Ministério Público tentará barrar usina na Justiça

Procuradores sentiram-se coagidos por ameaça de retaliação a ações contra o licenciamento ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. Reação dura indica que haverá batalha judicial para impedir licitação

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o presidente do Ibama, Roberto Messias, consideram que a usina de Belo Monte não representa o risco apresentado pelas organizações sociais (Foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil)

Nas últimas 24 horas, a hidrelétrica de Belo Monte aumentou rapidamente os embates entre o Ministério Público Federal e o Palácio do Planalto. A Procuradoria Geral da União emitiu um comunicado condenando a atitude da Advocacia Geral da União (AGU), que ameaçou processar todos os procuradores que ingressassem na Justiça contra as obras da hidrelétrica, cujo licenciamento ambiental foi liberado esta semana. Promotores federais do Pará também criticaram duramente a posição, o que indica que uma ação civil pública contra as obras deve ser apresentada.

A ameaça da AGU de retaliação por entraves às obras foi uma resposta rápida diante da alta possibilidade de pedidos de interferência judicial nas obras. A rebatida da Procuradoria foi igualmente rápida. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apontou que a instituição baseia-se no determinado pela Constituição, que dá o poder ao Ministério Público de ir contra atos do Poder Executivo que afrontem as leis.

 

“É precisamente o que se verifica no caso de hidrelétricas no norte do país, em que a atuação do Ministério Público atende não à vontade pessoal de seus representantes mas ao que determinam a Constituição e as leis e certamente não será obstada pelo aceno de medidas que, alegadamente dirigidas contra supostos abusos e desvios, revelam intuito intimidatório”, pontua o comunicado assinado por Gurgel.

A resposta do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) veio alguns tons acima. Os procuradores pontuam que a crítica é sempre bem-vinda, mas que o tom “ácido” usado pela AGU despreza que “um Estado democrático não se constrói com base na coerção, direta ou velada, provenha ela de onde vier”. Entre outras coisas, a Advocacia é acusada de querer levar o debate ao nível dos discursos fáceis, descartando a obrigação de proteger minorias étnicas e sociais.

O MPF-PA pontua que, há 13 anos, tem debatido o tema e que, portanto, sua postura não pode ser preconceituosa e apressada, como havia acusado a AGU. “A crítica e o debate franco não deveriam, ainda hoje, causar tanto desconforto em quem ocupa funções públicas e deve estar aberto a ouvir a sociedade e a cumprir a obrigação da transparência e do respeito à ordem jurídica à coisa pública”, destaca o comunicado. O texto aponta ainda que cada uma das instituições deve manter-se dentro de suas atribuições constitucionais.

A irritação dos procuradores indica que é muito provável uma ação civil pública contestando a construção de Belo Monte. A argumentação é de que a área técnica do Ibama alertou sobre a inviabilidade da hidrelétrica, mas os pareceres foram ignorados

A Rede Brasil Atual foi informada de que o Ministério Público espera apenas o recebimento de todos os documentos solicitados para que possa ingressar com a representação para interromper a licitação, prevista para 12 de abril. A Agência Nacional de Energia Elétrica informou nesta quinta-feira (4) que o edital para o leilão de Belo Monte sairá logo depois do carnaval.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, saiu em defesa da Advocacia Geral da União, apontando que não se considera um ato intimidatório quando os procuradores afirmam que vão entrar com ação para trancar uma obra do governo. “A AGU tem o direito de acionar judicialmente outras instâncias do Estado para defender determinados pontos de vista. A postura não é de ameaça”, afirmou.

Histórico

O Ministério Público Federal no Pará posicionou-se contra o processo de licenciamento ambiental ada usina de Belo Monte. A polêmica com o governo intensificou-se ao fim das audiências públicas realizadas no Pará no segundo semestre do ano passado. Foram apenas quatro e, na última delas, os procuradores detectaram uma série de irregularidades, como movimentos sociais excluídos, tempo muito curto para exposição de argumentos e constrangimento dos contrários à hidrelétrica.

Por conta disso, e do número de discussões considerado insuficiente, uma ação foi apresentada à Justiça, que concedeu liminar determinando a realização de novas audiências, em maior número e dando espaço às comunidades afetadas. Mas, agora, a emissão do licenciamento ambiental por parte do Ibama mudou o cenário e a ação deve visar diretamente a paralisação do processo licitatório.

Enquanto isso, o presidente do Ibama, Roberto Messias, recebe lideranças locais para esclarecer dúvidas a respeito do tema. Esta semana, ele conversou com o bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Kraütler, que manifestou o temor dos indígenas a respeito da hidrelétrica. “Estou com medo de que Belo Monte represente um desastre irreversível e irrecuperável para a região, com a destruição de significativa parte do Xingu”, disse o bispo.

Contra a licença, movimentos socioambientais garantem que vão aumentar a pressão. Um protesto foi realizado nesta quinta-feira em Altamira (PA) com a participação de indígenas afetados pelas obras. “Nossa posição é exigir da Justiça que a licença seja anulada, porque é uma licença criminosa, e fortalecer nossa pressão contra o governo”, afirma Antonia Melo, uma das coordenadoras do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Leia também

Últimas notícias