Exclusivo: Minc defende retomada de aliança com agricultura familiar

Em ano de “guerra todo dia”, ministro do Meio Ambiente diz esperar veto de Lula e defende retomada do elo entre movimento ambientalista e pequenos produtores rurais, atraídos por ruralistas no debate da MP 458

Minc na Esplanada dos Ministérios: “neste ano, teve guerra todo dia, guerra dentro do governo, guerra no parlamento” (Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)

Para o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, o avanço dos ruralistas no debate da Medida Provisória 458 foi decorrência de uma articulação com os pequenos agricultores da amazônia. Isso foi possível em decorrência de erros de ambientalistas tanto de ONGs quanto da administração pública. Ele diz esperar o veto de artigos adicionados no Congresso Nacional ao texto e avalia que é possível retomar a aliança histórica entre ambientalistas e a agricultura familiar.

As declarações foram feitas em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual, concedida no Rio de Janeiro, dentro de um táxi que levava o ministro ao aeroporto. Desta quarta-feira (24) até sexta (26), a entrevista é publicada em três partes. A primeira, que segue abaixo, traz a visão de Minc sobre a discussão da MP 458. A segunda inclui um balanço da gestão e os avanços no processo de licenças ambientais e a última parte traz as alianças estabelecidas dentro do governo e com o movimento sindical para o desenvolvimento sustentável.

Minc defende que o princípio original da MP 458 era o de uma lei antigrilagem, mas a bancada ruralista inseriu alguns “contrabandos” que a descaracterizaram. Ele defende que não basta garantir uma “derrota honrosa” neste momento, mas “uma vitória construída politicamente”, reconquistando os pequenos agricultores.

Entrevista

Carlos Minc

Ministro do Meio Ambiente

Chamado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a espinhosa missão de substituir Marina Silva (PT-AC), o atual ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT-RJ), recebeu como principal tarefa agilizar o licenciamento ambiental dos grandes empreendimentos de infraestrutura e, nas palavras de Lula, “destravar o PAC”.

“Os ambientalistas não querem que a gente licencie usina nenhuma, o governo quer que a gente licencie todas. Se a gente não licencia uma, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) diz que vai se jogar pela janela. São muitas emoções e não podemos nos queixar de tédio no ministério.” – Carlos Minc

Mesmo decidido a cumprir a missão passou a enfrentar seu mais difícil momento político no governo com o início, há alguns meses, da ofensiva ruralista contra a legislação ambiental. Acuado, partiu para o contra-ataque com declarações públicas que desnudaram as profundas divergências internas do governo no que concerne à política ambiental. Agora, o ministro quer aproveitar o momento de tensionamento político para refazer alianças com os trabalhadores e pequenos agricultores e reconquistar o apoio dos socioambietalistas.

Confira a primeira parte da entrevista.

Disputa política

Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, com Minc: aliados dentro do governo (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)

“Neste ano, teve guerra todo dia, guerra dentro do governo, guerra no parlamento. Os ambientalistas não querem que a gente licencie usina nenhuma, o governo quer que a gente licencie todas. Se a gente não licencia uma, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) diz que vai se jogar pela janela. Se o presidente do Ibama, Roberto Messias, licencia alguma, o Ministério Público pede a prisão dele – que já teve três piripaques no coração. Então, não é propriamente uma vida sem emoções fortes. São muitas emoções e não podemos nos queixar de tédio no ministério.”

Ofensiva ruralista

“Quando eu me dei conta, a gente estava se preparando para levar uma surra monumental por erros nossos, erros dos ambientalistas e grupos ecológicos, entre os quais me incluo. Cometemos erros seriíssimos. Cada grupo, quando ia discutir o Código Florestal, dizia que isso aqui não pode mexer, aquilo ali não pode mexer, ou seja, nada pode mexer” – Carlos Minc

“É uma coisa inacreditável. Eu viajo por vários países do mundo, por conta da questão climática, sempre defendendo o Brasil, o etanol verde e a biodiversidade, e vejo que todos os países estão querendo aumentar a proteção das florestas. E, aqui no Brasil, os ruralistas estão querendo meter a tesoura nas leis ambientais.”

“Quando eu me dei conta, a gente estava se preparando para levar uma surra monumental por erros nossos, erros dos ambientalistas e grupos ecológicos, entre os quais me incluo. Cometemos erros seriíssimos. Cada grupo, quando ia discutir o Código Florestal, dizia que isso aqui não pode mexer, aquilo ali não pode mexer, ou seja, nada pode mexer. Enquanto isso, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), da nossa competente senadora Kátia Abreu (DEM-TO), muito mais esperta, chegou na pequena produção, em áreas que eram da influência da Contag, da Fetraf e do MPA, e disse: ‘olha, só chega gente do meio ambiente aqui para baixar a porrada em vocês’. E, a verdade é que uma parte da base da agricultura familiar foi capturada politicamente pela CNA com o objetivo de detonar a legislação ambiental. Isso, em grande parte, por erros nossos, erros dos ambientalistas, tanto os ambientalistas das ONGs quanto os ambientalistas da administração.”

Fiscalização

“Ia um guarda fiscalizar uma propriedade de 40 hectares. Aí ele via que a vaca do cara pulou a cerca e cagou no rio, que é Área de Proteção Permanente (APP). Resultado: truca dois mil de multa. O cara não tem R$ 2 mil nem para plantar o milho e o tomate dele! Mesmo assim, era quase preso, criminalizado. Vários agricultores já chegaram pra mim e disseram ‘Minc, estou há dois anos tentando fazer a averbação da reserva legal da minha terrinha, tenho 80 hectares que herdei do meu pai, mas não consigo fazer; disseram para contratar uma firma de georefereciamento, mas custa R$ 4 mil’. Isso não tem cabimento.”

Kátia Abreu

“Os ruralistas adotaram uma prática típica do PT e da CUT, que é fazer mobilizações de massa” – Carlos Minc

“A Kátia Abreu e o seu pessoal ficaram muito nervosos comigo. É claro que, no caminhão da Contag, eu usei uma expressão um pouco mais forte, que a gente usa no calor da luta. Quando falei ‘vigaristas’, me referi ao conto do vigário, porque eles estavam querendo usar a pequena agricultura como massa de manobra para destruir a legislação ambiental e negociar as grandes dívidas deles. Eles, na verdade, ficaram passados foi porque a gente reconstituiu a aliança histórica da agricultura familiar com os ambientalistas. É por isso que a Kátia Abreu saiu do sério.”

Mobilização de massa

Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente (Foto: Elza Fiúza/ABr)

“Os ruralistas adotaram uma prática típica do PT e da CUT, que é fazer mobilizações de massa. Para isso, meteram terror pra cima dos pequenos agricultores. Disseram que ‘se a legislação ficar como está, vocês vão perder a terra, perder o emprego, os ambientalistas vão arrancar as macieiras, arrancar tudo’. Fizeram reuniões com dois ou três mil agricultores no Rio Grande do Sul, no Paraná, em Uberaba, Uberlândia etc. Agora, com esse pacto histórico que a gente fez, que também incluiu a frente dos deputados que representam a agricultura familiar no Congresso e os secretários de Meio Ambiente de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, trouxemos os ambientalistas, que se deram conta da importância de se tratar de forma diferente a pequena produção. Uma vez feito esse pacto, nós é que vamos voltar a fazer assembleias de massa no Sul, em Mato Grosso e em Minas Gerais para mostrar para o agricultor que pacto é esse.”

MP 458 e a aliança com agricultores familiares

“Não quero ter uma derrota honrosa (na MP 458), eu quero ter uma vitória politicamente construída. E, o primeiro ponto dessa vitória é refazer a aliança histórica, que foi rompida, entre a pequena produção, a agricultura familiar e os ambientalistas.” – Carlos Minc

“Seria fácil eu chegar e dizer que perdemos porque o Congresso é um horror, porque os ruralistas são poderosos etc. Mas, não quero ter uma derrota honrosa, eu quero ter uma vitória politicamente construída. E, o primeiro ponto dessa vitória é refazer a aliança histórica, que foi rompida, entre a pequena produção, a agricultura familiar e os ambientalistas. Fiquei um mês dedicado a isso. Eu me reuni separadamente com dirigentes da Fetraf, da Contag e do MPA, que têm divergências entre eles. Conversei com cada um, vi os pontos comuns e me dispus a vários pontos que serão assinados brevemente. O Lula vai nos receber.”

Diferenças regionais

“É preciso tratar diferentemente a produção familiar, a propriedade com menos de quatro módulos, que varia de um estado para o outro, indo de 40 hectares no Paraná a 360 hectares na Amazônia. É preciso tratar diferentemente a pequena produção para essa incorporar a Reserva Legal, que você não pode destruir, e a APP, que dá proteção permanente aos rios e às encostas. Pois bem, juntamos as duas coisas para o pequeno agricultor, para facilitar a vida dele. Isso significa deixar o cara reconstituir a APP não só com espécies nativas, mas também com frutíferas, para ele ganhar algum dinheiro.”

Um ano em 30 dias

“Em relação à questão da averbação, que é um problema, é preciso esquecer as empresas de R$ 4 mil (cobrados para o georreferenciamento). Basta comprar um GPS de R$ 200 e fazer uma autodeclaração. O que durava três anos a gente vai fazer em três semanas. Vamos fazer com a averbação o que o ministro José Pimentel fez com a Previdência: você levava dois anos para pegar a aposentadoria e agora leva 30 dias. Quem acreditava nisso? Por que a gente não pode fazer a mesma coisa com a averbação?”

Minc com agricultores no Grito pela Terra 2009 (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)

“Outra coisa é que a gente não vai chegar em cima do pequeno agricultor com polícia. É claro que se o cara fizer tráfico de animais silvestres, contaminar o rio, desmatar ou arrancar dez mil pés de manguezal de uma nascente, aí, sinto muito, é crime ambiental. Mas, a relação com quem não conseguiu marcar sua averbação no prazo ou que não conseguiu fazer um cálculo, por exemplo, o que deve ser feito é educação ambiental, orientação. Tem de haver um olhar de carinho, de solidariedade, afinal de contas a agricultura familiar reúne 90% dos agricultores, responsáveis por 70% da produção dos alimentos consumidos pelos brasileiros.”

Agronegócio

“Também queremos facilitar a vida do grande agricultor, que tem de 30 mil a 50 mil hectares, mas de forma diferente. Este vai ter que marcar a Reserva Legal, senão acaba com o Cerrado, acaba com a Caatinga. A gente não pode tratar de forma igual quem herdou uma terrinha do avô e vai deixar para o neto e alguém que comprou 80 mil hectares e, se aquela terra secar, arder etc, vende e compra alguma coisa na bolsa.”

“Sem regularização fundiária não há política pública. No Pará, cada terra tem cinco donos, cada cartório tem cinco andares e atrás de cada papel tem um político que fez alguma coisa para a pessoa conseguir aquele papel. Se é assim, não se consegue saber quem é que recebe a multar e a quem ajudar” – Carlos Minc

“A lei que o Lula assinou de pagamento pelo serviço ambiental só vale para o pequeno agricultor. O grande não precisa, porque tem banco, bolsa de valores etc. Essa é a linguagem. Não dá para tratar o agricultor familiar do mesmo jeito que a gente pega um sujeito que compra 200 mil hectares e passa o trator e agrotóxico em cima. Este não tem nenhuma relação com a terra, não herdou do pai nem vai deixar para o filho. Aquilo, para ele, é uma mercadoria.”

Regularização Fundiária

“Em relação à regularização fundiária, a minha posição é a mesma do ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário). Sem regularização fundiária não há política pública. No Pará, cada terra tem cinco donos, cada cartório tem cinco andares e atrás de cada papel tem um político que fez alguma coisa para a pessoa conseguir aquele papel. Se é assim, não se consegue saber quem é que recebe a multar e a quem ajudar. Você não sabe quem é o dono, então não consegue combater o desmatamento, incentivar as boas práticas de recuperação ambiental nem reduzir a violência que tem como uma de suas bases a guerra pela terra e o grileiro que consegue um papel e mata alguém – na Amazônia a vida não vale nada, tem até tabela – para ficar com a terra.”

“A regularização fundiária é boa para a Amazônia, é boa para o social, é boa para combater a violência e é boa para combater o desmatamento, pois você sabe quem é quem. É preciso promover a regularização fundiária, combinada com o zoneamento econômico-ecológico e com outras medidas que estabeleçam a fronteira da legalidade ambiental”.

Artigo XV da MP 458

“Consegui incluir na MP 458 o artigo XV que diz, entre outras coisas, que quem recebe a terra e desmata a perde. Trata-se de um patrimônio público federal, não existe usucapião em terra pública. Então, o governo vai dar a terra para o pequeno, mas é natural que o mínimo que se exija é que se cumpra a lei. Nenhuma exigência do arco da velha, mas não desmatar APP, não desmatar Reserva Legal.”

“Quando chegou no plenário, os ruralistas apresentaram destaques para derrubar essa cláusula XV, mas perderam por 190 a 90. Isso mostra que eles não estão com essa bola toda. Levaram uma surra do caramba.” – Carlos Minc

“Quando a MP 458 chegou à Câmara, os ruralistas queriam porque queriam derrubar a cláusula XV, sob o argumento de que meio ambiente não tem nada a ver com regularização fundiária, que só iria atrapalhar e limitar, que o Ibama teria muito poder etc. Em suma, não queriam. Discuti com o relator da matéria, discuti muito com o deputado Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo, e foi corretíssimo comigo. Tive também o apoio do Daniel Maia, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e conseguimos convencer o relator e o líder do governo a manterem a cláusula XV.”

“Quando chegou no plenário, os ruralistas apresentaram destaques para derrubar essa cláusula XV, mas perderam por 190 a 90. Isso mostra que eles não estão com essa bola toda. Levaram uma surra do caramba. Mas, no entanto, fizeram outras articulações e conseguiram meter nessa MP vários ‘contrabandos’ prejudiciais ao meio ambiente, à questão agrária e ao combate ao desmatamento. Por exemplo: que uma empresa poderia comprar terra, e não apenas as pessoas físicas, ou que um cara que morasse em outro estado podia conseguir um preposto, entrar no leilão e comprar.”

“O princípio (original da MP 458) é o de uma lei antigrilagem, mas colocaram uma série de coisas que a descaracterizam.” – Carlos Minc

“O texto original da MP também dizia que a terra deveria ficar por dez anos com todo mundo, para garantir serviria para o cara se fixar, plantar, ter a vida dele, não ser incomodado ou ameaçado. A obtenção do título definitivo também iria diminuir a violência. Assim, os cinco andares do cartório com documentos arranjados por políticos iriam para o brejo. Quer dizer, o princípio é o de uma lei antigrilagem, mas colocaram uma série de coisas que a descaracterizam.”

Empresário na Amazônia?

“O que significa, por exemplo, um proprietário em São Paulo ou uma pessoa jurídica ganhar ou comprar barato uma terra na Amazônia? Será que a grande coisa que a gente quer agora é levar empresário de São Paulo para fazer alguma coisa em terra pública federal? Veja bem, a gente não está falando de um mercado de terras privadas, mas de um patrimônio público federal. Então, a senadora Marina Silva (PT-AC) levantou questões sobre esses pontos. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), líder do governo, também foi perfeita. Os atores Christiane Torloni e Victor Fasano também pediram isso e eu estive junto deles com o presidente Lula e o ministro Cassel. Nossa expectativa é que o Lula vete esses artigos, sobretudo os que abrem para empresas e para residentes em outros estados e que determinam um prazo diferente para que a terra possa ser vendida.”

“O posseiro, coitadinho, tem que ficar dez anos antes de vender a terra e o outro vai ter só três? Quer dizer, tudo isso desvirtuou a MP. Virou coisa de mercado de terra, e o objetivo da lei não era mercado de terra, era regularizar a situação dos posseiros, fazer justiça para diminuir a violência e controlar o desmatamento. Com a cláusula XV, o cara que esperou 20 anos para ganhar a terra não vai querer cometer irregularidades e perder a terra. Nesse sentido, a lei acaba sendo um inibidor de uma prática ambiental errada.”

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Nesta quinta-feira (25), confira a segunda parte da entrevista.

Edição Paulo Donizeti e Anselmo Massad