STF julga ação de ruralistas contra ‘lista suja’ do trabalho escravo

Confederação presidida pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO) entende que instrumento criado em 2004 dá ao Ministério do Trabalho a condição de julgar os empregadores

A AGU lamentou que os representantes do agronegócio tentem apresentar a decisão ministerial como um instrumento fiscalizatório (Foto:Nelson Jr./STF)

São Paulo – Está na pauta de amanhã (15) do Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade que tenta dar fim ao Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego, mais conhecido como “lista suja” do trabalho escravo.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), presidida pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO), pede que o STF proíba a divulgação dos nomes dos empresários flagrados mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão. A entidade representativa do agronegócio debruça o argumento sobre a Portaria 540, editada em 2004 pelo ministério para promover a criação da relação, atualizada a cada seis meses. “A pretexto de exercer atribuição constitucional, o sr. Ministro de Estado do Trabalho e Emprego atribui-se poder discricionário para julgar, imotivada e irrecorrivelmente, os empresários nacionais”, defende a CNA, que entende que é inconstitucional uma portaria disciplinar a fiscalização do trabalho. 

Na resposta apresentada ao STF, a Advocacia Geral da União (AGU) lamentou que os representantes do agronegócio tentem apresentar a decisão ministerial como um instrumento fiscalizatório. O órgão de representação do governo federal lembra que o texto editado em 2004 simplesmente cria o mecanismo que dá divulgação aos empresários flagrados, e não altera em nada as atribuições do Ministério do Trabalho e as leis relativas ao combate à escravidão moderna. 

“A Portaria 540, de 2004, não estabelece punição para os empregadores responsáveis por reduzir trabalhadores a condição análoga à de escravo”, diz a AGU, que indica ainda ser equivocado o argumento utilizado pela confederação para dizer que o ministro ganha poder de julgamento com a lista. “Os tratados, resoluções e convenções internacionais, bem como as leis ordinárias e os decretos mencionados, oferecem fundamento jurídico para a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego.”

A organização Conectas, que participa do julgamento da ação na condição de “amiga da Corte”, manifestou em sua argumentação que não é possível se colocar contra um instrumento que visa a combater uma situação “perversa” e que atende aos princípios mais básicos da dignidade humana. “É importante que a política de erradicação do trabalho escravo utilize medidas diversas além da fiscalização e a repressão da prática. A lista suja é uma ferramenta fundamental porque além de dar publicidade para os nomes dos empregadores, impede que aqueles que se utilizaram de mão de obra escrava obtenham crédito perante instâncias públicas de financiamento”, disse Juana Kweitel, diretora de programas da entidade, em um comunicado.

A inclusão na “lista suja” é fruto de operações do Ministério do Trabalho em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho. O nome do empresário figura na relação por dois anos, e a retirada, salvo liminar judicial, ocorre após a comprovação de que a situação foi revertida. Neste período, o empregador flagrado cometendo crime sofre restrição de crédito, uma forma punitiva encontrada pelo governo em parceria com organizações sociais para aumentar o caráter punitivo da questão. 

A ação, apresentada no ano de edição da portaria, vem a julgamento no momento em que o governo federal prepara uma ofensiva contra o trabalho escravo. A presidenta Dilma Rousseff quer que a Câmara aprove até maio a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, de 2011, que prevê a destinação imediata para reforma agrária das terras nas quais sejam flagrados trabalhadores em condições análogas à escravidão. Ao mesmo tempo, foi aberta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a ocorrência do crime no Brasil e encontrar novos instrumentos para combater o problema.

A bancada de representantes do agronegócio, de 158 deputados em um total de 513, queixa-se que a fiscalização atual depende de parâmetros subjetivos estabelecidos pelos fiscais do trabalho, o que abriria espaço para exageros e, por consequência, ao confisco indevido das terras. Para a AGU, não resta dúvida sobre aquilo de que se serve o trabalho escravo moderno: “A redução do empregado a condições análogas às de escravo verifica-se quando alguém é submetido a trabalhos forçados ou vê-se compelido a desenvolver as suas atividades em circunstâncias degradantes”.