Novo diretor do Ibama afirma que tem autonomia para vetar licenças

Em entrevista à Rede Brasil Atual, Pedro Alberto Bignelli descarta que tenha assumido sob condição de aprovar rapidamente licença de Belo Monte, embora admita prioridade à hidrelétrica

O novo diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama não tem muito tempo para acostumar-se à nova função. Nem bem chegou, Pedro Alberto Bignelli precisa pensar na concessão de licença ambiental da hidrelétrica de Belo Monte, apontada como motivo para a queda de seu antecessor, Sebastião Custódio Pires. Foi também um agravante no pedido de demissão do coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica, Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, que na quarta-feira (2) afirmou à Rede Brasil Atual que o ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, quer ganhar a licença no grito.

Superintendente do Ibama no Mato Grosso até o começo da semana, Bignelli chega ao cargo com a lembrança de redução de desmatamento no estado do Centro-oeste. No período fechado entre agosto de 2008 e julho de 2009, a área de desmate foi de 1.047 km², contra 3.258  km² na medição anterior.
Agora, no entanto, ele passa da fiscalização ao licenciamento. Como ele mesmo diz, muda a ordem das coisas. Na fiscalização, todos querem ficar por último. No licenciamento, a pressão é para que tudo saia rapidamente. Sobre os novos desafios, ele garante não haver qualquer imposição em relação a Belo Monte e considera que a pressão sobre o Ibama é normal.

Confira a entrevista concedida por telefone à Rede Brasil Atual.

RBA – Como estão os primeiros dias de trabalho?

Ontem estive na Casa Civil para me apresentar e mostrei uma proposta de reestruturação de procedimentos dentro da diretoria. Hoje, estou conhecendo a equipe, em contato com o antigo diretor para o repasse das prioridades e a situação de cada processo.

RBA – Qual sua ideia de reestruturação de procedimentos?

A ideia é tirar um pouco do poder discricionário dos analistas, que ficam muito expostos. Os processos ficam muito personificados, vou tentar mudar isso para a questão de fundamentos biótico, físico e socioeconômico.

Hoje, tem coordenação de transporte, de energia e de petróleo e gás, lá no Rio de Janeiro. Então, fica muito visada, a relação com o empreendedor é direta praticamente.

RBA – A ideia é colocar uma espécie de intermediário entre o empreendedor e o analista?

Na verdade, seriam três coordenações. Uma que analisa a recepção do processo, com análise prévia para ver se não falta parte nenhuma e organização de audiências públicas para o processo entrar limpo no Ibama, pronto para ser analisado. A segunda é a análise propriamente dita, em que seriam analisados os meios biótico, físico e socioeconômico. E uma terceira coordenação que trabalharia no crivo jurídico e também no técnico-científico, com a constituição de um comitê de especialistas do Ibama para dar as condicionantes ao licenciamento.

RBA – Isso implica mudança no tempo de análise?

Acredito que vai melhorar a qualidade e o tempo também. A gente vai tentar separar uma parte que hoje está aqui, de fiscalização, que acaba gerando análise de processo de fiscalização aqui dentro.

A questão de acatar apenas o processo em perfeito estado já dá celeridade. E também a implementação de coisas básicas. Uma delas é um sistema que trabalha com agendamento, o tempo que o processo está com cada pessoa e se está dentro do período determinado por uma matriz de prioridades que vamos determinar. Nessa matriz, vamos ver quanto tempo e quantos técnicos precisamos em cada caso.

RBA – O presidente do Ibama e o ministro Carlos Minc, o que falaram das propostas?

Acharam boas. O presidente foi um pouco mais a fundo, gostou bastante. Deram todo o apoio a princípio. Disseram que vão cobrar bastante, mas é apoio irrestrito no começo para ver se a coisa muda um pouco.

RBA – É sabido que a diretoria de licenciamento sofre muita pressão. Como o senhor pretende lidar com isso?

Pressão tem em todo lugar. Venho da fiscalização, e lá sofre-se muito mais pressão política, de interesses econômicos e tudo o mais. Estamos plenamente em condições de lidar com pressão. Não vamos mudar qualidade de serviço nem modo de agir por conta de pressão externa.

RBA – O que o senhor já sabe sobre o processo de Belo Monte?

Venho acompanhando há algum tempo. É um processo que tem algumas pendências que vão ser analisadas dentro da matriz de prioridades. Vamos ver o que falta para ser analisado, colocar na planilha da matriz, ver quantos técnicos são necessários e começar a trabalhar na semana que vem com a equipe designada para isso. A equipe deve ser constituída a priori pelas mesmas pessoas que estão hoje porque não dá para tirar todo mundo e voltar à estaca zero.

RBA – A Casa Civil pediu que o processo seja acelerado?

A Casa Civil e o governo têm diversas prioridades. Dentre elas, a maior hoje é Belo Monte, mas tem também a BR-319, Ferronorte. A mais robusta é Belo Monte, mas nada que seja imposto pela Casa Civil.

RBA – Foi citado o caso da BR-319, entre Porto Velho e Manaus. A seu ver, esse projeto e Belo Monte são viáveis ambientalmente?

A princípio, Belo Monte, que já está bastante adiantado o parecer, não tem nenhuma negativa. Tem alguns “senões” que devem virar condicionantes, mas negativas não. Faltam algumas partes que o empreendedor está tentando sanar, mas a princípio não há negativa. Agora, a BR-319 eu ainda não me inteirei do caso.

RBA – O ministro Minc é contra a rodovia Porto Velho-Manaus pela chamada espinha de peixe (quando, junto à estrada, vão se gerando ramificações e aumentando o desmatamento). 

Até agora, ele não me passou nenhum tipo de posicionamento desse gênero. Sei que a ocupação na Amazônia é bastante complicada exatamente em relação à espinha de peixe. Agora, precisamos analisar qual a proposta do empreendedor para querer esse parecer. Estamos trabalhando num contexto de análise puramente técnica.

RBA – Como o senhor vê os ataques que o Ibama sofre da imprensa, de setores da sociedade e de setores do próprio governo?

São questões a que estamos acostumados. Quando o procedimento entra aqui, começa a correr o tempo e todo mundo quer o seu primeiro. Como, em contrapartida, quer ser fiscalizado por último. A cobrança da imprensa é justa, está na função dela, e lidamos com isso com respostas técnicas e licenciamento.

RBA – O senhor entende que goza de respaldo para apresentar contestações a obras consideradas importantes pelo governo?

Temos completa isenção em relação a isso. Ninguém em nenhum momento disse que vai ter de aprovar de qualquer jeito, isso não existe. Trabalhamos basicamente em três posições: não, sim com condicionantes e sim puro. O “sim puro” é o mais difícil.

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