Para ONGs, Conferência do Clima salva apenas a si mesma em Cancun

Governantes concordaram, pela primeira vez, que se nada for feito os resultados das mudanças climáticas serão irreversíveis (Foto: Fernando Luna/Divulgação) Rio de Janeiro – Ao final da 16ª Conferência das […]

Governantes concordaram, pela primeira vez, que se nada for feito os resultados das mudanças climáticas serão irreversíveis (Foto: Fernando Luna/Divulgação)

Rio de Janeiro – Ao final da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP-16) da Organização das Nações Unidas (ONU), o diretor internacional de Política Climática do Greenpeace, o belga Wendel Trio, define os resultados: “A COP-16 pode até ter salvado o processo de negociações coordenado pela ONU, mas certamente não salvou o clima”. O encontro, encerrado no sábado (11) em Cancun, no México não avançou sequer um milímetro na definição da segunda fase do Protocolo de Kyoto (a primeira se encerra em 2012).

Realizado à sombra do fracasso da COP anterior, o encontro no litoral mexicano tampoucou conseguiu estabelecer metas obrigatórias de redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa. Desta vez, no entanto, os países ao menos concordaram com os repetidos alertas dados pelos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) e reconheceram em um documento a emergência da questão climática.

No texto batizado Acordo de Cancun, 193 países (dos presentes, somente a Bolívia não assinou) afirmam “a necessidade imperativa de evitar o aumento da temperatura média da Terra em mais de 2ºC até o fim deste século”. Se isso não for feito, admitem pela primeira vez os governantes em um documento adotado por consenso no âmbito da Convenção, “as conseqüências climáticas serão catastróficas e irreversíveis”. Decisões quanto a metas concretas, no entanto, foram jogadas para a COP-17, que acontecerá no ano que vem em Durban, na África do Sul.

Se, no que se refere à redução das emissões, o avanço conquistado na COP-16 foi apenas conceitual, em um outro terreno que parece atrair tanto ou mais o interesse dos diversos atores envolvidos nas discussões climáticas – o do dinheiro – as coisas evoluíram mais concretamente. A principal medida foi a adoção do Fundo Verde, por intermédio do qual União Européia, Japão e Estados Unidos financiarão nos países pobres ações de mitigação e adaptação aos efeitos do aquecimento global. Até 2012, de forma emergencial, o Fundo Verde mobilizará US$ 30 bilhões, montante que deverá crescer ao patamar de US$ 100 bilhões anuais até 2020.

Outra discussão financeira que, assim como a do Fundo Verde, se estendia desde antes da COP-15 de Copenhague (Dinamarca) e finalmente encontrou encaminhamento em Cancun diz respeito à adoção do Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), mecanismo pelo qual os países possuidores de grandes florestas poderiam ser recompensados em dinheiro pelo desmatamento evitado.

Uma série de aspectos técnicos relativos à regulamentação do REDD foi estabelecida na COP-16 e toda a estrutura para sua entrada em operação foi decidida, restando em aberto somente a definição de um detalhe nada desprezível: as fontes de financiamento. Mais uma tarefa para Durban.

Tecnologia

Além da transferência de recursos financeiros que se dará através do REDD e do Fundo Verde, os países ricos também se comprometeram em Cancun com a transferência de tecnologia aos mais pobres para o combate aos efeitos das mudanças climáticas. A administração de todo esse processo será feita em um primeiro momento pelo Banco Mundial e, em seguida, passará ao Comitê de Adaptação, órgão que teve também teve sua criação definida durante a COP-16.

Essa decisão foi comemorada pela brasileira Suzana Kahn, que é professora da COPPE/UFRJ e integrante do IPCC: “Havia uma grande resistência dos países pobres em que a administração dos recursos ficasse com o Banco Mundial, uma instituição na qual eles não têm influência. Queriam, portanto, que o gerenciamento da verba coubesse à própria Conferência do Clima (…) A COP criará um comitê, onde os países em desenvolvimento terão assento, para assumir essa verba”, disse, em entrevista ao jornal O Globo.

Citando o exemplo do Fundo Verde, Suzana, que já foi secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, revelou “uma certa frustração” com a lentidão das discussões: “A velocidade das negociações é impressionantemente lenta e deslocada da urgência do assunto. Na COP-15, concordou-se sobre a necessidade de transferência de recursos. Na COP-16, os países definiram quem vai gerir esses recursos. Somente na COP-17 saberemos de onde virá esse dinheiro. Enquanto isso, um acordo mais efetivo não é feito”, disse.

“Pequeno passo”

Assim como definiu o dirigente internacional do Greenpeace, a grande maioria das organizações do movimento socioambientalista saíram de Cancun com a sensação de que se salvou que o processo de negociações de um fracasso, literalmente, catastrófico. Em uma nota divulgada ainda no México, dirigentes da ONG brasileira Vitae Civilis, que faz parte da rede internacional Climate Action Network (CAN), consideraram a COP-16 “um pequeno e importante passo”.

A nota afirma que mesmo “considerando-se que ninguém tem coragem de negar que as metas declaradas estão aquém do necessário para mantermos a temperatura abaixo de um aumento de 2ºC, elas podem entrar como ponto de partida, como um limite mínimo – e não como um teto ou número estático. Se isto ocorrer (…), ganham força dentro da linguagem diplomática. Embora pequeno, é um importante passo para um acordo legalmente vinculante”. O documento diz também que a COP-16 “criou as condições para ampliar as ambições dos países no ano que vem em Durban”.