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Lula fala em desmascarar Moro e Dallagnol. E lamenta ‘avacalhação’ do país

Em entrevista concedida em Curitiba aos jornais 'El País' e 'Folha de S.Paulo', ex-presidente afirma que nasceu para viver 120 anos e vai trabalhar muito para provar inocência

Reprodução/Youtube|El País

Lula afirma que pode ficar preso 100 anos, mas não troca sua dignidade por liberdade

São Paulo – Na primeira entrevista concedida desde que foi levado a Curitiba, em 7 de abril de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi contundente. “Quem tem 73 anos de idade, quem construiu a vida que eu construí nesse país, quem fez o governo que eu fiz, quem recuperou o orgulho e a autoestima do povo brasileiro como eu, não vou me entregar”, afirmou, aos jornais Folha de S.Paulo e El País, que depois de meses de tentativas conseguiram autorização judicial para a entrevista.

Em vídeo de cerca de oito minutos, divulgados pelo El País em sua página do Youtube, Lula aparece mais magro, mas disposto e profundamente irritado com a situação em que se encontra, assim como a que o país está mergulhado.

“Você pensa que eu não gostaria de estar em casa? Adoraria estar em casa com minha mulher, com meus filhos, meus netos, meus companheiros. Mas não faço nenhuma questão porque quero sair daqui com a cabeça erguida como entrei, inocente. E só posso fazer isso se tiver coragem e lutar por isso”, afirmou aos jornalistas Monica Bergamo e Florestan Fernandes Junior.

O ex-presidente lembrou o dia de sua prisão, e a “briga” que se instalou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em abril do ano passado, sobre se ele deveria ou não se apresentar à Polícia Federal. “Quando ficou claro que o objetivo era efetivamente (a prisão), muita gente achava que eu deveria fugir, ir pra uma embaixada”, conta. “Tomei a decisão de que meu lugar era aqui. Tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, o Dallagnol e sua turma que eu ficarei preso 100 anos, mas não trocarei minha dignidade pela liberdade.”

O ex-presidente afirma querer provar a farsa montada “aqui dentro, montada no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com depoimento de procuradores e filme gravado”. E comenta, com ironia, a criação da “fundação criança esperança do Dallagnol”, com “ele pegando 2 bilhões e meio da Petrobras, pra criar uma fundação pra ele, fora os 6,8 bi da Odebrecht, fora não sei quantas outras coisas”.

Sem ódio, sem mágoa

Lula afirma não ter ódio, nem guardar mágoa de ninguém. “Até porque, na minha idade, quanto a gente fica com ódio a gente morre antes e não quero morrer”, sorri. “Como quero viver até os 120, porque acho que sou um ser humano que nasceu pra viver até os 120, vou trabalhar muito para provar minha inocência e a farsa que foi montada. Por isso vim pra cá com muita tranquilidade.”

Tranquilidade essa que, acredita o petista, seus adversários não têm. “Eu durmo todo dia com minha consciência tranquila, e tenho certeza que o Dallagnol não dorme e o Moro não dorme. E aqueles juízes do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que nem leram a sentença? Fizeram um acordo lá. Era melhor que um só tivesse lido e ter falado: todo mundo aqui vota igual.”

Pelo amor de Deus

Eu penso que haverá um dia que as pessoas que irão me julgar estarão preocupadas com os autos do processo, com as provas contidas no processo e não com a manchete do Jornal Nacional, não com a capa das revistas, com as mentiras do fake news”, afirmou Lula em outro momento de emoção.

“As pessoas se comportarão como juízes supremos de uma corte que já tomou decisão muito importante”, disse, lembrando os votos a favor das pesquisas com célula-tronco contra boa parte da Igreja Católica, da demarcação da Raposa Serra do Sol contra os “poderosos do arroz” no estado de Roraima, pela união civil contra todo preconceito evangélico e pelas as cotas para que os negros pudessem ingressas nas universidades. “Ela (a Justiça) já demonstrou que teve coragem e se comportou. No meu caso, só quero que votem com relação aos autos do processo. Não peço favor a ninguém, só quero que as pessoas, pelo amor de Deus, julguem em função das provas.”

O ex-presidente afirma que tanto Moro como Dallagnol têm certeza da sua inocência. “Se as pessoas não confessarem agora, no dia da extrema unção vão ter de confessar. Ele (Moro) tem certeza que sou inocente, esse Dallagnol tem certeza que é mentiroso e mentiu a meu respeito”, disse.

Mais preocupado com o país

Em dois momentos, Lula manifesta sua preocupação maior. “Estou aqui pra procurar Justiça, provar minha inocência, mas estou muito mais preocupado com o povo brasileiro. Porque eu posso brigar, mas o povo nem sempre pode.”

Florestan pergunta sobre os filhos e as dificuldades financeiras da família. “Estão todos mal. Meus bens estão todos sequestrados”, disse, para lembrar o “absurdo” da multa de R$ 32 milhões “para pagar não sei o quê”. “O STJ (Superior Tribunal de Justiça) diminuiu para R$ 2 milhões. Qual a lógica?”

E falou sobre a condenação, em que a Bancoop (cooperativa habitacional do Sindicato dos Bancários de São Paulo) deve devolver o dinheiro do tríplex nunca comprado a Marisa Letícia. “Espero que a partir desse processo que nós ganhamos, que a dona Marisa ganhou em São Paulo, espero que as pessoas desbloqueiem os bens pelo menos na parte da dona Marisa, para que os filhos possam sobreviver dignamente. Fico preocupado com meus filhos, eles vêm aqui me ver sempre. Mas fico mais preocupado com o país”, disse, novamente emocionado.

“Não consigo imaginar os sonhos que eu tive pra esse país. O sonho que eu tinha quando a gente descobriu o pré-sal pra fazer esse país virar gigante. Eu tenho orgulho e eu sonhei grande porque passei a ser um presidente muito respeitado. O Brasil era referência.”  

Lula falou então de sonhos realizados. Da criação do bloco na América do Sul “pra gente ter força nas negociações com a União Europeia, com os EUA, com a China”. E de como o Brasil foi muito importante no G20: “Eu fui único presidente a ser chamado pra todas as reuniões no G8”.

Com tristeza e voz embargada, Lula constata: “Tudo isso desmanchou. Agora eu vejo que o prefeito de Nova York não quer fazer um jantar com o presidente do Brasil, o dono do restaurante se recusa. A que ponto chegamos, que avacalhação”.

Podia morrer e meu neto viver

A morte do meu neto é uma coisa que efetivamente não, não…” Lula interrompe a fala e chora após a pergunta de Florestan, sobre seu neto Arthur, de 7 anos, que morreu em 1º de março.

Em vídeo de três minutos e meio, da TV Folha, Lula aparece entrando na sala onde foi concedida a entrevista. A postura firme e altiva se desmancha por alguns instantes, para falar do neto. “Às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Já vivi 73 anos, poderia morrer e deixar meu neto viver. Mas não são apenas esses momentos que deixam a gente triste.”

“Sou um homem que tento ser alegre, tento trabalhar muito a questão do ódio. Trabalho muito pra vencer a questão do ódio, da mágoa profunda. Tenho muitos momentos de tristeza aqui, mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm de saber: que tenho compromisso com este país”, brada, batendo na mesa.

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