Era Temer

Deputados querem revogar norma que dispensa testes para novas biotecnologias

Parlamentares contestam constitucionalidade de medida do governo, que usa CTNBio para facilitar entrada de novas técnicas no país sem as devidas avaliações de risco à saúde humana e ao meio ambiente

Pixabay

Temor é de que os interesses do mercado prevaleçam novamente sobre o afrouxamento de regras para biotecnologias pouco estudadas

São Paulo – A Resolução Normativa (RN) nº 16 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que estabelece o poder de decidir sozinha quais das novas técnicas de engenharia genética poderão ser introduzidas no Brasil, sem estudos quanto aos riscos à saúde e ao meio ambiente, está sendo questionada por parlamentares e movimentos ambientalistas, de direitos humanos e da agroecologia.

Na última quinta-feira (1º), os deputados Nilto Tatto (SP) e Patrus Ananias (MG), do Núcleo Agrário do PT, protocolaram projeto de decreto parlamentar que pretende sustar itens da RN 16. Entre eles, o que estabelece os requisitos técnicos para a apresentação de consulta à CTNBio sobre as chamadas técnicas inovadoras de melhoramento de precisão, que englobam diferentes biotecnologias para modificação genética.

O grupo inclui a transgenia, que a CTNBio aprova com rigor científico questionado por grande parte dos cientistas brasileiros e estrangeiros, apenas com base nos testes, com diversas falhas metodológicas, apresentados pelos fabricantes interessados em colocar no mercado seus transgênicos, entre eles, Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta, Oxitec, CTC e tantas outras.

Mas há ainda novas técnicas de engenharia genética, como a edição de genes, na qual são quebradas sequências de DNA específicas para remoção e substituição de características falhas e indesejáveis do ponto de vista comercial. É o chamado CRISPR. Na prática, um melhoramento genético de plantas similar ao convencional, porém, mais rápido, preciso e barato, sob medida para aumentar ainda mais os lucros dos detentores da tecnologia.

Mais lucros

Lucrativa para as indústrias, essa e outras novas biotecnologias são pouco estudadas quanto aos impactos à saúde e ao meio ambiente, e por isso estão envoltas em riscos e incertezas a curto, médio e longo prazo.

“A RN 16 fere a Constituição de 1988, que em seu artigo 170 estabelece fundamentos da ordem econômica nacional e determina que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios como a defesa do consumidor e do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos”, diz Nilto Tatto. “Além disso, estando esta ordem econômica sujeita à defesa do meio ambiente e à defesa do consumidor não se pode imaginar que um produto comercial seja lançado no mercado sem considerar o princípio da precaução.”

O parlamentar destacou ainda que a RN fere o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, já que a CTNBio extrapolou de sua delegação ao publicar tal resolução.

“Agiu em defesa do privado, que tem interesse em reduzir seu custo de produção, por meio da utilização da técnica de condução genética. É necessário distinguir o interesse público do interesse privado do sujeito que exerce a função administrativa”, disse, referindo-se ao integrante da CTNBio que ficará incumbido do parecer. “O exercício da função pública não pode ser afetado pelos interesses privados e egoístas do agente público”.  

Apesar do domínio ruralista no Congresso – setor diretamente interessado na aprovação dessas tecnologias e que tem recebido afagos do governo Temer em troca de apoio –, os deputados aguardam a recomposição das comissões, especialmente a de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, para apresentar requerimento para realização de audiência pública para debater o tema com a sociedade, o que deveria ter sido feito pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, ao qual a CTNBio está vinculada, antes da edição da RN.

Esse debate é defendido por entidades ambientalistas, de defesa dos direitos humanos e ligadas à agroecologia. No início de fevereiro, foi divulgado manifesto de repúdio à medida costurada na surdina e baixada em 15 de janeiro passado.

As entidades consideram que, ao estabelecer que determinado produto não é organismo geneticamente modificado e dispensar de análise de risco, a CTNBio vai abrir caminho para a introdução de tecnologias sem os estudos necessários.

Outra preocupação é que a RN 16 estabelece ainda que apenas um dos integrantes da Comissão terá a responsabilidade de avaliar se o produto da tecnologia a ser liberada no Brasil é organismo geneticamente modificado e assim ser submetido a testes. 

O problema, segundo os ativistas, é que essa decisão unilateral possibilita que a biorriscos específicos sejam ignorados. Por isso defendem o aprofundamento do debate. 

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