Polícia do Chile não vai investigar morte de jovem em protesto

Enquanto isso, presidente Sebastián Piñera garante que quer paz e diálogo, mas não se mostra aberto a colher reivindicações de estudantes mobilizados há mais de três meses

O governo de Piñera tem apostado na tática de repressão aos movimentos, que só fazem crescer nos últimos três meses (Foto: Carlos Vera. Reuters)

São Paulo – A Polícia Nacional do Chile descarta a possibilidade de investigar a morte do jovem Manuel Gutiérrez, de 16 anos, ocorrida na madrugada de sexta-feira (26) em meio aos massivos protestos que tomaram conta do país.

O chefe da Zona Metropolitana dos Carabineros, como são conhecidos os policiais nacionais chilenos, o general Sergio Gajardo, deixou de lado a afirmação do irmão da vítima de que os disparos partiram de agentes do Estado. “Há versões dadas por algumas pessoas que estavam com ele que dizem que haveria passado um veículo pelo lugar em que estavam, e esse veículo cumpriria com não sei que característica que eles atribuem a um veículo de Carabineros”, minimizou.

De acordo com Gajardo, o major Eugenio Molt, responsável pela área em que o jovem foi executado, garantiu que seus homens não utilizaram armas de fogo contra as manifestações. “Os funcionários portam sua arma de serviço, mas, por um princípio de necessidade e norma, não se utiliza”, defendeu o general.

A investigação, com isso, correrá por conta da Divisão de Homicídios da Polícia de Investigações do Chile, que deverá repassar os dados ao Ministério Público. O governo do conservador Sebastián Piñera considera que a atribuição cabe a estes órgãos, não devendo haver pressões do Executivo. “A nós corresponde, como governo, esperar a decisão do Ministério Público”, afirmou na última semana o porta-voz do Palácio de La Moneda, Andrés Chadwick, que tentou se valer ainda da explicação de que o jovem estava em uma zona em conflito, informação que foi descartada pela família.

Desencontros

A morte de Gutiérrez e o ferimento grave de um outro estudante, internado após ser atingido por um disparo que lhe perfurou o olho e atingiu o cérebro, são os pontos mais graves da política de enfrentamento adotada por Piñera desde que os protestos de estudantes e professores tiveram início, há mais de três meses.

As maiores manifestações do país desde a redemocratização, há duas décadas, visam a contestar um modelo educacional baseado no lucro do sistema privado e na desigualdade entre os alunos, conduzidos a um modelo de endividamento durante a vida universitária que muitas vezes se arrasta por toda a fase adulta. 

Os atos têm provocado forte desgaste na imagem do presidente, que amarga os índices mais baixos de popularidade dos chefes de Estado da história recente chilena. Piñera viu-se forçado a trocar boa parte de seu gabinete, mas não escapou de declarações desastradas de alguns de seus novos ministros. 

Nas últimas semanas, frente à persistência dos manifestantes, que se negam a aceitar acordos fechados entre Executivo e Legislativo, ele lançou mão de um decreto do período ditatorial de Augusto Pinochet que proíbe reuniões populares feitas sem previa autorização do governo central. O resultado foi o crescimento do número de passeatas, do envolvimento de outros segmentos da sociedade e do saldo de detidos e feridos, culminando na última semana com uma greve nacional de dois dias nas quais pipocaram contestações ao modelo neoliberal mantido por duas décadas de governo da Concertação, a coalizão de centro que herdou o legado de Pinochet, e agravado pelos primeiros meses de governo Piñera.

“Fechamos um grande acordo nacional pela democracia social”, enfatizou Arturo Martínez, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Chile, “que inclui a trabalhadores, estudantes, pequenos e médio empresários, ambientalistas, grupos de direitos humanos, gente do mundo da cultura, professores”.

Segundo a CUT chilena, 600 mil pessoas se reuniram em vários pontos do país em torno de uma série de reivindicações, que tiveram ainda um balanço de ao menos 470 detidos e em torno de 80 feridos. O governo adotou o discurso de que se trata de uma pequena fração da sociedade interessada em provocar problemas, e não em negociar, e mais uma vez o presidente se disse aberto ao diálogo. “Depois de mais de três meses em que vimos florescer a violência e o enfrentamento, chegou o tempo da paz, chegou o tempo da unidade, do diálogo e dos acordos”, manifestou Piñera. Desde o começo dos protestos, ele tentou anunciar medidas para acalmar os ânimos, mas todas elas iam na linha de melhorias do atual sistema, e não de uma mudança radical, como desejam alunos e docentes.

Os grupos que encabeçam as manifestações, cientes de que a paz no discurso de Piñera irá apenas até a convocação dos próximos atos, reúnem documentos para derrubar via Judiciário o decreto que permite ao governo reprimir a população organizada em marchas. A alegação central é de que a legislação do sistema interamericano de direitos humanos, compreendida na Organização dos Estados Americanos (OEA), prevê o direito legítimo de manifestação e, portanto, a lei nacional deve ser considerada ilegal. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos chegou inclusive a emitir um comunicado lamentando a atitude do governo e fazendo um chamado para que se respeitem os preceitos básicos de liberdade.

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