Reforma tributária: enquanto carros pagam IPVA, helicópteros e barcos são isentos

Dieese e sindicato dos fiscais vão iniciar mobilização nacional para pedir reforma tributária; joias, fortunas e helicópteros devem ser mais onerados para aliviar alíquotas sobre alimento

Enquanto o tributo sobre automóveis chega a 4% do valor total, lanchas não sofrem qualquer tributação (Foto: Folhapress)

São Paulo – Funcionária de uma unidade básica de saúde na zona sul de São Paulo, Fernanda de Moura, de 26 anos, comprou há quatro meses seu primeiro carro, um modelo de 2008. Na negociação, conseguiu que o antigo proprietário abatesse duas das três parcelas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) do veículo, que chegaria perto de R$ 900. No entanto, se Fernanda tivesse adquirido um helicóptero, que custaria pelo menos 40 vezes mais do que seu carro, ela não pagaria nenhum tributo sobre ele.

“Em uma cidade como São Paulo é muito importante ter um carro, principalmente em uma emergência. Mas eu continuo indo trabalhar de ônibus, porque é perto de casa e porque fica mais barato”, conta Fernanda. “Já prevejo uma série de gastos extras, como seguro, gasolina e o IPVA, que é muito caro e é anual”, conta. 

Não há na Constituição Federal restrição quanto à criação desse tipo de tributo. Daí a diferença na carga tributária entre um helicóptero, isento, e um carro, que tem entre 2% e 4% tributado pelo IPVA.

A confusão se deu por várias razões. Uma delas é que o IPVA sucedeu a antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), que se restringia a veículos automotores, explica a cartilha 10 Ideias para uma Tributação mais Justa, lançada pelo Dieese no início deste mês. Outro motivo seria que barcos e aeronaves são registrados pelo Tribunal Marinho, pela Capitania dos Portos ou pelo Ministério da Aeronáutica, e não são licenciados nos municípios, como os carros. 

O Brasil possui a maior frota de helicópteros urbanos do mundo e o segundo maior conjunto de aviões particulares, de acordo com a publicação. Entre 2001 e 2012, o número helicópteros cresceu 112,8%, alcançado o total de 1.909, de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). São Paulo tem, disparada, a maior frota (692). O mesmo ocorre com o número de aviões, que aumentou 40,9% no período analisado, totalizando, em 2012, 19.769 unidades. 

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Um dos motivos para esse crescimento é a falta de infraestrutura nas grandes cidades, que impede deslocamentos rápidos, de acordo com Jorge Bitar Neto, proprietário da empresa de táxi aéreo Helimarte, que possui uma frota de 13 helicópteros sobre os quais não incide IPVA. “Em São Paulo o perfil dos clientes é mais elitizado, voltado para empresários, executivos ou pessoas em viagens, por exemplo, para a praia. Porém, também fazemos muitos voos para licenciamento ambiental e vistorias técnicas”. Cada hora de voo custa, em média, R$ 1.800.

“Um trabalhador que tem um carro popular recolhe imposto sobre o veículo, mas uma pessoa que possui um avião ou um barco, que tem uma capacidade contributiva muito maior e que se desloca com mais rapidez e segurança, não paga”, lamenta o responsável pela cartilha no Dieese, Clóvis Scherer. “Vale lembrar que o IPVA não é usado para manutenção das ruas e sim para financiar os gastos gerais do estado. Assim, impostos sobre aeronaves e embarcações também poderiam contribuir.” 

Fortunas e artigos de luxo

A cartilha do Dieese propõe que artigos considerados supérfluos e de luxo deveriam ser mais onerados para que fosse possível reduzir os impostos sobre bens considerados essenciais, como alimentos, eletricidade e remédios. Hoje não há impostos, por exemplo, sobre uma pulseira de pérolas em ouro branco 18 quilates e diamantes, que, na joalheira Amsterdan Sauer, é R$ 750 mais cara do que o carro de Fernanda.

Falta, no entanto, uma definição do que seria um bem de luxo. A cartilha do Dieese propõe que sejam considerados supérfluos produtos cujo consumo aumente mais que a renda do consumidor. “Nesse sentido, viagens internacionais, joias, perfumes e cosméticos poderiam ser tributados com alíquotas mais altas”, sugere a publicação. Além disso, bebidas alcoólicas e cigarros também deveriam ser “fortemente tributados”.

Scherer ressalta que o debate sobre o que seriam artigos de luxo deve ser cuidadoso. “A indústria de cosmético é muito ampla. Protetores solares, por exemplo, são produtos que previnem doenças e não poderiam ser mais onerados. As atividades culturais, embora tenham seu acesso concentrado nas elites, geram um ganho para a sociedade como um todo e não poderiam ser mais taxadas.”

A cartilha também propõe que as grandes fortunas paguem impostos, o que não ocorre hoje no Brasil, apesar de a medida estar prevista no artigo 153 da Constituição. “As famílias de renda mais baixa pagam, percentualmente, mais impostos. Isso ajudou muito na formação de grandes fortunas, sobre as quais não há tributação”, explica Scherer. 

O Projeto de Lei 277, apresentado em 2008 pelo deputada Luciana Gennro (Psol-RS), propõe a taxação de grandes fortunas, mas, após aprovação em 2010 na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta travou.

O número de brasileiros com patrimônio individual maior que US$ 1 milhão saltou de 155 mil em 2010 para 165 mil em 2011, segundo levantamento da consultoria canadense RBC Wealth Management e Capgemini. “Taxar as fortunas seria um caminho para tentar reverter a concentração de renda no país”, diz o responsável pela cartilha.

Esse tipo de imposto é uma prática comum em outros países, como a França, onde patrimônios acima de 790 mil euros pagam uma alíquota progressiva que chega a 1,8%. Em 2009, último dado disponível, o imposto foi pago por 539 mil famílias e por meio dele foram arrecadados mais de 3 bilhões de euros, segundo dados da cartilha. A Suíça também aplica imposto parecido que representou 4,9% das receitas fiscais totais do país em 2006.

Apoiados pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Nova Central Sindical (NCST) e pela Força Sindical, o Dieese e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) vão iniciar um abaixo-assinado para pressionar o Congresso a colocar em pauta a reforma tributária. As mobilizações começarão nas atividades de 1º de Maio, Dia do Trabalho, e a meta é colher 1 milhão de assinaturas.