24 de janeiro

No banco dos acusados, Lula reúne esperanças dos esquecidos pelo Judiciário

'O que está em curso é um julgamento estritamente político', diz Reginaldo de Moraes. 'Juízes se transformam em árbitros, a lei é subestimada, a defesa se torna impotente', pontua Roberto Romano

Ricardo Stuckert

“O que observo, antes de mais nada, é que estamos diante de qualquer coisa menos um ato de direito”, observa professor

São Paulo  Em dois artigos publicados no Jornal da Unicamp, docentes da Universidade Estadual de Campinas contestam a sentença aplicada pelo juiz Sérgio Moro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e fazem uma análise do que está em jogo no julgamento do recurso da defesa que será realizado amanhã (24) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

O que observo, antes de mais nada, é que estamos diante de qualquer coisa menos um ato de direito. O que está em curso é um julgamento estritamente político. Trata-se de produzir uma condenação a la carte. Conforme a vontade do freguês que a encomendou”, avalia o professor aposentado e colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UnicampReginaldo Corrêa de Moraes.

Segundo o professor, “o que mais me chama atenção é esta inacreditável declaração do juiz: ‘o réu é culpado porque não há outra narração possível para explicar os fatos’”. Para Moraes, a sentença de Moro se concentra em buscar uma “narração plausível” para um fato que, na prática, não existe. “O apartamento é do réu. Não está comprovado como fato, mas é preciso arrumar uma ‘narração’ para explicar o não-fato. E a narração é esta: ‘ele trocou por favores’. Os favores não foram comprovados: mas é a ‘única narração plausível’ para os ‘fatos’, logo, devem ter ocorrido. Quem diz isso, diz qualquer coisa.”

O resultado do julgamento é incerto. O desdobramento, mais ainda. O certo, porém, é que o cenário político continuará sob ameaças de tormentas ainda maiores. Seguirá sem freios o turbilhão de desmanches da nação e de seus patrimônios, para satisfazer interesses internacionais visíveis e interesses locais mesquinhos? Até quando? E o que resultará no famoso dia seguinte?“, questiona o cientista político.

Já o filósofo e professor titular aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp Roberto Romano recorre à Enciclopédia organizada por Denis Diderot, citando um trecho no qual se diz que os juízes “não são árbitros, mas intérpretes e defensores das leis. Que eles tomem cuidado para não suplantar a lei, sob pretexto de a suplementar. Julgamentos arbitrários cortam os nervos das leis e só lhes deixam a palavra, para nos exprimir com o Chanceler Bacon”.

Em todo o processo no qual se acusa Luiz Inácio da Silva, assistimos à mudança fatal indicada por Bacon e Diderot. Juízes se transformam em árbitros, a lei é subestimada, a defesa se torna impotente. As bases da acusação residem quase que exclusivamente em testemunhos de presos, cujas famílias são ameaçadas”, afirma Romano em seu texto. “Foi invertido o rumo da norma: não é o Estado a provar a culpa do réu. Cabe ao último evidenciar sua inocência. Semelhante forma de julgamento hostiliza o poder democrático, serve à exceção.”

Romano, que já criticou duramente os governos Lula e Dilma, afirma que “uma dura magistratura superior, no dia 24/01/2018, exercerá o papel lamentável de corte especial de justiça”. “Todo o processo foi contaminado pela ideologia que, desde o ‘mar de lama’ ao putsch de 1964, usa a desculpa da corrupção para retirar direitos da cidadania. No banco dos acusados, temos alguém que hoje reúne as esperanças dos esquecidos pelo judiciário. Na tribuna, tutores da ordem estabelecida. Ainda segundo o Chanceler Bacon, eles são ‘os leões sob o trono’. E diria Gabriel Naudé: em Porto Alegre ‘a sentença precede o julgamento’. Algo próprio dos golpes de Estado.”

Confira a íntegra dos dois artigos.

 

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