforme proposto no projeto. Para ele, as áreas de preservação permanente (APPs) servem de filtro para conter sedimentos, reduzindo em até 97% a chegada dos resíduos para os cursos de água, além de contribuir para impedir a poluição dos recursos hídricos.

O pesquisador ressaltou também a importância da reserva legal, destacando o papel das matas como corredores ecológicos (rotas de insetos e outros animais, especialmente pássaros), essenciais para sobrevivência das espécies. “A maioria de nossas culturas (agrícolas) depende de polinizadores que têm abrigo nas áreas de preservação”, explicou.

Os senadores Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator do projeto nas comissões de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Agricultura (CRA), e Jorge Viana (PT-AC), relator na Comissão de Meio Ambiente (CMA), falaram da importância de o projeto ser reformulado no Senado para prever mecanismos práticos que incentivem a recomposição de áreas protegidas.

Bronca nos políticos

O geógrafo Aziz Ab’Saber criticou, em entrevista ao Terra Magazine, os interesses políticos que envolvem a reforma do Código Florestal. Ele discorda que haja pessoas com grandes propriedades comprometidas com a exploração sustentável, e disparou até mesmo contra a presidenta Dilma Rousseff.

“Se a dona Dilma (Rousseff) ouvisse os cientistas e pessoas que entendem da Amazônia, ela não iria concordar com o código”, disparou Ab’Saber. Para o geógrafo, os membros do governo não possuem conhecimento suficiente para ocuparem seus cargos e, com isso, o debate fica comprometido. “Lá no governo a coisa está muito séria, a Dilma herdou do Lula um quadro extremamente complicado. E ainda colocaram na Ciência e Tecnologia uma pessoa que nunca gostou de ciência, nunca fez ciência.” O ministro da pasta é Aloízio Mercadante.