COP-15 chega ao fim com sabor de fracasso e sem acordo com força de lei

(Foto: Governo da Dinamarca/Divulgação) Rio de Janeiro – “Se o clima fosse um banco privado, esse assunto já estaria resolvido há muito tempo”. A sarcástica afirmação feita pelo presidente venezuelano […]

(Foto: Governo da Dinamarca/Divulgação)

Rio de Janeiro – “Se o clima fosse um banco privado, esse assunto já estaria resolvido há muito tempo”. A sarcástica afirmação feita pelo presidente venezuelano Hugo Chávez durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), que se encerrou sábado (19) em Copenhague, é reveladora da pouca boa-vontade política demonstrada pela maioria dos líderes mundiais na tentativa de se chegar a um acordo com força de lei para combater o aquecimento global.

O sabor do fracasso já se apresentava nos últimos dias da COP-15 graças à posição irredutível assumida pelo governo dos Estados Unidos, que não foi além do prometido corte de 17% até 2020 de suas emissões de gases provocadores do efeito estufa, tendo como base o ano de 2005. Se levado em conta o ano-base para os cálculos de redução estabelecidos no Protocolo de Kyoto, que é 1990, a redução proposta pelo presidente Barack Obama é de apenas 4%.

A tímida proposta apresentada pelo maior emissor histórico de gases-estufa fez com que outros países ricos se movessem muito pouco. União Européia e Japão, por exemplo, não cumpriram o prometido, que era avançar nas propostas iniciais de redução de emissões (20% e 25%, respectivamente) que levaram à Copenhague.

Do outro lado, os países em desenvolvimento, sobretudo China e Índia, também fincaram pé em algumas posições como, por exemplo, não aceitar metas obrigatórias de redução de emissões ou não aceitar a criação de mecanismos externos de verificação e monitoramento das metas assumidas.

O impasse já era claro na primeira semana de COP-15, e os rumores entre os diplomatas nos corredores do Bella Centre davam conta de que dois documentos seriam alinhavados na capital dinamarquesa. O primeiro seria o rascunho da segunda fase do Protocolo de Kyoto, que traria metas mais ambiciosas de redução dos gases-estufa para os países ricos e manteria a não obrigatoriedade dos países em desenvolvimento em assumir metas, respeitando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, presente no Protocolo.

O segundo documento foi elaborado com o intuito de trazer os EUA para dentro de um acordo e, ao mesmo tempo, contemplar a exigência dos países ricos de que os países em desenvolvimento também assumissem metas. Batizado como Compromisso de Longo Prazo, este documento não teria força de lei e faria menção a todas as metas nacionais assumidas por cada país.

Outros objetivos, como a manutenção do aumento médio da temperatura da Terra em um máximo de dois graus Celsius nas próximas décadas, também eram mencionados no documento, assim como a ousada promessa de redução global das emissões em 80% até 2050.

Mesmo com a presença de alguns ministros importantes, os negociadores não conseguiram destravar as principais questões até a chegada dos chefes de Estado, que começaram a desembarcar em Copenhague a três dias do fim da conferência. Os mais importantes líderes estiveram na capital dinamarquesa: Wen Jiabao (China), Angela Merkel (Alemanha), Nicolas Sarkozy (França), Gordon Brown (Reino Unido) Mamonhang Singh (Índia), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Barack Obama (EUA), entre outros.

Acordo de Copenhague

No entanto, tanta expressão política não foi suficiente para garantir o sucesso da COP-15. A partir de uma iniciativa de Sarkozy e Lula, alguns líderes ficaram reunidos durante a madrugada que antecedeu a plenária final na sexta-feira (18). O esforço não deu resultado, e a conferência foi estendida em mais um dia.

Mas, diante da impossibilidade de se superar os obstáculos, os líderes foram, um a um, deixando Copenhague e retornando a seus países. Apesar da presença recorde de líderes globais, sequer foi feita a tradicional foto oficial ao final do evento, o que valeu o curioso comentário de um ambientalista do Greenpeace: “Parece que eles estão deixando a cena de um crime.”

O “crime” em questão é o pífio resultado das negociações na COP-15, que sequer conseguiu cumprir o objetivo de apresentar dois documentos. Sobre a prorrogação do Protocolo de Kyoto, nada foi decidido, com as discussões empurradas para “ao longo de 2010” e nova tentativa de decisão na COP-16, que acontecerá em novembro no México.

O documento que seria o “Compromisso de Longo Prazo”, por sua vez, foi transformado no “Acordo de Copenhague”, um papel sem força de lei, que somente cita as metas nacionais e a necessidade de se manter o aumento médio máximo da temperatura da Terra em dois graus. No documento final da COP-15, reduzido a uma carta de boas intenções políticas, sequer a meta de diminuir 80% das emissões globais até 2050 foi incluída, aumentando o sabor de fracasso em Copenhague.

Estrutura financeira

Ao fim da conferência, o secretário-executivo da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, Yvo de Boer, não escondeu seu desapontamento: “Precisávamos ter feito muito mais. Até a COP do México, no ano que vem, além de determinar a continuação do Protocolo de Kyoto, precisamos chegar a um acordo que abarque os EUA, determine metas para os países em desenvolvimento e tenha uma estrutura financeira sólida e significativa.”

A estrutura financeira mencionada pelo secretário-executivo permanece longe de virar realidade. Foi adiada para 2010, por exemplo, a definição de quais fontes irão alimentar o Fundo de Adaptação criado pela ONU para que “os países ricos transfiram recursos financeiros e tecnológicos aos países em desenvolvimento.” Também neste caso, a posição dos EUA foi fundamental para bloquear um acordo, já que o governo norte-americano não aceitou a inclusão dos países ditos “em crescimento acelerado” – casos de Brasil, China, Índia e África do Sul – entre os beneficiários do fundo.

No Acordo de Copenhague, a questão financeira inclui apenas a proposta, apresentada inicialmente pela secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, que menciona a destinação de US$ 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ações de mitigação e adaptação aos efeitos do aquecimento global nos países mais pobres.

Segundo o acordo, nos próximos três anos serão destinados US$ 30 bilhões com esse objetivo, mas o texto não deixa claro de onde virá o dinheiro.

Brasil fortalecido

Apesar do mau resultado da COP-15, o Brasil saiu fortalecido do encontro em Copenhague. A decisão de apresentar propostas voluntárias de redução das emissões, assim como a postura dos negociadores brasileiros no sentido de destravar as negociações foram muito elogiadas nos corredores do Bella Centre.

A intervenção do presidente Lula sexta-feira (18) no plenário, quando defendeu o direito ao desenvolvimento para os países mais pobres e anunciou que o Brasil estaria disposto a contribuir financeiramente com um fundo global, foi o discurso de chefe de Estado mais aplaudido da conferência.

Apesar dos ganhos diplomáticos e da consolidação da posição de liderança do país no cenário internacional, o governo brasileiro saiu muito insatisfeito de Copenhague. Último a deixar a capital dinamarquesa, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, foi taxativo: “O governo dos EUA emperrou o acordo. Estou muito frustrado, esse é um dos dias mais tristes da minha vida.”