Indígena do Equador: Amazônia é sempre uma mercadoria

Nadino Calapucha aponta em entrevista à Rede Brasil Atual que avanços obtidos por povos originários na Bolívia são importantes, mas não o ideal

Líderes de diversas comunidades durante reunião do 4º Fórum Pan-amazônico, em Belém (Foto: Vanessa Silva. Ciranda)

“Nos anos recentes a América Latina tem vivido momentos preciosos na sua jornada de libertação. Particularmente na Venezuela, Equador e Bolívia foram conquistados grandes avanços”. O trecho acima é do manifesto coletivo elaborado no encerramento do Fórum Pan-amazônico, ocorrido em Belém na semana passada. Isolado, o parágrafo pode dar a entender que há plena satisfação com os governos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales.

Mas, na conversa com participantes das discussões, a constatação é bem diferente. Nadino Calapucha, da Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Cofeniae), afirmou em entrevista por telefone à Rede Brasil Atual que a “Amazônia, desde sempre, foi um foi um lugar visto como mercadoria e usado para exploração petroleira, mineira, de maneira a romper a organização dos povos indígenas, afetando nossa cultura, nossa Mãe-Terra”.

Mesmo com um governo mais liberal, os indígenas amazônicos equatorianos estão longe de ficarem satisfeitos com os níveis atuais de debate. No país, o que poderia ser a solução econômica representa um enorme problema: as ricas reservas petrolíferas que brotam do solo da floresta. Calapucha e seu movimento propõem que, em vez da exploração, o país receba ingressos em troca da preservação do local, evitando a migração forçada dos povos originários e a degradação ambiental.

“Há uma grande tensão entre o governo e os indígenas. Estão tratando de fazer desaparecer os indígenas, a educação que tínhamos graças às nossas lutas. Eles querem fazer tudo o que dá na cabeça”, afirma.

Com a participação de 82 entidades de oito países, o Fórum Pan-amazônico expressou que o caso equatoriano não é isolado. Apesar da quantidade de governos de esquerda na América Latina nos últimos anos, os participantes do evento consideram que vários avanços deixaram de ocorrer.

Aldalice Otterloo, diretora executiva da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), aponta que há um confronto de concepções de desenvolvimento: “a nossa inclui a defesa dos direitos dos povos tradicionais, principalmente quilombolas, indígenas, educadores, mulheres. E os grandes projetos de impactos ambientais na Amazônia têm provocado que todo o desenvolvimentismo acabe por criminalizar aqueles que foram defender os seus direitos”.

Mesmo a Bolívia, em que a nova Constituição garante certa autonomia aos povos indígenas, não representa plenamente o almejado por essas comunidades. Calapucha aponta que, de fato, os originários bolivianos estão ganhando espaços. “Há agora o Estado plurinacional que todos queremos, mas não da maneira como gostaríamos, com autonomia completa para ter nosso governo próprio, nossa justiça, nossa forma de fazer a economia. Não se está cumprindo a totalidade de aspirações do povo boliviano”, pensa.

O fórum apontou a existência de quatro problemas principais entre os povos amazônicos de vários países. O primeiro é a questão das matrizes energéticas, ou seja, o impacto da construção de novas hidrelétricas sobre as comunidades. A ação de mineradoras, com impactos sobre a saúde e a renda das populações, foi outro dos temas comuns. O terceiro ponto é a discussão sobre a defesa da terra, cuja influência é muito forte sobre o quarto aspecto, a migração.

Neste assunto, Calapucha reconhece avanços parciais no Equador. “Conseguimos que se dê títulos de terras às nossas comunidades em uma província, mas não a propriedade sobre os recursos naturais. Os governos sempre tratam de seguir a seus líderes e perseguir as comunidades”, aponta.

Aldalice Otterloo concorda e destaca que podem ser acionados os mecanismos internacionais para frear algumas obras da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (Iirsa), que tem impacto ambiental e social.

A diretora executiva da Abong reclama da ridicularização que setores do governo Lula têm realizado dos movimentos. “Isso é desrespeito a toda a discussão que é feita, que é dos saberes acumulados por essas populações junto com o saber acadêmico, que são as pesquisas de universidades comprometidas com o desenvolvimento que respeita os direitos humanos”, ressalta.

Peru e morte de indígenas

Os episódios ocorridos em junho na Amazônia peruana, com a morte de dezenas de indígenas e de policiais, não poderiam ficar de fora das discussões. Os povos originários conseguiram que fossem derrubados os decretos do presidente Alan García que, na visão deles, representava a privatização da Amazônia. Mas, como ressaltou a líder indígena Lourdes Huanca Atencio em entrevista à reportagem, os representantes do movimento são altamente reprimidos.

Nadino Calapucha lembra que o mesmo ocorre no Equador, onde “muitos jovens não querem ser líderes porque têm medo de que sejam perseguidos”. O representante da Cofeniae considera que o caso peruano é “injustificável socialmente e é condenável do ponto de vista dos direitos humanos. O Estado fazer uma guerra entre irmãos é algo muito grave e que deve ser condenado”.

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