Movimento socioambientalista mantém esperanças para Copenhague

A uma semana da COP-15, ativistas fazem ressalvas à posição de China e Estados Unidos e acusam líderes mundiais de jogar pôquer com o planeta. Mas apontam que pressão internacional e o risco de tomarem uma 'vaia planetária' pode garantir o sucesso

Otimismo aumentou com posição assumida pelos dois maiores emissores de gases causadores de efeito estufa, mas restam incertezas (Foto: Reprodução Cop-15.dk)

A menos de uma semana do início da conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, as expectativas pessimistas em relação às possibilidades de sucesso do encontro internacional convivem com discursos mais esperançosos. A mudança ocorreu desde que os dois maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa – China e Estados Unidos – decidiram anunciar metas de redução de suas emissões. Esse anúncio foi bem recebido pelas organizações socioambientalistas brasileiras que estarão em Copenhague, na Dinamarca, para a COP-15, mas alguns de seus dirigentes ressaltam que o jogo ainda está longe de ser ganho.

“O anúncio de metas unilaterais, ainda que sejam midiaticamente sonoras, não poderá garantir um regime continuado e eficiente para promover uma significativa redução das emissões globais, até porque são diferentes – e até confusos – os parâmetros que vêm sendo adotados por cada país na definição dessas metas”, alerta Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA).

De fato, os anúncios de EUA e China chamaram a atenção da mídia em todo o mundo. No dia 25 de novembro, o presidente Barack Obama confirmou que irá à Copenhague, onde os país assumirá o compromisso de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 17% até 2020, tendo como base os níveis de 2005. Menos de 24 horas depois, foi a vez da China anunciar o compromisso com um “plano de redução da intensidade de carbono na economia” de 40% a 45% até 2020, também com base em 2005. O país também confirmou a presença do primeiro-ministro Wen Jiabao na COP-15.

“Parte dessa tomada de posição é cortina de fumaça e parte é do jogo pertinente às negociações”, afirma Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis. “Eu entendo que os anúncios de China e Brasil eram politicamente necessários para mobilizar os Estados Unidos, para constranger o governo Obama”, explica o analista.

“Parte dessa tomada de posição é cortina de fumaça e parte é do jogo pertinente às negociações. Eu entendo que os anúncios de China e Brasil eram politicamente necessários para mobilizar os Estados Unidos, para constranger o governo Obama” – Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis

Segundo Born, o poder de pressão dos países em desenvolvimento sobre os EUA aumentou: “O posicionamento dos EUA, que vem desde a época do Bush, é de que os países em desenvolvimento têm que fazer alguma coisa. Agora nós decidimos fazer, dentro daquilo que foi combinado, que não é obrigatório e sim voluntário. Entendo isso como um sinal político que diz: não venham apenas com discurso pra cima da gente”.

1990 ou 2005

Um ponto na posição dos EUA que incomoda o movimento socioambientalista é usar 2005 como ano base para suas metas de redução das emissões. “Ora, a data de referência do Protocolo de Kyoto é 1990”, lembra Paulo Adário, coordenador do Greenpeace na Amazônia. “A posição dos EUA é complicada porque, até mesmo para se diferenciar do Bush, o Obama assume a presidência com o compromisso de incluir o país na grande discussão global sobre mudança de clima”, explica.

“Ora, a data de referência do Protocolo de Kyoto é 1990. A posição dos EUA é complicada porque, até mesmo para se diferenciar do Bush, o Obama assume a presidência com o compromisso de incluir o país na grande discussão global sobre mudança de clima. É como se os EUA resolvessem assinar em Copenhague o Protocolo de Kyoto, que deveria ter sido assinado há dez anos. Eles estão chegando atrasados na festa, mas, de qualquer maneira, isso já é uma boa notícia, pois antes eles se recusavam a participar da festa” – Paulo Adário, coordenador do Greenpeace na Amazônia

“O ano de referência de Kyoto é fundamental porque em torno dessa data é que foram montados todos os programas econômicos para valorizar a redução da emissão de carbono e todos os projetos baseados nisso. Japão e União Européia adotaram compromissos de redução em relação a 1990 e negociam seus créditos em cima disso”, afirma Adário.

O corte anunciado pelos EUA, segundo o dirigente do Greenpeace, significa, na prática, algo em torno de 4%, quando confrontada à referência de 1990. “É como se os EUA resolvessem assinar em Copenhague o Protocolo de Kyoto, que deveria ter sido assinado há dez anos. Essa era a meta inicial do Protocolo, algo em torno de 5%. Eles estão chegando atrasados na festa, mas, de qualquer maneira, isso já é uma boa notícia, pois antes eles se recusavam a participar da festa”, diz.

Intensidade chinesa

A posição assumida pela China, segundo os ambientalistas, também não pode ser vista com confiança excessiva, pois estima uma redução baseada na projeção de emissões futuras – assim como o Brasil – o que a torna variável, como explica Rubens Born: “O anúncio da China introduz um parâmetro que já vem sendo debatido há muito tempo, que é o parâmetro de intensidade ou de eficiência. É uma expectativa de reduções das emissões por yuan (moeda chinesa) ou unidade de produto. É uma medida de eficiência ambiental, mas se o total de produtos aumenta, as emissões vão aumentar, o que certamente será o caso da China”.

Born afirma que, em todo caso, a China coloca na mesa de debates um parâmetro interessante. “Porque significa não só olhar para o total, mas saber que tem de haver uma eficiência ambiental embutida na economia para reduzir emissões por unidade de produto, por unidade transformada da natureza. Isso coloca o debate de que não basta reduzir as emissões totais, mas que a entropia ambiental também tem que diminuir”, diz o dirigente do Vitae Civilis.

“O fato de a China assumir metas também é interessante porque, assim como o Brasil, ela não está no grupo de países obrigados a assumir metas”, corrobora Paulo Adário, do Greenpeace. “A China se tornou o maior poluidor, mas não é um país que tenha responsabilidade histórica pela mudança do clima, assim como a Indonésia, que é hoje o terceiro maior emissor. Esses países em desenvolvimento acelerado serão responsáveis pelas mudanças climáticas futuras, por isso eles têm que fazer agora a sua lição de casa. Se não se derrubar o volume CO2 na atmosfera para níveis de 1990 nós vamos, segundo os cientistas, ter um cenário de catástrofe terrível”, alerta.

Otimismo?

De toda forma, ainda que tímidas, as posições assumidas pelos maiores emissores significam um avanço, como afirma a secretária nacional de Meio Ambiente da CUT, Carmen Foro. “O compromisso assumido por EUA e China, visto que representam juntos 50% da emissão mundial, torna um futuro acordo mais condizente com a realidade. Agora a discussão toma um caráter mais consistente, ainda que algumas das metas propostas sejam insuficientes”, pondera.

A expectativa da CUT, segundo Carmen, é de que cada governante assuma a sua responsabilidade definindo metas condizentes, aplicando medidas de transição em casos em que postos de trabalho sejam reduzidos, além de promover campanhas de conscientização. Ela lembra que a redução de emissões deve ser um compromisso no dia-a-dia de cada cidadão e cidadã do planeta.

Com grande experiência nas negociações multilaterais e várias COPs no currículo, Rubens Born mescla otimismo e ceticismo. “Acho que até o último dia de COP-15 existem possibilidades de avanço”, resume.

“Se não houver acordo, haverá uma vaia planetária para os dirigentes e eles sabem disso” – Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA)

Mas há outros indicadores. Segundo Born, no que concerne ao chamado Plano de Bali, que determinou há dois anos como avançar compromissos dentro da Convenção sobre Mudanças Climáticas, negociadores brasileiros do Itamaraty vêem sinais de otimismo. “Parece que existem chances de que sejam tomadas decisões legalmente vinculantes (obrigatórias) sobre o conteúdo do Plano de Bali, que são os pedidos nacionais de mitigação pelos países em desenvolvimento, a questão do REDD, a relação entre a redução do desmatamento e as emissões e o Fundo de Adaptação”, detalha.

“A grande celeuma em Copenhague está na redução das emissões dos países industrializados no segundo período do Protocolo de Kyoto. Aí, parece que a coisa ainda está muito difícil”, alerta.

O peso de uma vaia planetária

A opinião pública internacional, segundo os ambientalistas, pode ser um fator fundamental de pressão, já que as negociações estão praticamente estagnadas por causa do burocratismo diplomático. “Avanços em Copenhague dependerão de decisões políticas de chefes de Estado e não dos staffs de negociadores oficiais. O que conta a favor é a crescente pressão da opinião pública mundial por soluções consistentes, proporcionais ao desafio da mudança climática. Se não houver acordo, haverá uma vaia planetária para os dirigentes e eles sabem disso”, afirma Márcio Santilli.

Com mais ou menos otimismo, o movimento socioambientalista brasileiro vê a COP-15 com esperanças. “Não estou particularmente otimista porque à medida que Copenhague vai chegando, os líderes globais parecem fazer um jogo de pôquer. Um bota um pouquinho, outra tira um pouquinho, outro mostra que tem carta escondida, tem gente que está blefando”, lamenta Paulo Adário.

Ele, no entanto, também aposta na pressão: “A opinião pública está há anos esperando um acordo em Copenhague e a mídia internacional está toda envolvida nisso. Nunca a questão ambiental foi tão globalizada como hoje, então é muito difícil que esses líderes políticos possam sair impunemente de um fracasso em Copenhague. Isso, se acontecer, será um desastre para a maioria dos políticos do mundo. Nesse sentido, espero que a coisa possa caminhar para, ao menos, um pré-acordo que permita que no ano que vem a gente tenha um acordo mais consolidado”.

Leia também

Últimas notícias