Complexidade da discussão climática dá o tom em Copenhague

Tuvalu, nação cujo território se resume a uma ilha, colocou o dedo na ferida: sem meta obrigatória, países deixarão de existir com elevação do nível do mar

Negociador brasileiro acredita em acordo entre países do G-77 (Foto: Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca/Divulgação)

Os três primeiros dias da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima serviram para que os diversos grupos de interesse presentes a Copenhague apresentassem suas cartas na mesa de negociações. Marcar uma posição inicial ousada para mais tarde obter uma maior margem de recuo é uma conhecida prática diplomática, mas os esboços de documentos vazados por países ricos e em desenvolvimento dão uma mostra de como será complexo conquistar, na COP-15, um acordo efetivo de combate ao aquecimento global.

O que fica claro logo no início das negociações em Copenhague é a dimensão humanística e ética que permeia a discussão ambiental. Questões levantadas por alguns negociadores, como a “relevância” de pequenos países e pequenas populações ameaçadas pela elevação do nível do oceano, escondem um aspecto moral mais profundo. A manutenção do atual padrão de vida, produção e consumo em determinadas nações justifica que outros países menos importantes sob o ponto de vista econômico sejam deixados, literalmente, ao sabor das marés?

Coube ao governo de um dos menores países do mundo colocar o dedo nessa ferida. O arquipélago de Tuvalu, com território de 26 quilômetros quadrados, população de doze mil habitantes e altitude máxima de cinco metros acima do nível do mar, apresentou um documento no qual exige que a ONU saia de Copenhague com um acordo vinculante (de cumprimento obrigatório), com metas para os países ricos e também para os países em desenvolvimento.

A tomada de posição do governo de Tuvalu logo no início das negociações acontece porque a maioria dos países presentes à COP-15 adotou como “aceitável” nos primeiros documentos que circulam nos bastidores uma elevação de 2ºC na temperatura da Terra para as próximas décadas. O problema para Tuvalu, e para diversas outras nações insulares em situação semelhante, é que esse aumento de temperatura já é suficiente para varrer o país do mapa.

Com essa justificativa, o governo de Tuvalu quer que os documentos que servem de base às negociações considerem uma elevação máxima da temperatura de 1,5ºC. “Se for mantido o patamar de dois graus, a população de todo o país terá de ser evacuada. Tuvalu terá uma data para acabar, e nós não podemos permitir isso”, resume Ian Fry, chefe da delegação do arquipélago.

Divisão

A reação dos outros países à proposta de Tuvalu dá a medida de como será difícil um acordo em Copenhague. A seu favor, ficaram todos os países concretamente ameaçados pela elevação do nível do oceano, como Ilhas Maldivas, Guadalupe, Kiribati e Ilhas Maurício, entre outros. Também apoiaram a proposta diversos países pobres que têm parte de seu território abaixo do nível do mar ou possuem muitos deltas de rios, o que facilitaria inundações. Neste grupo estão países como Senegal, Sri Lanka e Bangladesh, entre outros.

A oposição à proposta de Tuvalu veio com força, sobretudo, por parte dos países árabes produtores de petróleo, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, entre outros. Dois dos principais países ditos em crescimento acelerado – China e Índia – também foram contra a mudança. A polêmica dividiu o G-77, grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte. O governo brasileiro não manifestou oficialmente sua posição sobre a proposta de Tuvalu, e o mesmo aconteceu com os Estados Unidos, o Japão e os países europeus.

Em busca do consenso

Em entrevista concedida na COP-15 para o ONG brasileira Instituto Socioambiental (ISA), o ministro extraordinário para Mudanças Climáticas do Brasil, embaixador Sérgio Serra, fez uma avaliação das negociações: “Após esses primeiros dias de negociação real, começa-se a tentar forjar o documento que será o resultado final de Copenhague. Esperamos poder ter esse texto pronto até a próxima terça-feira (15), para que quando cheguem aqui os líderes mundiais – estão confirmados 110 chefes de Estado – eles tenham uma base sobre a qual tomar suas decisões”, disse.

A redação do texto-base oficial a ser apresentada aos líderes globais terá como um de seus responsáveis o negociador-chefe da delegação do Brasil, embaixador Luiz Alberto Figueiredo. Experiente, ele garante que até o final da COP-15 um acordo de consenso será costurado e não teme um racha definitivo no G-77. “O grupo é bastante diverso e estamos, todos os seus integrantes, acostumados a essa diversidade. Conversaremos e buscaremos o consenso”, prometeu.

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