Via Campesina critica COP-16, mecanismo de crédito carbono e para floresta em pé

Organização ligada a indígenas e movimentos camponeses ataca 'compra de permissões para contaminar', agricultura industrial e transgênicos

São Paulo – A delegação da Via Campesina em Cancún, no México, que participa da 16ª Conferência das Partes (COP-16) sobre mudanças climáticas, acusa os líderes mundiais de ignorarem o aquecimento global. Em nota, os ativisitas criticaram duramente o mercado de carbono, a principal ferramenta colocada por governos como forma de reduzir as emissões de gáses que causam o efeito estufa.

Para a Via Campesina, tratam-se de saídas que representam a “comercialização dos bens naturais”. O principal alvo é o Mecanismo de Desenvolvimento Livre (MDL), definido pelo Protocolo de Kyoto em 1992, e o de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), que permitiria a obtenção de recursos por países que preservem floresta em pé. Esses procedimentos estabelecem pagamentos por países ricos para nações pobres ou emergentes que funcionariam, segundo os ativistas, como “compra de permissões para contaminar”.

“É necessário reconstituir a cosmovisão de nossos povos, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a mãe terra, o ar, a água e todos os seres viventes”, diz o texto. “O ser humano não é dono da natureza, mas faz parte do todo que tem vida”, prossegue.

O manifesto traz oito críticas à condução das discussões e três itens exigidos e sete preocupações da organização, ligada a movimentos camponses e indígenas de diversos países, como o Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), no Brasil. Há críticas ainda à ação de organismos multilaterais, a usinas nucleares e à “agricultura industrial” e transgênica.

Confira a íntegra:

Via Campesina – Declaração de Cancún
Fórum Global pela Vida, Justiça Social e Ambiental
4 a 10 de dezembro de 2010

Os membros da Via Campesina de mais de 30 países de todo o mundo juntamos milhares de lutas em Cancún para exigir da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 16) justiça ambiental e respeito à Mãe Terra, para denunciar as ambiciosas intenções dos governos, principalmente do Norte, de comercializar todos os elementos essenciais da vida em benefício das corporações transnacionais e para apresentar as milhares de soluções para esfriar o planeta e para frear a devastação ambiental que hoje ameaça muito seriamente a humanidade.

No Fórum Alternativo Global pela Vida,  Justiça Social Social e Ambiental, o principal espaço de mobilização, celebramos oficinas, assembléias e reuniões com nossos aliados e uma ação global, chamamos os milhares de Cancún e tivemos repercussão em todo o planeta e até nas salas do Palácio da Lua da COP 16.

A ação do dia 7 de dezembro teve como expressão da nossa luta uma marcha de milhares de membros da Via Campesina, acompanhados por indígenas maias da península mexicana e milhares de aliados de organizações nacionais e internacionais.

A mobilização para Cancún começou desde o dia 28 de novembro, com três caravanas que saíram de São Luis Potosí, Guadalarajara e Acapulco, que percorreram os territórios mais simbólicos da devastação ambiental, mas também de resistências e lutas das comunidades.

O esforço das caravanas foi um trabalho conjunto com a Assembléia Nacional de Afetados Ambientais, o Movimento de Libertação Nacional, o Sindicato Mexicano de Eletricistas e centenas de povos e pessoas que nos abriram as portas de sua generosidade e solidariedade. No dia 30 de novembro chegamos com nossas caravanas na Cidade do México, celebramos um Fórum Internacional e uma marcha, acompanhados de milhares de pessoas e centenas de organizações que também lutam pela justiça social e ambiental.

Na nossa jornada para Cancún, outras caravanas, uma de Chiapas, outra de Oaxaca e uma de Guatemala, depois de muitíssimas horas de viagem, se uniram em Merida para celebrar uma cerimônia em Chichen Itza e finalmente chegar a Cancún no dia 3 de dezembro para instalar nosso acampamento para a Vida e a Justiça Social e Ambiental. No dia seguinte, 4 de dezembro, abrimos nosso fórum para assim darmos início a nossa luta em Cancún.

Por que chegamos a Cancún?

Os atuais modelos de consumo, produção e comércio têm causado uma destruição do meio ambiente, da qual os povos indígenas, camponeses e camponesas somos as principais vítimas. Assim nossa mobilização para Cancún e em Cancún é para dizer para dizer aos povos do mundo que necessitamos de uma mudança de paradigma de desenvolvimento e economia.

É necessário transcender o pensamento antropocêntrico. É necessário reconstituir a cosmovisão de nossos povos, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a mãe terra, o ar, a água e todos os seres viventes. O ser humano não é dono da natureza, mas faz parte do todo que tem vida.

Frente a essa necessidade de reconstituir o sistema, o clima, a Mãe Terra, denunciamos:

1.Os governos continuam  indiferentes frente ao aquecimento do planeta e em vez de debater sobre as mudanças de políticas necessárias para o resfriamento, debatem sobre o negócio financeiro especulativo, a nova nova economia verde e a privatização dos bens comuns.

2.As falsas e perigosas soluções que o sistema capitalista neoliberal implementa, como a a iniciativa REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação), o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Livre), a geoengenharia representam comercialização dos bens naturais, compra de permissões para contaminar com créditos de carbono, com a promessa de não cortar bosques e plantações no Sul.

3.A imposição da agricultura industrial através da implementação de produtos transgênicos e acumulação de terras que atentam contra a Soberania Alimentar

4.A energia nuclear, que é muito perigosa e que de nenhuma maneira é uma verdadeira solução.

5.O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio por facilitar a intervenção de grandes transnacionais em nossos países.

6.Os impactos que ocasionam os tratados de livre comércio com países do Norte e da União Européia, que não são mais que acordos comerciais que abrem mais as portas de nossos países a empresas transnacionais para que se apossem de nossos bens naturais.

7.A exclusão dos camponeses e povos indígenas das discussões dos temas transcendentais da vida da humanidade e da Mãe Terra.

8.A expulsão dos companheiros e companheiras do espaço oficial da COP 16 por sua oposição aos planejamentos dos governos que apelam por um sistema depredador, que apostam por exterminar a Mãe Terra e a humanidade.

Não estamos de acordo com a simples idéia de “mitigar” ou “adaptar” à mudança climática.

Precisamos de justiça social, ecológica e climática, por isso exigimos:

1.Retomar os princípios dos acordos de Cochabamba de 22 de abril de 2010 com um processo que realmente nos leve à redução real da emissão de gases de carbono com efeitos estufa e para atingir a justiça social e ambiental.

2.A Soberania Alimentar com base na agricultura camponesa sustentável e agroecológica, dado que a crise alimentar e a crise climática são a mesma coisa, as duas são conseqüência do sistema capitalista.

3.É necessário mudar os estilos de vida e as relações destrutivas do meio ambiente. É necessário reconstituir a cosmovisão de nossos povos  originários, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a Mãe Terra, o ar, a água e todos os seres viventes.

A Via Campesina, como articulação que representa milhares e milhares de famílias camponesas no mundo, e preocupada com a recuperação do equilíbrio climático, chama a:

1.Assumir a responsabilidade coletiva com a Mãe Terra, mudando os padrões de desenvolvimento das estruturas econômicas e acabando com as empresas transnacionais.

2.Reconhecemos governos como o da Bolívia, Tuvalu e alguns mais, que têm tido a valentia de resistir contra a imposição dos governos do Norte e corporações transnacionais e fazemos um chamado para que outros governos se somem à resistência dos povos frente a crise climática.

3.Fazer acordos obrigatórios de que todos os que contaminem o ambiente devem prestar contas pelos desastres e delitos cometidos contra a Mãe Natureza. Da mesma forma, obrigar a reduzir a emissão de gases de carbono onde elas são geradas. Aquele que contamina deve deixar de contaminar.

4.Alertamos aos movimentos sociais do mundo sobre o que acontece no planeta para defender a vida da Mãe Terra porque estamos defendendo o que será o modelo das futuras gerações.

5.Chamamos para ação e mobilização social as organizações urbanas e camponesas, para a inovação, para a recuperação das formais ancestrais de vida, a nos unirmos em uma grande luta para salvar a Mãe Terra, que é a casa todos e todas, contra o grande capital e os maus governantes. Isso é nossa responsabilidade histórica.

6.A que as políticas de proteção da biodiversidade, soberania alimentar, manejo e administração da água, que se baseiem nas experiências de participação plena das próprias comunidades.

7.A uma consulta mundial junto aos povos, para decidir as políticas e ações globais para parar a crise climática.

Hoje!, agora mesmo, chamamos a humanidade para atuar imediatamente para a reconstituição da vida de toda a Mãe Natureza, recorrendo à aplicação do “cosmoviver”.
Por isso, desde as quatro esquinas do planeta, nos levantamos para dizer: Não mais dano a nossa Mãe Terra!, Não mais destruição do planeta!, Não mais despejo de nossos territórios!,Não mais morte dos filhos e filhas da Mãe Terra!, Não mais criminalização das nossas lutas!

Não ao entendimento de Copenhague.

Sim aos princípios de Cochabamba.
Redd não! Cochabamba sim!

A terra não se vende, se recupera e se defende!
Globalizemos a luta, globalizemos a esperança
 
Delegação da Via Campesina a Cancún, 9 de dezembro de 2010

(tradução: Joana Tavares/Página do MST)

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