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Para Tarso Genro, cenário político é marcado por ‘momentos de exceção’

Ex-governador e ex-ministro identifica características de ruptura institucional e espetacularização na atuação da Justiça, que colocam em risco a democracia

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Tarso Genro: decisão que, tecnicamente, não transitou em julgado não pode cassar o registro de candidatura

Porto Alegre – O ex-governador e ex-ministro Tarso Genro classificou o atual cenário político-jurídico brasileiro como composto por “momentos de exceção” ao comentar hoje (23), em Porto Alegre, durante entrevista coletiva, o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“É uma situação bastante atípica que caracteriza momentos de exceção. Não é que nós estejamos num Estado de exceção no Brasil, que é mais complexo do que isso. Nós temos momentos de exceção presidindo ações judiciais”, disse Tarso. “E esses momentos têm sido constantes – esse processo contra o Lula, essa exposição que foi feita do Sérgio Cabral, um homem condenado e que admitiu a culpa. O sujeito sendo exposto, em pleno século 21, algemado e acorrentado, isso não é uma coisa normal, é um retrocesso inominável. E aqui não está se discutindo nem sequer a pena do Sérgio Cabral. Isso remete à Idade Média.”

O ex-governador disse que, independentemente do que ocorrer no julgamento, “isso não termina aí”. “O registro de uma chapa para uma candidatura presidencial se dá dentro das normativas da Justiça Eleitoral, que vai registrar ou não. A partir da negativa desse registro ou não teremos recursos tanto do Ministério Público da Justiça Eleitoral, quanto das partes prejudicadas. Um voto divergente (no processo) pode retomar a questão jurídica em sentido pleno. Ele pode devolver a integralidade da questão. O pior que pode acontecer é uma decisão unânime. Os recursos ficam mais difíceis e o próprio registro vai ter de ser disputado no plano da interpretação da norma constitucional”, diz Tarso.

“Quando você pede o registro da chapa e se aplica para não indeferir nesse registro, se aplica a Lei da Ficha Limpa, esta aplicação da lei pode ser interpretada como tendo uma questão constitucional a ser resolvida. Qual é a questão constitucional? Se uma decisão que, tecnicamente, não transitou em julgado se ela pode cassar o registro. A Lei da Ficha Limpa diz que basta ser uma decisão de segunda instância. Não fala se transitado em julgado ou não”, pontua. “A fusão do direito com a política pode determinar qualquer coisa. Essa fusão sempre existe em tribunais superiores, mas às vezes essa função se desequilibra, como agora, com ministros juízes e desembargadores participam do debate público com posição de processos que não julgaram. Isso é muito atípico do Estado democrático de direito”, complementa.

Recém-chegado de uma viagem a Portugal, o ex-governador gaúcho e ex-ministro da Justiça e da Educação comenta sobre a reação da comunidade jurídica europeia ao processo sofrido por Lula. “Setores mais à direita da comunidade jurídica portuguesa estão quietos, pelo menos nas academias onde eu tenho relações. O pessoal mais positivista está perplexo perante a condução do processo feita pelo juiz Moro. A parte de juiz inquisidor pegou. Eles leem e ficam impactados. Um julgamento como esse causa um desgaste muito grande no exterior. Não pelo fato de um ex-presidente estar sendo julgado, mas sim pela forma como o processo é induzido.Isso tem depreciado bastante o nosso sistema democrático e a Justiça no Brasil”, salienta.

“Além disso, o ministro Gilmar Mendes tinha, no começo, durante o mensalão, uma posição de flexibilidade na interpretação dessas formas, que depois mudou completamente”, acrescenta. “É uma pessoa que tem uma voz ativa muito forte nos setores acadêmicos. Nem entro no mérito de suas posições, mas ele tem sido um crítico muito duro, tem feito críticas à visão punitiva de exceção que está se capilarizando na Justiça brasileira e tem tido um efeito mundial muito forte.”

 

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