Para especialistas, questão climática não pode ser isolada

Distribuição de renda e projetos de desenvolvimento sustentável estão ligados ao combate ao aquecimento global

Para o economista Ladislau Dowbor, “não há uma bala de prata que vá resolver todos os problemas” (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Políticas isoladas não darão conta dos problemas ambientais detectados nos últimos anos, incluindo o aquecimento global, que pode provocar a morte de dezenas de milhões de pessoas neste século, deixando ainda mais vulneráveis populações socialmente enfraquecidas. A conclusão é do evento promovido pela revista CartaCapital e pela Envolverde, “Diálogos Capitais – Na rota de Copenhague”, realizado na terça-feira (13).

Nesta semana, o Brasil vive um momento decisivo para os temas da área, durante a preparação do mundo todo para o gran finale de um ano de discussões sobre o clima. Os planos brasileiros serão apresentados na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague, na Dinamarca. No evento, o mais aguardado do ano no setor, governos de todo o mundo tratarão de definir os rumos gerais para a próxima década. 

O governo Lula realizou na terça-feira, sem sucesso, a primeira tentativa de definir metas para as emissões brasileiras de gases-estufa. Enquanto setores ambientais trabalham com projeções baseadas em um crescimento de 4% ao ano, a Casa Civil espera uma expansão da economia sempre entre 5 e 6%. 

O aquecimento global, que ganhou forte difusão nos últimos anos e deixou apenas os círculos de ambientalistas, mostra-se na definição de estratégicas públicas e empresariais. O evento em São Paulo apontou o “aquecimento” de quais pontos devem ser debatidos em Copenhague.

Ladislau Dowbor, professor da PUC de São Paulo, sintetizou a ideia: “Não há uma bala de prata que vá resolver todos os problemas”. Ele aponta que é fundamental a articulação entre políticas e destacou que é necessário ampliar o papel dos municípios e da sociedade civil nos debates. Dowbor entende que o momento atual já é absolutamente insustentável e que o tempo para reações é escasso. 

“O essencial é que a gente não separe os problemas. É um problema só, ancorado no fato de que temos 4 bilhões de pessoas basicamente fora do sistema”, acrescenta. Dowbor lembra que os Estados Unidos são, sozinhos, responsáveis pela maior parte do consumo de recursos naturais e das emissões de gases do planeta.

Mediador do encontro, o jornalista Dal Marcondes, editor da Envolverde, demonstrou confiança na capacidade humana de resolver tais questões e ponderou que o caminho passa obrigatoriamente por distribuição de renda. “Mantendo o mesmo nível de vida que temos hoje, é possível construir uma nova economia em que a inovação e a necessidade de criação de alternativas vão gerar muito mais investimentos”, afirma.

José Goldemberg, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), considera que o Brasil deve levar a Copenhague uma proposta de reflorestamento da Amazônia. No mercado internacional de carbono estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, é possível que os maiores emissores de gases comprem créditos de carbono de nações que conseguem um saldo de captura maior que o de emissão. Com isso, países europeus, por exemplo, oferecem o equivalente a R$ 60 reais por tonelada de carbono. “Ou seja, quando a gente queima um hectare de floresta, está jogando no mínimo mil dólares na atmosfera. Com o agravante de que só joga fora uma vez”, afirmou.

Floresta em pé

Em Copenhague, um dos assuntos que geram mais expectativa é a definição sobre o pagamento ou não aos países e aos proprietários que mantenham a floresta em pé. Sobre o assunto, Goldemberg gerou polêmica entre os debatedores ao afirmar que o “bolsa-floresta” não passa de filantropia.

A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, concordou em parte com a visão do físico, e lembrou que é fundamental oferecer alternativas de desenvolvimento aos produtores e que apenas a repressão não manterá as árvores vivas.

Ela segue a linha do presidente Lula ao afirmar que é impossível o “desmatamento zero” defendido por organizações não-governamentais. A governadora fez longa exposição sobre o que considera ser conquistas de seu governo, ressaltando o papel da regularização fundiária. Para Ana Júlia, o instrumento é importante para punir ilegalidades.

Dowbor discorda frontalmente da ideia de que pagar para manter a floresta em pé é filantropia e aproveita para citar programas de distribuição de renda já implementados pelo atual governo. Para o economista da PUC, tal crítica vem de gente que “nunca viu uma mãe com criança chorando e sem ter dinheiro para pagar remédio”.

Biomassa

João Norberto Noschang, gerente de Gestão Tecnológica da Petrobras Biocombustíveis, anunciou a intenção da Petrobras de se tornar uma das cinco maiores empresas do setor até 2013. Para isso, os investimentos estão previstos em US$ 2,5 bilhões no período visando o desenvolvimento de novas tecnologias.

Ele admite que se vislumbra no horizonte o dia em que vai faltar petróleo, ainda que considere exageradas algumas estimativas. Ele aposta no uso de fontes fósseis apenas para casos muito específicos, e não mais como é hoje.  “O Brasil está numa situação privilegiada e está o mundo inteiro olhando para a gente. Muito se fala de falta de água e nós temos todo o potencial. Temos o maior programa de energia renovável do mundo”, comemorou.

Ele garante que a descoberta do pré-sal não vai abalar o ânimo brasileiro pelos biocombustíveis. Pelo contrário, acredita que haverá mais recursos para pesquisas. 

O professor Ladislaw Dowbor concorda que o governo acertou na destinação dos recursos do pré-sal ao focar nas questões sociais em vez de simplesmente “alimentar carros com petróleo”. 

José Goldemberg aponta que o Brasil está bem posicionado pela questão do álcool combustível. O etanol é considerado por ele a única fonte viável no momento para reduzir a dependência mundial aos combustíveis fósseis e a produção a partir da cana-de-açúcar tem vantagens comparativas muito fortes com o milho, usado nos Estados Unidos com a mesma finalidade. 

Para o ex-reitor da USP, o momento é de descobrir alternativas ao petróleo, cujas reservas podem terminar em meio século. “O problema é que antes disso haverá sinais claros de perturbação no mercado consumidor, o que faz da procura de substitutos algo extremamente importante”, afirma.

A governadora Ana Júlia Carepa defendeu que o Pará tem as melhores condições para a produção de biomassa e anunciou que há um acordo com a Vale para que todas as ferrovias da empresa utilizem o combustível gerado a partir da palma de dendê. 

Para ela, o desafio é transformar a vantagem das riquezas naturais em melhora da qualidade de vida da população. “O que coube à Amazônia há 30 anos como modelo de desenvolvimento? Coube o papel de ser fornecedora de matéria-prima para as regiões tidas como desenvolvidas”, protestou.