Wagner Rossi deixa Agricultura dizendo que sabe quem fez ‘falsas acusações’

Na quarta demissão de ministros de Dilma em 71 dias, ex-titular da Agricultura afirma ser vítima de campanha 'indecente' e atribui decisão a pedido de familiares

Rossi chegou a prestar esclarecimentos no Senado no dia 10 de agosto, mas não resistiu à sequência de denúncias (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

São Paulo – O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, divulgou no final da tarde desta quarta-feira (17) sua carta de demissão após um mês de suspeitas de irregularidades levantadas por meio do noticiário. Rossi atribuiu a decisão a um “ultimato” da esposa e dos filhos para que deixasse o cargo a fim de se livrar da “saraivada de falsas acusações”. 

Na primeira parte da carta, Rossi enumera o que considera avanços ao longo de um ano e meio de gestão, e elogia tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto Dilma Rousseff. “Mas, durante os últimos 30 das, tenho enfrentado diariamente uma saraivada de acusações falsas”, prossegue o ex-ministro, que lamenta que veículos de comunicação tenham ignorado todas as defesas que apresentou às denúncias publicadas.

A primeira suspeita de irregularidade foi levantada pela revista Veja em entrevista de Oscar Jucá Neto, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Jucazinho, como é conhecido, afirmou haver fraudes dentro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estatal vinculada ao Ministério da Agricultura e que fora comandada por Rossi.

No último fim de semana, a publicação da editora Abril apostou em reportagem de capa sobre o enriquecimento pessoal do político do PMDB ligado ao agronegócio. A matéria ouvia antigos diretores da Conab e da Companhia Docas do Estado de São Paulo que afirmavam ter havido cobrança de propina nas gestões de Rossi. Na ocasião, o ainda ministro emitiu nota lamentando que a Veja não tivesse utilizado suas respostas, que encaminhara menos de 24 horas após o contato dos repórteres, e tivesse se valido de fontes descredenciadas a fornecer informações corretas.

A carta divulgada nesta quarta mantém o tom a respeito do noticiário. “O principal suspeito de má conduta no setor de licitações passou a ser o acusador de seus pares. Deram voz até a figuras abomináveis que minha cidade já relegou ao sítio dos derrotados e dos invejosos crônicos. Alguns deles não passariam por um simples exame de sanidade.”

Rossi considera que houve uma “campanha indecente” contra si, e afirma que tentou resistir em nome do respeito à coalizão de governo, mas não teve forças para tal. “Não posso fazer da minha coragem pessoal um instrumento de que esses covardes se utilizem para atingir meus amigos ou meus familiares”, pondera o ex-ministro, que termina seu comunicado em tom de ameaça. “Sei de onde partiu a campanha contra mim. Só um político brasileiro tem capacidade de pautar Veja e Folha e de acumular tantas maldades fazendo com que reiterem e requentem mentiras e matérias que não se sustentam por tantos dias.”

Mudanças

Trata-se da quarta saída de ministros nos oito meses de governo Dilma Rousseff, todas nos últimos 71 dias. A primeira demissão foi de Antonio Palocci, que deixou a Casa Civil em 7 de junho em meio a denúncias de um aumento considerado suspeito de seu patrimônio pessoal nos anos que se seguiram à saída do Ministério da Fazenda, do qual foi titular durante o primeiro mandato de Lula.

Menos de um mês depois, Alfredo Nascimento saiu do Ministério dos Transportes após suspeita de apropriação de recursos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) por políticos do PR. O atrito provocado pela demissão durou até esta semana, quando o partido confirmou a saída da base de Dilma Rousseff.

Em 5 de agosto, Nelson Jobim saiu do Ministério da Defesa após uma série de declarações polêmicas que incluiu declaração de voto no tucano José Serra nas eleições de 2010, contra Dilma. A gota d’água foi uma entrevista a uma revista mensal na qual Jobim afirmou que a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, é “muito fraquinha”, e a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, “nem sequer conhece Brasília”.

Além das demissões, houve uma troca de cadeiras entre ministros. Ideli deixou a Secretaria da Pesca, que passou a ser ocupada por Luiz Sérgio, antes responsável pela articulação política.

Confira na íntegra a carta de Wagner Rossi

 

Neste ano e meio na condição de ministro da Agricultura do Brasil, consegui importantes conquistas. O presidente Lula fez tanto pela agricultura e a presidenta Dilma continuou esse apoio integralmente.

Fiz o acordo da citricultura, anseio de mais de 40 anos de pequenos e médios produtores de laranja, a quem foi garantido um preço mínimo por sua produção.

Construí o consenso na cadeia produtiva do café, setor onde antes os vários agentes sequer se sentavam à mesma mesa, com ganhos para todos, em especial os produtores.

Lancei novos financiamentos para a pecuária, recuperação de pastagens, aquisição e retenção de matrizes e para renovação de canaviais.

Aumentei o volume de financiamento agrícola a números jamais pensados e também os limites por produtor, protegendo o médio agricultor sempre tão esquecido.

Criei e implantei o Programa ABC, Agricultura de Baixo Carbono, primeiro programa mundial que combina o aumento de produção de alimentos a preservação do meio ambiente, numa antecipação do que será a agricultura do futuro.

Apoiei os produtores de milho, soja, algodão e outras culturas que hoje desfrutam de excelentes condições em prol do Brasil.

Lutei por nossos criadores e produtores de carne bovina, suína e de aves que são protagonistas do mercado internacional.

Melhorei a atenção a fruticultura, a apicultura e a produtos regionais, extrativistas e outras culturas.

Apoiei os grandes, os médios e os pequenos produtores da agricultura familiar, mostrando que no Brasil há espaço para todos.

Deus me permitiu estar no comando do Ministério da Agricultura neste momento mágico da agropecuária brasileira.

Mas, durante os últimos 30 das, tenho enfrentado diariamente uma saraivada de acusações falsas, sem qualquer prova, nenhuma delas indicando um só ato meu que pudesse ser acoimado de ilegal ou impróprio no trato com a coisa pública.

Respondi a cada acusação. Com documentos comprobatórios que a imprensa solenemente ignorou. Mesmo rebatida cabalmente, cada acusação era repetida nas notícias dos dias seguintes como se fossem verdades comprovadas. As provas exibidas de sua falsidade nem sequer eram lembradas.

Nada achando contra mim e no desespero de terem que confessar seu fracasso, alguns órgãos de imprensa partiram para a tentativa de achincalhe moral: faziam um enorme número de pretensas “denúncias” para que o leitor tivesse a falsa impressão de escândalo, de descontrole administrativo, de descalabro. Chegou-se à capa infame da “Veja”.

Tudo falso, tudo rebatido. Mas a campanha insidiosa não parava.

Usaram para me acusar, sem qualquer prova, pessoas a quem tive de afastar de suas funções por atos irregulares ou insinuações de que tinham atuado com interesses menos republicanos nas funções ocupadas. O principal suspeito de má conduta no setor de licitações passou a ser o acusador de seus pares. Deram voz até a figuras abomináveis que minha cidade já relegou ao sítio dos derrotados e dos invejosos crônicos. Alguns deles não passariam por um simples exame de sanidade.

Ainda assim nada conseguiram contra mim. Aí tentaram chantagear meus colaboradores dizendo que contra eles tinham revelações terríveis a fazer, mas que não as publicariam se fizessem uma só acusação contra mim. Torpeza rejeitada.
Finalmente começam a atacar inocentes, sejam amigos meus, sejam familiares.

Todos me estimularam a continuar sendo o primeiro ministro a, com destemor e armado apenas da verdade, enfrentar essa campanha indecente voltada apenas para objetivos políticos, em especial a destituição da aliança de apoio à presidenta Dilma e ao vice-presidente Michel Temer, passando pelas eleições de São Paulo onde, já perceberam, não mais poderão colocar o PMDB a reboque de seus desígnios.
Embora me mova a vontade de confrontá-los, não os temo, nem a essa parte po dre da imprensa brasileira, mas não posso fazer da minha coragem pessoal um instrumento de que esses covardes se utilizem para atingir meus amigos ou meus familiares.

Contra mim nem uma só acusação conseguiram provar. Mas me fizeram sofrer e aos meus. Não será por qualquer vaidade ou soberba minha que permitirei que levem sofrimento a inocentes.

Hoje, minha esposa e meus filhos me fizeram carinhosamente um ultimato para que deixasse essa minha luta estóica mas inglória contra forças muito maiores do que eu possa ter. Minha única força é a verdade. Foi o elemento final da minha decisão irrevogável.

Deixo o governo, agradecendo a confiança da presidenta Dilma, do vice-presidente Michel Temer, do presidente Lula e dos líderes, deputados, senadores e companheiros do PMDB e de todos os partidos que tanto respaldo me deram.
Agradeço também a todos os leais colaboradores do Ministério da Agricultura, da Conab, da Embrapa e de todos os órgãos afins. Penso assim ajudar o governo a continuar seu importante trabalho, retomando a normalidade na agricultura.

Finalmente, reafirmo: continuo na luta pela agropecuária brasileira que tanto tem feito pelo bem de nosso Brasil. Agradeço as inúmeras manifestações de apoio incondicional da parte dos líderes maiores do agronegócio e de suas entidades e também aos simples produtores que nos enviaram sua solidariedade.

Deus proteja o produtor rural e tantos quanto lutem na terra para produzir alimentos para o mundo. Deus permita que tenham a segurança jurídica necessária a seu trabalho que o Congresso há de lhes garantir. Lutei pela reforma do Código Florestal.

É importante para o Brasil. Outros, talvez mais capazes, haverão de continuar essa luta até a vitória.

Confio que o governo da querida presidenta Dilma Rousseff supere essa campanha sórdida e possa continuar a fazer tanto bem ao nosso país.

Sei de onde partiu a campanha contra mim. Só um político brasileiro tem capacidade de pautar “Veja” e “Folha” e de acumular tantas maldades fazendo com que reiterem e requentem mentiras e matérias que não se sustentam por tantos dias.

Mas minha família é meu limite. Aos amigos tudo, menos a honra.

Wagner Rossi
Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
A original está na página do ministério