Deputados acusam colegas de legislar em causa própria no Código Florestal
Regimento interno da Câmara prevê que parlamentares diretamente interessados em determinado tema devem se declarar impedidos de votar
Publicado 11/05/2011 - 21h15
São Paulo – Deputados federais de PT, PV e PSOL acusaram os colegas de Câmara de legislarem em causa própria para aprovar mudanças no Código Florestal brasileiro. Durante um longo dia de debates nesta quarta-feira (11), parlamentares manifestaram em tribuna certa estranheza com a rapidez com que algumas bancadas desejavam aprovar o relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Pedro Uczai (PT-SC) foi um dos primeiros a ironizar a ligação entre os deputados que defendem a agroindústria e seus próprios negócios. Ele lamentou que se utilize o argumento da produção de alimentos para justificar o enfraquecimento da legislação ambiental. “Esse discurso oculta os verdadeiros interesses e valores em torno do relatório.”
- Na Comissão de Agricultura da Câmara, dois terços têm ligação com agronegócio
- Bancada ambientalista se une contra alterações no Código Florestal
- Líder do PT diverge sobre data de votação de novo Código Florestal na Câmara
- Na reta final do embate sobre Código Florestal, ambientalistas tentam evitar recuo do governo
- Segundo Marina Silva, Palocci promete não trabalhar para aprovar Código Florestal sem consenso
O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) estima que 158 deputados tenham ligação direta com o agronegócio. A bancada ruralista é uma das mais bem articuladas do Congresso Nacional, tendo retomado nos últimos dois anos a ofensiva para revogar o Código Florestal.
Nesta quarta, os ruralistas voltaram a apresentar em plenário a produtividade e a importância do setor na balança comercial como argumentos para mudar as leis atuais, que segundo eles impossibilitam a produção de alimentos para toda a população brasileira. “Ninguém está anistiando quem quer que seja. Ninguém está revogando a legislação anterior. O que estamos fazendo é alterar normas que hoje criminalizam 100% dos agricultores desses país”, queixou-se Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Valmir Assunção (PT-BA) lembrou que um dos pontos sobre os quais os ruralistas não querem abrir mão é a recomposição da reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais. Como o tamanho do módulo fiscal varia de estado para estado, a mesma medida beneficiaria donos de vinte e de 400 hectares. “Aqueles que dizem defender a agricultura familiar estão defendendo, na verdade, é o agronegócio”. No fim, ele e outros parlamentares petistas acabaram derrotados. O governo aceitou a dispensa de recomposição de todas as propriedades com quatro módulos fiscais, independentemente da região.
Dívidas e áreas de preservação
Levantamento do jornal Correio Braziliense mostra que ao menos 15 deputados e três senadores serão beneficiados diretamente pela aprovação do Código Florestal. Eles figuram entre os produtores rurais autuados pelo Ibama em razão de algum crime ambiental e acabam perdoados pela proposta de Rebelo.
Aprovado o relatório, fica perdoado quem desmatou até julho de 2008. O governo Lula adiou por duas vezes o início da cobrança das multas de quem foi autuado por desmatar além do permitido. O prazo atual vence em junho deste ano, uma das explicações para a pressão da bancada de representantes do agronegócio. “Por que não setembro de 1999, quando foi editada a primeira regulamentação da Lei dos Crimes Ambientais?”, cobrou o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).
“Os 15 deputados não poderiam votar porque podem estar legislando em causa própria. Quero preservar o meio ambiente e o conceito da agricultura familiar”, afirmou o deputado Marcon em entrevista à TV Câmara. Ao fazer uso da tribuna, ele foi um dos que adotaram tom mais enfático em relação ao discurso distorcido dos ruralistas. “Por que não defende a agricultura familiar quando é para discutir orçamento, quando é para discutir o endividamento do agricultor familiar?”
Após mais de dez horas de discussão, uma saída repentina de uma das muitas reuniões realizadas durante o dia chamou atenção nos corredores da Câmara. O coordenador da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PPS-RO), ficou muito irritado com a proposta do governo de encaminhar a questão das Áreas de Preservação Permanente (APPs) por meio de decreto presidencial.
O Palácio do Planalto pretende assegurar a regulamentação das atuais APPs por meio dos critérios de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. Esses serão os fatores para definir quais as áreas à margem de rios que ficarão dispensadas de realizar a recomposição caso tenham desmatado acima do limite. “O Executivo está preocupado em dar lição para o mundo, mas está dando as costas para os produtores rurais”, reclamou Moreira Mendes, um dos 15 que serão perdoados em suas autuações.
O regimento interno da Câmara expressa no artigo 180 que “tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual”, o deputado deve se considerar impedido de votar, comunicando a Mesa Diretora da Câmara, mas essa espécie de cláusula de consciência não registra adeptos no Congresso.
“A reação do líder dos ruralistas, que foi autuado por irregularidades, e portando não poderia votar, para nós é alvissareira”, ironizou Alfredo Sirkis (PV-RJ). “Desde o começo somos favoráveis a que os agricultores familiares sejam dispensados de recompor APP. O que a gente não concorda é que um megalatifúndio possa se valer da questão dos quatro módulos fiscais para não recompor.”
A indignação de Moreira Mendes migrou para o plenário. Um após o outro, os representantes do agronegócio bradaram contra a postura da presidenta Dilma Rousseff, e por fim anunciaram: ainda têm o Senado para promoverem as alterações que julgarem necessárias. Lá, a proporção de ruralistas é parecida com a que se vê na Câmara: são 18 senadores que atuam em nome da agroindústria, quase um quarto das cadeiras.