Segurança Pública

Com projeto anticrime, Moro mostrou que não se despiu da toga, diz pesquisador

Para Bruno Paes Manso, o ministro da Justiça ficou centrado nas minúcias e nas questões do processo penal, pensando em seus próprios problemas como magistrado

Wilson Dias/ABr

O ministro Sergio Moro anuncia seu pacote anticrime na Câmara dos Deputados. Equívocos e entendimento limitado sobre dimensão do problema da segurança pública

São Paulo – Em debate na Casa da Democracia na tarde desta quarta-feira (6), o pesquisador Bruno Paes Manso disse que o projeto de lei apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, chamado de projeto anticrime, está longe de enfrentar os problemas da segurança pública. Apesar das expectativas da sociedade sobre o tema, “na hora de apresentar o pacote é um ‘juizinho de Curitiba’ que, durante 20 anos, pensou no processo penal, que não conseguiu se despir da toga e ficou pensando em quais problemas tinha durante um processo”, disse. Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e autor do livro “A Guerra: ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”.

Para ele, Moro demonstrou, com o projeto, também sua intenção de “talvez dificultar a vida do advogado de defesa”, para combater supostas tentativas de protelar uma condenação. “Ele ficou nas minúcias e muito centrado nas questões do processo penal. Em nenhum momento se dispôs a pensar a segurança pública como um político que coordena isso.”

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Bruno Paes Manso: ‘A violência hoje é vista como uma solução, e não como problema’

Sobre o fato de que a mesma população que majoritariamente votou em Bolsonaro apoia políticas de encarceramento e repressão, incentivados pelo PL de Moro, num país em que é comum afirmar que “bandido bom é bandido morto”, Manso disse

que a própria eleição do atual presidente é resultado desse sentimento.

Para ele, num primeiro momento o projeto será bem recebido. “As pessoas estão com medo. Vários estados têm problemas sérios de segurança pública. É um problema do cotidiano. Hoje tem uma disputa da opinião pública.”

Segundo ele, a violência hoje é vista pela sociedade “como uma solução, e não como um problema”. “O Estado não pode admitir a tirania de quem ganha dinheiro e defende seus próprios interesses impondo medo à população. O país hoje vive uma situação que tem uma ‘sociedade de bem’ e os bandidos.” 

Numa conjuntura como a atual, a segurança privada, por exemplo, ganha dinheiro porque as pessoas têm medo e a polícia se sente importante, também, pelo medo da população.

Considerando o machismo, ainda um problema sério no país, a flexibilização da posse de armas de fogo tende a incrementar a violência e o feminicídio, numa situação, por exemplo, de perda de controle de um cônjuge ou namorado que eventualmente estiver armado em uma briga de casal. “É um problema seríssimo, em potencial, em relação a homicídio. Pode ser trágico.”

O pesquisador acredita que é preciso disputar o discurso. “Tentar mostrar que (o encarceramento) causa efeitos colaterais, que esse é um remédio que é um veneno. Nos presídios, se constrói a rede de criminalidade.”

Assim, é preciso desconstruir o fascínio causado pelo crime organizado sobre a juventude pobre das periferias das cidades e morros do Rio de Janeiro. “O discurso de não baixar a cabeça para o Estado seduz a molecada. Mas está vendendo ilusão. O crime só tem aumentado desde que a gente (passou a aprisionar) em enorme quantidade.” No Rio, o caso do ex-governador Sérgio Cabral, com as denúncias e prisão, “minou ainda mais a credibilidade do Estado”, em sua opinião.

Manso destacou também que existe um discurso segundo o qual as armas que abastecem o crime vêm de fora do país, mas esse discurso não corresponde integralmente à realidade. “Há uma indústria nacional (de armas) forte e as pessoas tinham muitas armas nos anos 80 e 90, antes do Estatuto do Desarmamento. Armas roubadas que vão para o crime.”

Marielle

Manso acredita que o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março do ano passado, no início da intervenção no Rio, pode ter ocorrido como uma afirmação de poder dos grupos criminosos. Como se dissessem: “tem Exército, imprensa nacional e internacional, mas quem manda aqui somos nós”. Para o pesquisador, o próprio Exército percebeu a força das milícias.”Eu acho que o Exército está atento a isso.”

Ele mencionou México e Colômbia como países em que, com a chegada de governos de discursos semelhantes ao de Bolsonaro em anos recentes, a violência cresceu enormemente. O controle de comunidades ou bairros por milícias pode deteriorar a própria democracia nessas localidades, segundo ele, já que esses grupos podem exercer seu poder junto aos eleitores, impondo candidatos de seu interesse ou impedindo o eleitorado de votar em outros.

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