Filme ‘anticatástrofe’

Documentário inspirado em tragédias 'naturais' como as que abalaram Santa Catarina recentemente tenta estimular cultura de prevenção para evitar os estragos que têm o dedo do homem

Blumenau durante a enchete de 1978: filme prega cultura de prevenção a catástrofes naturais (Foto: Acervo Defesa Civil de Santa Catarina)

As cineastas Sandra Alves e Vera Longo, da Vagaluzes Filmes, estavam na ilha de edição da produtora nos dias 27 e 28 de março, quando Florianópolis e boa parte do sul do estado de Santa Catarina foram atingidas pelo primeiro ciclone tropical registrado no país, batizado mais tarde de Furacão Catarina. De um momento de pânico começou a nascer o documentário “Percepção de Risco, a Descoberta de um Novo Olhar”.

Não chega a ser um filme-catástrofe, mas trata de temas indigestos, como mudanças climáticas, riscos para a vida, vulnerabilidade e desastres sociais. O caráter do filme, apesar das cenas fortes e de momentos de grande emoção, é educativo. Não podia deixar de ser. O documentário leva o nome de uma campanha desenvolvida em Santa Catarina pela Defesa Civil estadual, em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres, para promover a cultura de prevenção. “Como o filme será distribuído a todas as escolas públicas de Santa Catarina, a gente teve a preocupação de evitar ao máximo cair no sensacionalismo, na exploração da catástrofe. E nem seria produtivo: o medo paralisa as pessoas”, diz Sandra Alves.

Sandra e Vera puseram a mão na massa. Entrevistaram representantes do poder público, de organizações não governamentais, jornalistas, pesquisadores, psicólogos, educadores e artistas. Conseguiram alguns furos, como os depoimentos de Maria Felice Weinberg e Deborah Telesio, ambas sobreviventes do tsunami de dezembro de 2004, que atingiu 13 países da costa asiática, matando 270 mil pessoas. Maria Felice foi atingida pelas ondas quando estava na praia e Deborah, no momento em que praticava mergulho. “Foi a primeira vez que vítimas brasileiras do tsunami gravaram entrevistas”, conta Sandra. Há também depoimentos interessantes de moradores do Morro do Baú, em Ilhota (SC), que concentrou o maior número de vítimas das enchentes e deslizamentos que atingiram o estado em novembro do ano passado.

“As chamadas catástrofes naturais são cada vez mais comuns no Brasil, mas ainda não se criou uma cultura de prevenção”, afirma Sandra. “Países como Japão ou até mesmo o Chile, aqui pertinho, têm políticas públicas de prevenção de acidentes naturais, algo totalmente desprezado no Brasil”, alerta. Mesmo assim, o filme buscar não ser nada panfletário. “É uma leitura da realidade feita por pessoas muito diferentes, uma grande reflexão sobre como viver melhor no mundo atual e os seus desafios. Está longe de ser um filme técnico que vai dizer o que fazer diante de um desastre. Antes, ele vai sensibilizar”, explica Vera, no texto de apresentação do documentário.

Para Sandra, o Brasil pode não ter a cultura de prevenção de catástrofes ambientais, justamente por sua posição geográfica privilegiada, mas conhece muito bem, como poucos países no mundo, outro tipo de catástrofe, de efeito ainda mais devastador: a miséria social. “Carlos Nobre, que é um cientista brilhante, com uma visão muito ampla, dá um depoimento formidável, sendo bem claro e incisivo: ‘O maior desastre da humanidade é a pobreza'”, destaca Sandra.

O documentário em nenhum momento toma partido, mas, se há um vilão em toda essa história, ele só pode ser o homem e sua vocação para a destruição. “A ONU, em seus relatórios, não fala mais em ‘desastre natural’, mas em ‘desastre causado por ações humanas’. Estabelecer uma cultura de prevenção não é só ensinar o homem a se proteger de um furação, e sim fazê-lo tomar medidas práticas que inibam o surgimento do furacão”, acrescenta a cineasta.

O jornalista Washington Novaes também é responsável por outro depoimento importante no documentário. E, assim como Nobre, é cético em relação ao comportamento da humanidade nos próximos anos. “O problema central da humanidade está em mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção e consumo. Esses dois problemas é que ameaçam a sobrevivência da espécie humana”, analisa o jornalista, especializado em assuntos ambientais. Novaes acredita que o futuro da humanidade passa pela recuperação de valores antigos como a preservação e o cuidado com a natureza. “Hoje, infelizmente, esse sentimento é visto como algo bobo, ingênuo. O que vale é a transgressão. E claro que não vamos construir uma sociedade tendo como valor de referência a transgressão. Se a gente não acordar, aí sim, estaremos diante de um grande filme-catástrofe, com um final melancólico”, diz a diretora.

Para que alcance o grande público, o documentário, assim como a campanha de animação, estará disponível gratuitamente para exibição na rede pública de televisão e para as emissoras parceiras da Rede Cooperativa de Comunicação, criada por iniciativa do projeto.

O DVD Percepção de Risco será distribuído nas escolas públicas estaduais e nos órgãos de defesa civil de Santa Catarina. Também será possível, em breve (ainda não há uma data certa), assistir ao documentário por meio do site do projeto (www.percepcaoderisco.sc.gov.br). Atualmente, as diretoras negociam, com canais de televisão, sua exibição.

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