Possível retrocesso nas discussões climáticas em 2010 já assusta ambientalistas

Depois do fracasso da rodada de Copenhague, quando alguns países ricos chegaram a propor acordos excluindo os demais, líderes mundiais ainda não avançaram para uma solução concreta para o risco de colapso de ambiental

Barack Obama, em uma das reuniões da COP-15, com seus pares de Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca e Suécia. (Foto: Pete Souza. Casa Branca)

Rio de Janeiro – O encontro de cúpula da ONU sobre mudanças climáticas realizado em Copenhague em dezembro passado jogou para 2010 inúmeras tarefas que os países de todo o mundo necessitam cumprir para combater os efeitos do aquecimento global. Passados os primeiros dois meses do ano, no entanto, a sensação de paralisia nas discussões sobre o clima permanece, e alguns setores do movimento socioambientalista já temem um eventual retrocesso.

No cenário externo, é notável o avanço de setores conservadores nos Estados Unidos contra as propostas de política climática apresentadas pelo presidente Barack Obama, consideradas fundamentais para destravar as negociações internacionais.

Outro fator preocupante é que o Acordo de Copenhague recebeu até agora a adesão de somente 55 países. O primeiro prazo para a adesão ao acordo já terminou, mas a ONU anunciou que, com o intuito de fortalecer o documento, continuará recebendo a assinatura de novos países.

Um dos principais articuladores da sociedade civil brasileira nas discussões multilaterais, o ambientalista Rubens Born, coordenador do Instituto Vitae Civilis, chegou de Washington esta semana e relata a discussão travada por ONGs de diversos países.

“A expectativa para 2010 é ver como as coisas vão se dar na prática. Apesar do pífio resultado obtido em Copenhague, as lideranças mundiais sinalizaram com algumas promessas, como, por exemplo, a destinação de um fast track de US$ 30 bilhões até 2012 para financiamento imediato de ações em mudança do clima, especialmente nos países em adaptação”, contou.

Born, que participou nesta quinta-feira (4) de um encontro com Hillary Clinton, lembrou que a chefe do Departamento de Estado afirmou, em nome de Obama, que essa ajuda poderia chegar a US$ 100 bilhões até 2020. “Tudo isso é muito pouco, pois as estimativas falam que é necessário pelo menos o dobro. A prova dos nove será as lideranças mundiais mostrarem que de fato vai existir esse dinheiro. Os anúncios feitos até agora não sinalizam nem os US$ 30 bilhões, então a conta não fechou. Nós vamos atuar durante 2010 no sentido de cobrar essas promessas”, diz.

Coordenador da Campanha do Clima do Greenpeace no Brasil, João Talocchi afirma que “a coisa precisa de um chacoalhão” depois de Copenhague. “A COP-15 deu uma acordada em todo mundo e, para os países que preferem que o acordo sobre o clima seja definido dentro de um organismo multilateral como a ONU, ficou a mensagem de que algo tem de acontecer logo, de mostrar que ali é possível se chegar a um resultado eficiente. Senão, você vai reforçar a ideia de alguns países de que as negociações têm de ser feitas fora da ONU, em reuniões menores, que envolvem menos países, mas, no final das contas, chegam a resultados menos justos pra todos”, avalia.

Talocchi ressalta o papel de “um novo grupo de países com muita força, que é o grupo dos Basic“, formado por Brasil, África do Sul, Índia e China, nações que fizeram o rascunho do acordo final de Copenhague. “Se estão do lado dos países que historicamente poluíram, que historicamente negligenciaram os países menos desenvolvidos e que permitiram ao mundo chegar na situação em que se encontra hoje. Outra possibilidade é esse grupo aprender com os erros dos outros países, exercer uma liderança inovadora e guiar o mundo num novo caminho”, diz.

‘Dois cenários’

Rubens Born afirma que “existem dois cenários” para o desenrolar das discussões ambientais internacionais. Em um deles, os países da União Europeia unem-se a algumas nações em desenvolvimento para fazer avançar em acordos sem os Estados Unidos. No outro, são fechados acordos bilaterais e, a partir deles, a Casa Branca toma iniciativas.

“Eu sou da opinião de que o mundo deveria avançar, apesar da resistência e da letargia dos EUA. Acho que não dá para ficar esperando. Esse iceberg de 2,5 mil quilômetros quadrados que se soltou lá na Antártida nos mostra isso”, aponta. A urgência da questão climática, para ele, pode colocar em xeque até mesmo o regime de decisões por consenso historicamente adotado pela ONU.

Batalha interna nos EUA

A batalha interna travada pelo governo Obama dá a tônica do impasse multilateral. A tentativa do presidente dos EUA de criar uma lei nacional de redução das emissões dos gases provocadores do efeito estufa, por exemplo, esbarra na má-vontade política dos setores conservadores da sociedade norte-americana.

Diversos senadores – republicanos e até mesmo do Partido Democrata – já afirmaram que a questão não deve ser apreciada pelo Senado em 2010. Além disso, cresce no país do norte o movimento dos céticos das mudanças climáticas, que negam as evidências científicas do aquecimento global e, segundo pesquisas de opinião, já conseguem convencer boa parte da população do país.

“Do ponto de vista moral e do ponto de vista político, seria muito importante contar com os EUA nos esforços mundiais. Agora, a realidade é que, por mais que a administração Obama esteja tentando criar algo novo, parece que a situação política no Congresso e a campanha dos setores mais conservadores estão impondo dificuldades para que a lei seja aprovada este ano”, diz Rubens Born.

O ambientalista, lembrando as conversas que teve em Washington, afirma não crer que essa situação mude em breve porque a preocupação principal da sociedade continuam sendo a crise econômica e o desemprego, algo que colabora para garantir a postura dos setores conservadores.

João Talocchi, por sua vez, reafirma a esperança de que o movimento socioambientalista ainda nutre pelo governo Obama: “A gente espera que os americanos possam mudar sua posição e favorecer a implantação de políticas que realmente signifiquem a redução das emissões e não só favoreçam os setores poluidores, como os produtores de carvão e petróleo, que fazem um lobby pesado em cima do governo.”