Servidores enfrentam sol e chuva na luta contra reforma da previdência de Doria
Nem a temperatura elevada tampouco o temporal que caiu em boa parte da cidade impediram a mobilização contra o projeto que altera o sistema previdenciário paulistano
Publicado 20/03/2018 - 18h44
Temporal que alagou diversos pontos da cidade não foi suficiente para parar os servidores
São Paulo – Milhares de servidores municipais de São Paulo mostraram hoje (20) mais uma vez ao prefeito João Doria (PSDB) que seguem firmes na tentativa de barrar o Projeto de Lei 621/2016, que promove alterações na previdência municipal. No dia em que o presidente da Câmara dos Vereadores, Milton Leite (DEM), da base do governo, manobrou para tentar acelerar a aprovação do projeto, os trabalhadores enfrentaram sol e chuva para garantir a vitória parcial. “Não tem arrego”, repetiram em protesto.
Temerosos quanto à velocidade de tramitação do projeto e a realização de manobras por parte da base governista, os servidores marcaram um grande ato para as 13h. Na prática, começaram a chegar por volta das 10h, sendo que pelo menos 40 pessoas dormem em frente à Câmara desde terça-feira (13), sem perspectiva de sair dali até a retirada do PL da pauta. Ontem, Milton Leite havia registrado uma sequência planejada de 21 sessões extraordinárias para tentar aprovar a matéria, entretanto, após a pressão, o colégio de líderes do Legislativo decidiu suspender os encontros.
A vitória da mobilização não veio fácil e ainda não é definitiva. O governo busca ganhar tempo para tentar reverter a opinião pública a seu favor. Mesmo assim, o adiamento é positivo para os servidores, já que o atual prefeito deixa o cargo no dia 10 de abril para disputar o governo do estado. “Doria está com pressa para usar isso como capital político. Ele vai dizer que o Temer não conseguiu fazer nacionalmente, mas ele conseguiu em São Paulo”, resumiu a assistente social Marcelle Mendes, que esteve na mobilização.
Marcelle é servidora do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) do Butantã e enfrentou o calor que ultrapassava os 35 graus, de acordo com os termômetros do centro da capital, e o posterior temporal que caiu na cidade por volta das 16h. Ela esteve até o fim da manifestação que, após assembleia coletiva das categorias, decidiu pela manutenção da greve, pela realização de uma passeata até a sede da prefeitura e por um novo ato, que será realizado na quinta-feira (22), em frente ao prédio do gabinete do prefeito com outra assembleia e passeata até a Câmara. O caminho reverso do que foi feito hoje.
“Estamos 100% parados no Cras Butantã desde a semana passada. Somos pioneiros na região com esse tipo de paralisação e estamos resistindo no piquete em frente ao Cras todos os dias”, disse a servidora. Este é um ponto relevante para o sucesso das mobilizações. Além da greve e dos atos, os trabalhadores estão levando sua luta para as bases. Atos regionais são realizados com frequência, além de reuniões com a comunidade, em especial de professores, pais e alunos.
O presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Sérgio Antiqueira, concorda com Marcelle e reafirma: “Servidores e servidoras, quando fazem barulho e fecham outras unidades, estão usando a capacidade do funcionalismo de lutar em unidade para derrubar o projeto. Estamos conseguindo fazer isso na base. Então nós, as entidades, vamos seguir esse exemplo. A prefeitura é uma só e os servidores são uma só voz”.
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Retrocessos
Os servidores argumentam que o projeto representa um “confisco” nos salários, já que aumenta a alíquota da contribuição previdenciária, além de criar um regime complementar, o Sampaprev, que vai dividir os fundos de previdência, podendo “secar” o caixa da aposentadoria de muitos. “Eu já pago quase 300 reais de INSS e, pessoalmente, vou ter que deixar de fazer algumas coisas, como a faculdade, porque são muitos os aumentos”, disse o servidor do Centro de Controle de Zoonoses Carlos Alberto.
“Estamos torcendo para que esse projeto não passe. Já pagamos horrores de previdência e se aumentar vai ficar ainda pior. Não é só isso que está acontecendo, ele também quer tirar alguns benefícios. Não temos garantido nem o vale-refeição e o alimentação, não sabemos como isso vai ficar. Doria está querendo se candidatar a governador e quer deixar tudo encaminhado, mas temos a confiança de que ele vai recuar até pelo número de pessoas que estão aqui”, completou.
O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, pré-candidato à presidência pelo Psol, esteve presente no ato e também criticou o prefeito. “Esse PL que João Doria quer aprovar tenta aumentar a contribuição que os servidores já dão para a previdência. Na prática, é um confisco salarial. É a redução dos salários dos professores em nome de uma suposta falta de sustentabilidade da previdência”, disse.
“Ajuste nos olhos dos outros é refresco. Felizmente, as categorias se levantaram em uma luta bravíssima. Semana passada, assistimos o maior ato dos servidores públicos da história. Lotou tudo aqui como reação contra a violência que a gGuarda Civil Metropolitana (GCM) fez dentro da Câmara. Bater em professor é inadmissível. Mesmo assim, eles tentam colocar o projeto na pauta e, por isso, essa manifestação hoje”, completou Boulos.
O professor de ensino fundamental Wendel Moreira é um dos servidores que resistem. Ele esteve em todos os atos e está acampado em frente à Câmara. “Nossa vontade é de continuar o acampamento até que esse PL seja arquivado. Não vamos aceitar manobras, substitutivos ou acordos. Precisamos que ele seja arquivado”, disse.
Falta de legitimidade
A artista e musicista Mariana de Moraes, neta do poeta Vinícius de Moraes, esteve no ato para se somar junto aos servidores e criticou fortemente o prefeito. “Estou vivendo em São Paulo e só tenho visto desmandos. Vivo no centro e vejo os maus tratos que são cotidianos por parte do governo e estamos vendo isso todos os dias. Espero que hoje seja um dia de vitórias porque essa lei é absurda. Todos têm que ir para as ruas por isso”, disse.
Mariana lembrou Vinícius e seu engajamento político. “Tenho muito orgulho de estar aqui e desse movimento. Vi o Vinícius velhinho subir em um palanque na grande greve do ABC, cercado por policiais ainda durante a ditadura (1964-1985). Estou aqui em solidariedade e pedindo ‘fora Doria’”, disse. A greve citada aconteceu em 1980 e parou a indústria da região do ABC, na Grande São Paulo, por 41 dias.
Seguindo o exemplo das grandes greves, os servidores já estão de braços cruzados desde o dia 8 e o movimento ainda cresce, segundo o sindicato. “A cada dia mais unidades estão aderindo à greve. Ontem, pararam a secretaria do Verde, as subprefeituras do Jabaquara, Aricanduva, várias Unidades Básicas de Saúde (UBS), ambulatórios de especialidades. Continuamos com a greve quente na vigilância sanitária, zoonoses, assistência social. Estamos fortes e ampliando. Boa adesão dos CEUs, quase 100% parado”, disse Antiqueira, presidente do Sindsep. O balanço da greve ainda conta com algo perto de 99% das escolas municipais paradas.
A ideia é de parar, pelo menos, até o dia 10 de abril, quando o atual prefeito deixa o cargo para disputar o governo do estado. “Doria está aproveitando a prefeitura como trampolim político. O mandato que a população deu, agora ele quebra a confiança. Ele dizia ser um casamento, mas parece que não é muito fiel. Não tem legitimidade para aprovar esse projeto. Ele não quer nem ser governador, quer ser presidente. Por isso, quer aprovar esse projeto que é dos bancos, quer ser candidato dos bancos e do mercado financeiro”, completou Antiqueira.