Assentamento em Tocantins ficará sem celular dentro de poucas semanas

Troca de tecnologia da Vivo deixará 314 famílias sem comunicação móvel a partir de setembro em Lagoa da Onça, uma comunidade que não tem telefonia fixa e conta com internet incerta

São Paulo – A comunidade de Lagoa da Onça, no interior do Tocantins, está em uma aflitiva contagem regressiva para o dia em que ficará desconectada do mundo – e logo os dedos das mãos serão suficientes para contar quanto falta. É em setembro que a operadora Vivo promete atualizar sua tecnologia regional, o que significa que as famílias deste assentamento rural de Formoso do Araguaia, município a 280 quilômetros da capital Palmas, não terão mais maneira de se comunicar pelas vias telefônicas “normais” com outros rincões do país.

Tudo por causa da mudança da tecnologia CDMA, mais antiga, para a GSM, a chamada terceira geração da telefonia celular. O problema é que parte das 314 famílias que vivem no local fez “na raça” a instalação dos aparelhos móveis, adquirindo antenas e potencializadores de sinal. O custo por morador ficou entre R$ 200 e R$ 400, de acordo com o tamanho das instalações, feitas, na média, há três anos. Com a troca, tanto os telefones quanto os equipamentos deixam de funcionar – e é possível que os moradores da Lagoa da Onça não estejam sozinhos nesta, já que toda a rede CDMA da Vivo será desativada.

“Entramos com recurso na promotoria para exigir que mantenham o serviço. Temos uma antena rural cada pessoa. Não sei o que vamos fazer”, resume Bia Kruck, uma simpática missionária francesa que está no Brasil há mais de quatro décadas. Para piorar, há apenas um pequeno centro de inclusão digital para toda a comunidade. Os computadores foram instalados pela fundação de um banco privado com uma condição: que houvesse um monitor para dar aulas de informática às crianças. A prefeitura de Formoso do Araguaia teria se comprometido a pagar este profissional, mas não o fez, o que pode levar a que em outubro a internet local seja desativada.

O Ministério Público em Tocantins instaurou inquérito civil para encontrar uma maneira de assegurar que a conexão via telefonia celular não se perdesse. “Recebemos a resposta da Vivo, que diz que a Lagoa da Onça não estaria dentro da área de cobertura de telefonia celular, e que a ação de moradores de comprar antenas e potencializadores de sinal seria uma atuação por conta e risco desses moradores”, relata o promotor Airton Amilcar Machado Momo.

Ele aguarda agora uma posição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e, enquanto isso, esmiúça a legislação brasileira para comprovar que a telefonia móvel é um serviço essencial. “Essa é uma questão bastante nova e muito séria, tanto que provavelmente a decisão tomada em nossa comarca vai fazer jurisprudência para as outras situações.”

Bia Kruck sabe da gravidade do quadro. Ela rodou o Norte do país inteiro ao longo de seus anos de militância e viveu momentos muito difíceis, de ameaça a posseiros, atuação indiscriminada de coronéis locais e falta de proteção das populações mais vulneráveis. Hoje, com instrumentos de comunicação nas mãos, sabe que é um pouco menos difícil fazer denúncias e evitar problemas. Além das questões da internet e dos celulares, Lagoa da Onça conta com apenas um telefone público, que compartilha com os moradores da comunidade vizinha. Aos domingos, a fila se agiganta. “Fizemos pedido para mais um orelhão e informaram que já temos o suficiente. Quem não tem o celular, usa o orelhão”, resume. Com a desativação, a sobrecarga do orelhão aumentará, único ponto de comunicação deste local, distante 60 quilômetros da área urbana, com o restante do mundo.

“Imagine uma comunidade inteira sem comunicação. Isso é muito grave e não poderia ocorrer. Mas precisamos verificar se existe possibilidade legal de obrigar a Vivo a manter um sinal onde ela diz que estaria fora de sua área de cobertura. Possibilidade moral existe, não tenho dúvida”, lamenta o promotor.

Procurada, a Vivo não se manifestou até o fechamento da reportagem.