Sindicalismo

Antes de congresso, Força contorna turbulência e define sucessão

Dirigentes falam em 'desconforto', mas reforçam importância da unidade pelo momento político e econômico do país. Paulinho continuará no comando, em evento que reunirá 3 mil delegados

Jaélcio Santan/Força Sindical e Sind. Met. Curitiba

Juruna, Miguel e Sérgio: metalúrgicos com potencial para suceder Paulinho decidiram superar ‘momento crítico’

São Paulo – Um episódio aparentemente isolado, ocorrido em novembro do ano passado, quando ao final de um ato de centrais contra o governo, em São Paulo, dirigentes de uma mesma entidade tiveram uma discussão áspera diante do carro de som, mostrou que havia algo diferente na Força Sindical. Muita conversa fez diminuir a turbulência e reduziu as chances de a central chegar ao seu oitavo congresso com a possibilidade de registro de duas chapas, o que seria algo inédito desde sua fundação, em março de 1991.

Essa possibilidade é considerada pequena. O presidente da entidade no Paraná, o metalúrgico Sérgio Butka, declarou poucos dias atrás que havia “necessidade emergente de uma chapa alternativa”, para dar “nova linha à central”. Segundo ele, a Força precisava “de um novo modelo”, com valorização da base. Nesta sexta-feira (9), dirigentes da central, incluindo Butka, iriam se reunir para aparar arestas. O congresso começa nesta segunda-feira (12) e vai até quarta, em Praia Grande, no litoral sul paulista. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, participará da abertura, marcada para as 14h30.

Durante os últimos meses, dirigentes da Força se esforçaram para garantir um congresso mais voltado à discussão das reformas trabalhista e da Previdência e a ameaça de perda de direitos. Argumentam que a unidade, interna e entre as centrais, é ainda mais necessária neste momento de ataques a direitos e contra o movimento sindical. Nesse debate, definiram que o presidente da Força desde 1999, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, também presidente nacional do Solidariedade, será reeleito. Somente depois disso é que se começará a discutir um processo de transição. Se ficar até o final do novo mandato, o que é improvável, completará 22 anos à frente da central. 

Cotados para o comando da Força, dois dos principais dirigentes definiram posições poucos dias antes do congresso. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e do sindicato da categoria em São Paulo, o maior do país, Miguel Torres, ocupará a 2ª vice-presidência – na atual executiva, é o quinto vice. E o secretário-geral da central, João Carlos Gonçalves, o Juruna, permanecerá no cargo.

O estatuto da central dificulta a formação de mais de uma chapa, já que não existe o critério da proporcionalidade. Na CUT, por exemplo, mesmo chapas não vitoriosas em congressos podem fazer parte da direção, desde que atinjam determinado número de votos. Miguel defende a proporcionalidade. Entre as propostas de resolução do congresso da Força, está a convocação de um congresso extraordinário para discutir uma reforma do estatuto e reestruturação “político-organizativa” da entidade.

Com aproximadamente 500 dos 3 mil delegados ao congresso, os metalúrgicos sempre estiveram no comando da Força Sindical. Todos os presidentes, efetivos e interinos, saíram do sindicato de São Paulo, inicialmente com Luiz Antônio de Medeiros e depois com Paulinho, que assumiu a presidência desde 1999, quando o titular disputou e se elegeu deputado federal, caminho que o substituto também trilharia. Em seus afastamentos para disputa de cargos eletivos (vice-presidente, prefeito, deputado), Paulinho foi substituído por Juruna e Miguel.

O último afastamento, de dois anos, até janeiro de 2016, causou mal-estar. Paulinho retornou subitamente e retomou o cargo que estava sendo ocupado por Miguel Torres. Em reunião da direção nacional da Força, vários sindicalistas manifestaram preocupação e pediram que o presidente da central e deputado fosse cauteloso em suas declarações públicas.

JAÉLCIO SANTANA/FORÇA SINDICAL
Dois anos depois daquele 1º de maio, Cunha está preso e Aécio, em maus lençóis. Gestos de Paulinho incomodaram companheiros

Paulinho liderou o movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff, enquanto a Força decidiu se manter neutra, já que havia divisão interna quanto ao tema. Na ocasião, Miguel aborreceu-se com a mudança, mas manteve o discurso da unidade.

Em 2014, o dirigente foi cabo eleitoral dedicado ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) na disputa presidencial. Em 2010, na esteira no sucesso dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, todas as centrais declararam apoio à petista Dilma Rousseff. 

Mas desconforto aconteceria em 2015. No início do ano, foi um dos principais apoiadores de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para presidir a Câmara. Com ele e Aécio, trabalhou fortemente no Legislativo para inviabilizar o segundo mandato de Dilma. Em agosto daquele ano, Paulinho chegou a levar Cunha – já envolto em denúncias de corrupção e hoje preso em Curitiba – para um evento da Força. Na ocasião, a situação de Cunha estava pior do que quando apareceu ao lado de Paulinho no palco do 1º de maio.

Foi criticado por vários dirigentes. Juruna chegou a declarar que poderia ser o momento de o presidente da central dedicar-se exclusivamente à atividade política, saindo da entidade.

O secretário-geral concorda que houve um momento difícil, mas vê em Paulinho o nome que “aglutina” os dirigentes. E acha possível conciliar atividades partidárias e sindicais. “A gente não vê no acúmulo de cargos uma forma de conduzir a central para determinado caminho político. O nosso presidente tem a força que tem no Congresso Nacional porque tem uma central por trás dele”, avalia Juruna. Depois da explicitação de divergências e até certo risco de ruptura, ele acredita em superação “daquele momento crítico”.

O dirigente ressalta a pluralidade da central, que tem dirigentes filiados a diversos partidos. Ao criar o Solidariedade, Paulinho tirou vários do PDT – ao qual foi filiado de 2003 a 2013 –, mas alguns permaneceram na legenda. Também há sindicalistas ligados ao PMDB, PSDB, PSB, PCdoB e PT. Na época do impeachment, enquanto o presidente da Força comandou o movimento para tirar Dilma, muitos, como o próprio Juruna, defendiam a manutenção da presidenta. Também houve algum estremecimento entre as centrais naquele período. “Tivemos maturidade para tratar dessas coisas. O diálogo ficou muito mais forte entre as representações”, afirma o secretário-geral. 

Com a posse de Michel Temer, apesar de a central ter optado por negociar com o governo, parte dos sindicalistas apoiam a saída do presidente. Da base metalúrgica comandada por Miguel Torres, vêm manifestações mais fortes contra o governo. “Ele (Temer) não consegue mais governar o país”, afirma. O dirigente não fala em proximidade com o Planalto, mas avalia que a pressão da base ajudou a Força a “corrigir a rota”.

Embora favoráveis ao “Fora, Temer”, dirigentes da central não aderem à campanha por eleições diretas já. De postura mais pragmática, os sindicalistas avaliam que é difícil viabilizar uma eleição no tempo que falta até 2018 e priorizaram a manutenção de canais de negociação com o governo.

Debate forte

Na base desde junho de 1975 e na presidência do sindicato desde 2008, Miguel concorda que houve turbulência interna, mas reforça o discurso da unidade. “O que fez a nossa central continuar crescendo foi a pluralidade. A Força sempre teve um debate forte em termos de condução, propostas.” Para ele, é preciso “solidificar, tirar vaidades”. Além disso, a fim de evitar ruídos “a comunicação (interna) na Força Sindical tem de ser mais dinâmica”. 

Ele e Juruna convergem na necessidade de se formar resistência contra as reformas e já pensar em uma nova formação do Congresso em 2018. “Temos pouca representação”, diz Miguel. “Na reforma trabalhista, 296 deputados votaram contra os trabalhadores. As maiores bancadas são de empresários, latifundiários. O resultado disso é o que estamos passando hoje.” A Força tem dois representantes na Câmara: o próprio Paulinho e Bebeto, do PSB da Bahia.

“Hoje, o debate político parece que está acima dos 14 milhões de desempregados. Temos de apostar na questão social”, acrescenta Juruna. Para o dirigente, defender o “fora todos”, como querem algumas correntes do movimento sindical, “é esconder responsabilidades e a necessidade de fazer uma boa campanha para ter mais gente (no parlamento), uma bancada progressista”.

Para o 1º secretário da Força, Sérgio Luiz Leite, o Serginho, do setor químico – que terá 177 delegados –, é necessário pensar em uma pauta estratégica de defesa de direitos. “Nesse sentido, a questão das reformas unifica a Força, unifica todo o movimento sindical.” Na questão do congresso, embora considere legítimo pleitear a formação de uma segunda chapa, como propôs Butka, o dirigente acredita que o momento é ruim para uma cisão. “Mais do que nunca, é preciso unidade.”

As turbulências deixaram algum desconforto, um “resquício de debate interno”, mas Serginho observa que a central sempre se preocupou com essa questão. A organização partidária “mais intensa”, segundo ele, ainda exigirá amadurecimento dos dirigentes. “Acho que isso ainda vai demandar um certo tempo.”

Guerra fria

A própria criação da central, em 10 de março de 1991, causou estremecimentos no mundo sindical. A Força surgiu já no período de redemocratização, e em um período de ascensão mundial do neoliberalismo como linha de pensamento. Seus dirigentes passaram a defender a economia de mercado. A CUT surgiu em 1983, ainda durante a ditadura, com visão em que o Estado deve ter papel forte como condutor da economia. Foram anos de conflitos, no que Juruna considera, em certa medida, uma espécie de período de “guerra fria”, referência aos blocos ideológicos hegemônicos no pós-guerra.

Ao esboçar uma nova central, Medeiros chegou a declarar que queria uma entidade sem a “porra-louquice” da CUT e sem o “peleguismo”, referindo-se às CGTs. Já a CUT via na recém-criada Força uma mera tentativa de se contrapor à maior central brasileira. Nas eleições presidenciais, a Força, nascida sob Collor, chegou a apoiar o tucano Geraldo Alckmin em 2006, mas também foi de Lula e até de Dilma, na primeira eleição (2010) – em 2014, Paulinho deu apoio a Aécio Neves (PSDB). A CUT, majoritariamente, sempre se manifestou pelos candidatos petistas.

Aos poucos, embora não totalmente, e ainda com desconfianças mútuas, a relação entre as duas centrais tornou-se mais próxima. As mudanças de comando e as marchas a Brasília contribuíram para esse movimento. “Acho que o presidente Lula ajudou também”, diz o secretário-geral, que na semana passada fez parte de um grupo de sindicalistas que visitou o ex-presidente, em encontro para discutir a conjuntura.

Na gênese de todas as centrais, está a 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 1981, na mesma cidade de Praia Grande, onde se reuniram sindicalistas de todas as linhas de pensamento. Um tema era a formação de uma central sindical. Um grupo criou a CUT em agosto de 1983, enquanto outro iria formar a CGT apenas em 1986, sob o comando de Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, morto em 1997.

A CUT crescia, enquanto a CGT enfrentou divisões internas, com dissidência liderada por Medeiros (metalúrgicos de São Paulo) e Antônio Rogério Magri (eletricitários de São Paulo). Naquele período, o bloco formado pelo PCdoB deixou a entidade e formou a Corrente Sindical Classista, que ingressaria na CUT. Hoje, esse grupo compõe a CTB, central formada em 2007.

Em 1989, surgiriam duas CGTs: confederação (presidida por Magri) e central (de Joaquinzão). A primeira integrou a fusão que, 10 anos atrás, deu origem à UGT. E a segunda, ainda em atividade, virou CGTB.

Dois anos depois do “racha” cegetista, Medeiros reuniu sindicalistas de várias correntes para formar a Força, durante o governo Collor. Magri, que foi ministro do Trabalho e da Previdência naquela gestão, é atualmente assessor da Força. Segundo o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, do Ministério do Trabalho, a central tem 1.615 entidades filiadas e 1,285 milhão de trabalhadores sindicalizados em sua base.