Adiamento de buscas por comandante Jonas provoca irritação

Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos coloca em dúvida atuação da Polícia Federal, que não concluiu o principal trabalho no Cemitério de Vila Formosa

São Paulo – O adiamento das buscas pelo corpo de Virgílio Gomes da Silva, morto pela ditadura, provocou irritação entre grupos que atuam no setor. A decisão de postergar a exumação foi tomada nesta sexta-feira (3) pela manhã durante reunião entre Polícia Federal, Ministério Público Federal e Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

“É difícil aceitar que nos tempos da democracia tenhamos dificuldades de rumar no mesmo sentido a Polícia Federal e nós, da comissão sobre mortos. Houve uma intenção de não ter essa localização agora”, critica Ivan Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e consultor da comissão. 

A reunião desta sexta foi marcada por tensão e mal-estar. Uma fonte citou “desconforto” com a conclusão do trabalho da Polícia Federal no Cemitério de Vila Formosa, na zona leste da capital paulista. Ao longo de toda a semana, as equipes técnicas trabalharam em duas frentes. Na primeira, localizaram um ossário clandestino que pode ter abrigado os restos mortais de vítimas da ditadura. Na segunda, deveria ser feita a exumação dos corpos de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas, e de Sérgio Correia, ambos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).

O centro da discórdia foi o trabalho realizado na quinta-feira (2). Como o cemitério passou por uma grande descaracterização na década de 1970, com mudança na numeração das quadras e o encurtamento das mesmas, os três primeiros dias da semana se focaram na reconstituição da contagem das covas para poder chegar aos espaços em que estariam enterrados os corpos dos militantes.

Na quinta-feira, o trabalho se focou na tentativa de remover a ossada de Sérgio Correia, morto em 1969 na Rua da Consolação, região central de São Paulo. Os peritos, após promover várias exumações, chegaram a um corpo que correspondia ao perfil do ex-integrante da ALN. Os ossos foram retirados e passarão por análise da Polícia Federal e do Instituto Médico Legal de São Paulo.

A questão é que ficou pendente a exumação na cova que poderia ser de Virgílio. A Polícia Federal acredita que será preciso um estudo mais aprofundado para determinar com precisão a localização da cova – ainda há dúvida entre alguns pontos da quadra. Com isso, ficou para o ano que vem aquela que era a grande motivação dos trabalhos em Vila Formosa: a localização dos restos mortais de comandante Jonas, responsável pelo sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, em 1969.

Foi a família dele que, ao longo de vinte anos, promoveu esforços pelo paradeiro de Virgílio, assassinado durante a tortura naquele mesmo ano. Por conta de ação movida pela família e pelo Grupo Tortura Nunca Mais, o Ministério Público Federal moveu ação e conseguiu chegar à articulação com a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e com a Polícia Federal.

Ivan Seixas faz várias ressalvas aos trabalhos realizados nesta semana. “Não foi feita a abertura da vala do Virgílio por um critério que não concordo. Não aceito. É muito precioso que se cumpra o foco da operação, que é a localização do corpo do Virgílio”, pondera, acrescentando que a indefinição sobre a composição do próximo governo federal pode ter contribuído para que não se levasse a cabo a exumação de comandante Jonas. “É assim que funciona a coisa. Não é uma suspeita ao profissional, mas ao processo como um todo. Isso é muito perigoso.”

O Ministério Público espera que os policiais federais consigam detalhar em janeiro a localização da cova de Virgílio. O procurador da República em São Paulo Marlon Alberto Weichert evita falar em frustração no fechamento da semana de trabalhos. “Claro que a gente sempre tem uma certa ansiedade, uma vontade de ter resultados conclusivos o mais rápido possível. Mas, diante do grande número de dificuldades técnicas, é melhor uma recuada e uma reanálise para que a gente tenha possibilidade maior de sucesso na hora da exumação.”

A respeito dos ossos resgatados, incluindo o de Sérgio Correia, o trabalho de análise pode se prolongar durante o primeiro trimestre do próximo ano. Ainda será preciso avaliar se os restos mortais preservaram o material genético, única possibilidade de fazer a identificação. Além disso, os ossos encontrados soltos no depósito clandestino aberto esta semana estão em péssimo estado de conservação, devido ao grande peso colocado sobre eles e à ação da umidade ao longo de décadas. 

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