São Paulo

Secretaria da Cultura de Doria interferiu no resultado do Programa Vai, acusam julgadores

Cinco projetos escolhidos pela comissão julgadora na edição deste ano do Programa VAI II foram excluídos por decisão da secretaria

Marcell Roncon/Futura Press/Folhapress

O secretário, André Sturm, e o prefeito, João Doria, que congelaram a verba da cultura e reduziram os projetos aprovados

São Paulo – Representantes da sociedade civil na Comissão Julgadora de projetos do Programa de Valorização das Iniciativas Culturais (VAI) 2017 divulgaram uma carta denunciando interferências da Secretaria Municipal de Cultura, que tem como titular da pasta André Sturm, na seleção dos contemplados neste ano na modalidade II do programa, que financia propostas de até R$ 80 mil. Segundo os signatários, a gestão excluiu cinco projetos selecionados pela comissão, sob alegação de que estes estavam em desacordo com o edital de licitação. “Após a finalização do processo de seleção e assinatura da ata com os projetos selecionados a coordenadora [Ana Cecília Lessa] procedeu um novo processo de avaliação”, afirmam os signatários.

Segundo as atas de reunião a que a RBA teve acesso, apesar do atraso de um mês na divulgação do resultado e do corte de 33% na verba do programa, o processo de seleção foi concluído dentro da normalidade. O congelamento de 47% da verbas da cultura causou uma redução no número de projetos. Para este ano, estava prevista a destinação de R$ 12 milhões para realização do VAI, mas a gestão Doria congelou R$ 4,5 milhões (35%). Os R$ 8,3 milhões que direcionados para as duas modalidades são um montante 17% inferior ao orçado no ano passado, próximo de R$ 10 milhões.

Os membros da comissão julgadora entregaram a lista final com os selecionados na modalidade II em 2 de maio, mas se recusaram a assinar a ata final, exigindo uma reunião com Sturm para reivindicar o aumento da verba para o programa neste ano e que a mesma não seja reduzida novamente em 2018.

Como a reunião não ocorreu, os membros da comissão decidiram assinar a ata em uma nova reunião realizada em cinco de maio. Naquele momento, a expectativa era de que a lista dos selecionados fosse divulgada no dia seguinte. A própria página do Programa VAI na internet divulgou a data de 6 de maio para que todos conhecessem os contemplados. No entanto, a lista não foi divulgada.

“Pois qual não foi nossa surpresa quando na terça-feira (09/05/2017) recebemos telefonemas e e-mail (emitido pela coordenação do Programa às 11h30) convocando-nos para uma reunião às 13h30”, relatam os signatários na carta. Dois projetos foram apresentados na reunião como tendo problemas com relação ao histórico de atividades em edições anteriores do programa. Para acessar a modalidade II é preciso já ter sido contemplado na modalidade I.

Na reunião foram apresentados: Manifesto Bicha Preta e Batucafro – Iya Mi Axexê Minha Mãe é minha Origem. “Durante quatro horas as justificativas apresentadas para desclassificação dos projetos foram refutadas pela comissão, já que os considerávamos legítimos e cumpriam as regras do edital”, relatam os signatários da carta. O primeiro acabou permanecendo na lista de contemplados. O Batucafro foi eliminado.

Sobre este projeto pairaram outras avaliações da secretaria e uma polêmica. Durante a inauguração da Casa de Cultura de Guaianases, Sturm e o prefeito João Doria foram hostilizados. Informes de artistas da região dão conta de que membros do grupo participaram desse protesto e estariam sofrendo represália.

A ata da reunião realizada em 9 de maio registra que a coordenadora do Programa VAI disse que o projeto era praticamente uma cópia do apresentado no ano anterior. A julgadora Lucia Aghata argumenta que, por se tratar de continuidade e de um projeto muito específico, era natural que fosse muito semelhante.

Porém, quando forma divulgados os projetos selecionados, em 11 de maio, os membros da comissão deram conta de que outros quatro projetos foram eliminados. Os pré-selecionados Trocando a Pele: Apresentação, Estudos, Criação e Diáspora em Brasil; e os suplentes Estação SP #4 e Irokô Raízes e Saberes. O resultado final teve 78 projetos a menos que em 2016, quando foram aprovados 231. Este ano, foram 99 iniciativas aprovadas na modalidade I, com verba até R$ 40 mil, e 54 na modalidade II, que recebem até R$ 80 mil.

“Reiteramos que a desclassificação dos cinco projetos não foi uma decisão da Comissão e só ficamos sabendo da exclusão dos mesmos quando o resultado oficial foi publicado. Informamos que em nenhum momento a Comissão delegou à Secretaria a função de deliberação sobre a classificação dos grupos; ela discutiu, estudou os projetos, votou, deliberou e, nunca é demais afirmar mais uma vez, não concordou que os projetos em discussão naquele dia desrespeitassem o edital. Esclarecemos ainda que o edital atribui à comissão o papel de decidir sobre as situações não previstas no chamamento. Assim, mesmo se fosse esse o caso, a Comissão teria poder e autoridade para decidir”, argumentam os signatários.

A RBA teve acesso à íntegra do projeto Trocando a Pele: Apresentação, Estudos, Criação. O documento apresenta, a partir da página 3, um histórico de suas atividades desde o ano de 2013, compreendendo a aprovação e realização do projeto A Pele do Trabalho, na modalidade I do programa VAI de 2015. Para os membros da comissão, esse histórico seria suficiente. Para a coordenação do programa na Secretaria Municipal da Cultura, não.

O edital prevê que todas as propostas devem estar de acordo com o disposto no documento. Mas também compreende que as decisões da comissão não são passíveis de recurso, sem especificar se isso se aplica à coordenação ou ao secretário, por exemplo.

A secretaria não se manifestou. No documento obtido pela RBA, há um relatório da Assessoria Jurídica da pasta que determina a retirada dos projetos com o argumento de que os projetos não respeitaram plenamente o edital.

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