Freado por mecanização e fiscalização, trabalho escravo reduz no campo

Para a Pastoral da Terra, total de trabalhadores rurais libertos se manteve estável, passando de 2.077 em 2011 para 2.095 em 2012; número de ocorrências aumentou nas atividades não agrícolas

Fiscalização chegou a regiões do Sul e Sudeste onde ainda não tinha estado (Foto: Arquivo/ABr)

São Paulo – Freado pelo aumento da mecanização no campo e da fiscalização ambiental, o número de ocorrências de trabalho escravo no meio rural reduziu entre 2011 e 2012, passando de 230 para 170. Os dados são do relatório Conflitos no Campo no Brasil, divulgado na semana passada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Apesar da redução, o número de trabalhadores libertos se manteve estável, segundo o levantamento, passando de 2.077 para 2.095 no período analisado. Foram registradas ocorrências em 20 estados, com predomínio na Amazônia Legal, que disparou em 111 casos e 1.237 libertos. 

A queda no número de casos foi motivada pela substituição de mão de obra por máquinas e pela maior fiscalização ambiental do Ibama, segundo o coordenador da campanha de trabalho escravo da Pastoral da Terra, Xavier Plassat. “A divulgação dos casos também ajudou, principalmente pelo risco de o empregador entrar na lista suja do trabalho escravo, que causa uma exposição grande.”

O deputado Claudio Puty (PT-PA), presidente da CPI do Trabalho Escravo – que terminou em março sem aprovar um relatório final – acredita que o aquecimento do mercado de trabalho também interferiu. “O trabalhador tem mais condições de barganhar. Outra coisa foi o aumento da fiscalização, que está mais eficiente.”

Fiscalização

Só no Pará, que lidera o ranking, foram registradas 49 ocorrências, com 540 trabalhadores libertos. Na sequência vem o Tocantins, com 321 libertos, e o Paraná, com 225. De acordo com a Pastoral da Terra, chama a atenção o fato de todos os estados do Sul e do Sudeste terem registrado ocorrências.

Para o auditor do Ministério do Trabalho, Alexandre Lira, responsável por autuar casos de trabalho escravo, as ocorrências no Sul e Sudeste explicam-se pelo fato de que “no último ano, a fiscalização chegou a lugares onde ainda não tinha chegado. Além disso, temos hoje auditores mais bem treinados”. Ele, no entanto, discorda que os casos tenham reduzido. Isso porque o MTE vai lançar, nesta semana, seus números oficiais, que apontam um crescimento.

O deputado Claudio Puty descarta que a haja interferência da CPI e da PEC do Trabalho Escravo na queda de ocorrências apontada pela Pastoral da Terra. “Eu poderia dar uma resposta conveniente e dizer que a CPI surtiu efeito e por isso o trabalho escravo reduziu. Mas eu não acredito nisso. A queda é resultado de um esforço de longo prazo do Estado brasileiro para combater esses crimes, aumentando o monitoramento e fortalecendo os grupos móveis de fiscalização”, avalia o deputado Puty. 

Plassat, da Pastoral da Terra, concorda.“O risco de perder a terra ou de punição penal não teve influência. Nada foi aprovado ainda. Levamos oito anos para subir só um degrau e encaminhar a PEC do Trabalho Escravo para o Senado.”

Baseada no Código Penal, a Pastoral da Terra entende como trabalho escravo a sujeição de pessoas a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, em condições degradantes, ou quando há restrição da locomoção dos trabalhadores, por conta de dívida contraída, vigilância ostensiva, ou quando o empregador se apodera de documentos e objetos pessoais do trabalhador.

Na época do encerramento da CPI, que teve início em fevereiro de 2012, o deputado afirmou que a opção por não aprovar um relatório final se deu para impedir que integrantes da banca ruralista – da qual faziam parte 20 dos 28 integrantes da CPI – aprovassem um documento para enfraquecer a fiscalização e a punição dos casos.

A comissão, no entanto, impulsionou a PEC do Trabalho Escravo, segundo Puty. Hoje chamada de 57A, ela foi aprovada pela Câmara em maio de 2012, depois de oito anos parada. Apesar da compromisso do governo de não retroceder na legislação contra o trabalho escravo, não há previsão de quando ocorrerá a votação no Senado. A expectativa da Pastoral da Terra é que haja forte pressão da bancada ruralista para enfraquecer o texto.

Lira, do Ministério do Trabalho, lembra que a CPI e a PEC ajudaram a tornar o assunto público. “Toda vez que essa questão é trazida para a sociedade se torna mais claro quais as consequências para os empregadores.”

Para Plassat, a maior divulgação ajuda também os trabalhadores a se precaverem. “Porém, os empregadores também ficam mais espertos. Quem faz uso desse tipo de trabalho tem firmado contratos de tempo curto. Assim, quando o trabalhador começa a perceber que há algo errado e que deve denunciar, ele vai embora e outros chegam.”

No meio urbano

Na contramão do campo, as ocorrências de trabalho escravo nas chamadas atividades não agrícolas aumentou de 17 acasos em 2011 para 20 em 2012, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra. O número de trabalhadores resgatados quase dobrou, passando de 391 para 775, segundo o relatório.

De acordo com Plassat, o aumento das ocorrências não significa que o número de casos esteja aumentando. “A fiscalização do Ministério do Trabalho e a divulgação dos resultados tem sido mais intensa e, por isso, as ocorrências aparecem mais. Hoje não é mais novidade que existam imigrantes bolivianos trabalhando como escravos em confecções, como era há três anos”, conta. De acordo com o especialista, o maior número de ocorrências de trabalho escravo em atividades não agrícolas está na construção civil e nas confecções de roupas.

Para o deputado Puty, seria necessária a aprovação de uma legislação mais rigorosa para punir os envolvidos. “Ainda há empresas que, para reduzir custos, utilizam esse tipo de mão de obra. O mercado têxtil, por exemplo, é concentrado em poucos compradores e é sobre eles que a fiscalização deve cair. Os compradores devem ser mais punidos, pelo Código Penal e também pela CLT.”

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