Gado brasileiro lança metano na atmosfera por alimentação inadequada

O arroto dos bovinos está entre os maiores emissores de gases que contribuem para o aquecimento global. O animal, no entanto, tem muito pouco a ver com isso. Essas emissões dependem da qualidade da sua alimentação, que é muito baixa no Brasil

Dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, o Brasil está longe de implementar ações para reduzir a emissão de metano pelo arroto bovino. As 205,9 milhões de cabeças, segundo levantamento de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), emitem 8 milhões de toneladas do gás por ano, o que representa 10% do metano ruminal do mundo inteiro e 3% do total produzido pelas atividades humanas.

Indicações teóricas e práticas para essa finalidade não faltam. O problema é que, pelo andar da carruagem, as recomendações técnicas baseadas em pesquisas científicas vão demorar muito ainda para serem seguidas pelo conjunto da pecuária nacional.

A opinião é do engenheiro agrônomo Odo Primavesi, aposentado recentemente pela Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos (SP). Um dos maiores especialistas no assunto em todo o mundo, ele coordenou pesquisadores que realizaram as primeiras medições das quantidades de metano emitidas por bovinos brasileiros em condições de campo, além de estudar as pastagens e a alimentação desses animais.

O metano (CH4) é altamente prejudicial para o aquecimento global porque, junto com o gás carbônico (CO2) e o óxido nitroso (N2O), impede que o calor gerado pelos raios solares deixe a superfície da Terra e as camadas mais baixas da atmosfera. Na pecuária, o CH4 é produzido durante a digestão de ruminantes, como os bovinos, bubalinos, ovinos e caprinos.

Dentro do rúmen, a primeira parte do estômago desses animais, o capim é fermentado por bactérias, fungos e protozoários. Nessa reação, os carboidratos das plantas são convertidos em ácidos graxos e há liberação de gás carbônico e metano – que vão para a atmosfera pela eructação – e não pela flatulência. Ou seja, é o arroto bovino, e não o pum, que libera o gás nocivo.

Fontes globais de metano

Queimadas 11%
Ruminantes 22%
Esterco 7%
Combustível fóssil 28%
Arroz 17%
Tratamento de águas e esgoto 7%
Terras cultivadas 8%

Fonte: US Environmental Protection Agency

As quantidades produzidas dependem das concentrações e das proporções dos ácidos produzidos, que por sua vez estão relacionados a características nutricionais da dieta animal. Outro problema do metano produzido no rúmen é que ele nada mais é do que perda de energia do alimento, refletindo em ineficiência na produção animal.

Segundo Primavesi, os estudos realizados nos últimos 15 anos em vários países mostram que as emissões gasosas estão diretamente relacionadas à alimentação que o gado recebe. Ou seja, o vilão não é o boi, e sim o capim muito fibroso, passado, de difícil digestão e pouco nutritivo. Esse tipo de material é típico de pastagens brasileiras mal manejadas, que compõem a base dieta bovina.

No Brasil, conforme seus cálculos, há em torno de 200 milhões de hectares de pastagens, das quais 50 milhões praticamente degradados e abandonadas por criadores que, em vez de investir na recuperação do pasto, vão norte acima em busca de terras mais baratas.

Diversas pesquisas mostram também que pastos bem cuidados ajudam o meio ambiente porque seqüestram o gás carbônico da atmosfera. Para complicar, durante o período mais seco do ano na região central do país, onde estão os maiores rebanhos, o capim fica escasso. Então o gado perde energia em forma de metano também devido às longas caminhadas em busca de forragem e água associadas à exposição ao sol causticante pela falta de sombra nas extensas pastagens onde é criado solto.

Além do mau uso da terra, ele ressalta outro aspecto ligado às altas emissões de CH4: a baixa produtividade do rebanho nacional. Se fosse mais bem alimentado e manejado, em vez de ficar 39 meses no pasto, cada animal poderia ficar apenas 26 ou mesmo 18 meses. Isso significa reduzir de 111 para 73 quilos as emissões totais por animal.

“Os ganhos seriam a melhor qualidade ambiental, maior atratividade comercial e economia por meio de giro mais rápido do capital. Ou seja, menor área de pastagem necessária para a produção de carne e leite”, diz o agrônomo.

As conclusões do pesquisador apontam alternativas para a diminuição das emissões relacionadas à melhoria da qualidade da dieta animal, com grande oferta de alimentos ricos em carboidratos rapidamente digeríveis, vindos de um conjunto de plantas forrageiras formadas por gramíneas e leguminosas que contenham mais proteína.

Este ingrediente, aliás, é capaz de minimizar as emissões de metano por meio de uma maior eficiência ruminal. Uma boa maneira de se obter isso no pasto é a adoção do sistema de integração lavoura-pecuária, na qual há rodízio entre culturas e pastagens que favorece a formação de melhores campos. E, no cocho, a inclusão de suplementos alimentares, que contenham lipídeos, aditivos, leveduras, cana-de-açúcar e outros nutrientes.

Para Odo Primavesi, o apelo ambiental ainda não é forte o suficiente para convencer o pecuarista a cuidar do pasto e alimentar melhor seus animais. “Esse produtor não se preocupa nem um pouco com o meio ambiente. É o boicote do comprador externo por produtos gerados sem cuidados ambientais que tem mais força”, afirma.

“O mercado interno, para quem vai 80% da produção, ainda não acordou para o problema que eles, consumidores, por não gritarem, exigirem, estão criando para seus descendentes. Meio ambiente, árvores, tudo é visto como um problema danado, e não como instrumentos para a sustentabilidade de nossa economia e da qualidade de vida de nossos descendentes”, dispara.