Greenpeace: é possível barrar projeto de ruralistas em comissão na Câmara

Comissão que pode dar parecer favorável à revogação do Código Florestal brasileiro elege Aldo Rebelo para relator, mas ruralistas emplacam presidência

Para ambientalistas, o projeto do deputado Valdir Colatto significa um grande perigo para a preservação de vários biomas brasileiros, em especial a Amazônia

A comissão especial da Câmara que analisa a revogação do Código Florestal brasileiro desfez os últimos nós e poderá finalmente iniciar seus trabalhos na próxima quarta-feira (20). Depois de três sessões sem sucesso, foram definidas as presidências e a relatoria da comissão.

Como esperado, o embate entre ruralistas e ambientalistas, que chegou a virar bate-boca em alguns momentos, terminou com o consenso do deputado Aldo Rebelo (PCdoB – SP) para o cargo de relator. A presidência ficou com Moacir Micheletto (PMDB-PR), o mesmo parlamentar que há dez anos deu o aval ao projeto que hoje está de volta à discussão e que na época foi barrado por pressão popular. O Projeto de Lei 1876 de 1999, já rejeitado em duas comissões, prevê a extinção do atual Código Florestal e traz anexo outro texto, de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que causou nova preocupação entre os ambientalistas.

A matéria do parlamentar catarinense atribui aos estados a definição das leis ambientais, reduz áreas de conservação e de proteção de matas ciliares (aquelas que ficam à beira de rios) e retira parte dos poderes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Os ruralistas gostariam de aprovar também a não-recuperação de áreas desmatadas na Amazônia Legal com base no argumento de que não se deve destruir aquilo que foi feito em propriedades, como casas e prédios.

Para o Greenpeace, a motivação da bancada ruralista para aprovar rapidamente o texto explica-se pela aplicação de multas a partir de dezembro para aqueles que não iniciarem a recomposição de propriedades desmatadas.

A comissão, formada por 18 deputados, tem 10 ruralistas, o que pode facilitar a aprovação do texto de Colatto e o envio a plenário. Mas Nilo D’Ávila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, considera que o bloco de proprietários rurais não é tão coeso quanto se imagina e pode haver posições intermediárias pelo caminho. “O setor mais industrializado, por exemplo, está fazendo acordos como as moratórias da soja e da pecuária. E tem outro setor que quer apenas mudar a regra do jogo e fazer disso um uso eleitoral”, afirmou à Rede Brasil Atual.

A indicação de Aldo Rebelo para relator é tida como uma vitória parcial para os ambientalistas, garantindo o mínimo de isenção que era exigido pela bancada. Em conversa na última semana com a reportagem, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), integrante da Frente Ambiental, afirmou que a escolha é suficiente para garantir que a legislação atual não sofrerá alterações profundas. “Sou consciente de que há necessidade de atualizar nosso Código Florestal. Mas não podemos, dentro da lógica de atualizar o código, permitir que se faça com a Amazônia o que foi feito com a Mata Atlântica”, afirma.

Os projetos apresentados pelos ruralistas são rejeitados por organizações não-governamentais. Em carta enviada ao presidente Lula e ao presidente da Câmara, Michel Temer, diversas ONGs ligadas à preservação do meio ambiente manifestaram preocupação com o tema. “Às vésperas de uma das mais importantes reuniões internacionais de todos os tempos (…) a bancada ruralista, com a conivência do governo federal, insiste em colocar em pauta e em ritmo acelerado propostas que põem em sério risco as principais leis brasileiras”, aponta o comunicado.

O desmatamento responde por mais de 50% das emissões brasileiras de gases que provocam o efeito-estufa. O tema será debatido no fim de ano durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, na Dinamarca, quando se espera uma posição global para o combate ao aquecimento.

As ONGs defendem que o governo brasileiro defina metas reais de redução das emissões e adote o “desmatamento zero”, o que já foi rechaçado pelo presidente da República.

Nilo D’Ávila aponta que é hora de o governo definir “se vai ser bonzinho ou não na reunião da ONU”. Ele entende que é necessário também dar um destino às áreas desmatadas de difícil recuperação, transformando-as em locais produtivos e resguardando locais que ainda não foram desmatados.

Sobre a parte do projeto do deputado Colatto que atribui aos estados a definição a respeito da “coluna vertebral” da legislação ambiental, o coordenador do Greenpeace pondera que os governos estaduais devem colaborar fortemente na fiscalização, mas não na definição de leis: “Se você imaginar que uma lei nacional já é de difícil monitoramento, imagine ter 27 leis diferentes. Pense nas propriedades que se tem na fronteira de estados como a Amazônia, que tem limites quilométricos com vários outros estados. A lei tem de ser nacional”.

O modelo defendido por Valdir Colatto é o mesmo aprovado em seu estado de origem, Santa Catarina, em que o Código Florestal brasileiro foi substituído por uma legislação local que permite construções em encostas e topos de morros e reduz a proteção às matas ciliares. Atualmente, o projeto catarinense espera por julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá definir sobre a constitucionalidade do texto.

Os ambientalistas têm esperança de que os ministérios de Desenvolvimento Agrário, Agricultura e Meio Ambiente apresentem uma proposta alternativa ao texto dos ruralistas. Há, na comissão, um projeto de autoria de Leonardo Monteiro tido como bastante similar ao Código Florestal em vigência.