Relação de trabalho precária reforça ganhos bilionários de empresa de tabaco

Exclusividade na venda, endividamento e exigências além da condição financeira são traços de uma cadeia produtiva que, na ponta do lápis, não compensa param quem põe a mão na massa

Evaldo Gross não quer que o filho o suceda na produção de fumo. Embora não culpe as empresas, ele admite que não saber o quanto se vai receber pelo produto é um processo desgastante (Foto: Gerardo Lazzari. Rede Brasil Atual)

Palmeira e São João do Triunfo (PR) – Liberdade é direito sagrado para quem nasceu e cresceu na zona rural. Programar o próprio horário, acelerar em um dia para descansar no outro, conversar com os vizinhos e ir à cidade vez ou outra são aspectos importantes da vida no campo. Quem assina um contrato de compra e venda com uma empresa de tabaco não tarda a perceber que perdeu parte dessa independência.

Mesmo sendo dono da terra, o agricultor só pode sementes fornecidas pela fumageira, que estabelece também qual agrotóxico deve ser aplicado e em que quantidade. A corporação se sente à vontade para sugerir melhorias na propriedade, em geral com a compra de equipamentos, que resultam em novas dívidas. Recusar a sugestão, dizem os agricultores, pode significar represálias.

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Quando assina um contrato, o fumicultor autoriza a empresa a captar financiamento em nome dele. Algumas das linhas tradicionais de fomento não estão disponíveis à cadeia do fumo, que não é considerado produto agrícola. O agricultor paga, então, os juros do crédito e os cobrados pela fumageira.

Ao fim de um ano inteiro de trabalho, pode vender o produto exclusivamente para a empresa com a qual firmou vínculo. A terra dele, entende o Ministério Público do Trabalho, não é mais dele. “As empresas fumageiras, na condição de reais empregadoras que são, além do dever de observar todos os direitos consectários decorrentes da relação empregatícia, deverão fornecer aos fumicultores todos os serviços, utilidades, equipamentos previstos”, assinala uma ação de 2007.

Em suma, o contrato de compra e venda não estabelece uma relação entre comprador e vendedor, mas entre patrão e funcionário. Uma situação que se vê agravada pela enorme diferença de escala econômica entre as partes – o MPT acredita que os agricultores são usados para aumentar a margem de lucro de um setor bilionário.

Dados do Ministério do Desenvolvimento mostram que a exportação de fumo rendeu US$ 2,9 bilhões ao Brasil, ou US$ 4.500 por quilo enviado majoritariamente à Europa e aos Estados Unidos. O fumicultor recebeu em média R$ 7,50 por quilo em 2009, ano considerado acima da curva. O Anuário Brasileiro do Fumo indica que a União tem margem de lucro de 75,95% graças à cobrança de impostos, que é baixa na comparação com alguns países europeus. Na sequência vêm a indústria, com 9,5%, ou R$ 1 bilhão, e o comércio varejista, com 8,41%. Por último ficam os produtores, com margem de 6,14% e tendo de dividir entre si R$ 680 milhões. Um quilo de fumo rende 62 maços, que são vendidos a preços variados. 

No papel, ainda sobraria alguma renda para as 220 mil famílias envolvidas na fumicultura. Na ponta do lápis, a realidade é outra. O Sindicato dos Produtores Rurais de Palmeiras, uma das cidades produtoras de tabaco no Paraná, colocou no papel ônus e bônus, e constatou que a renda, uma das principais armas das empresas para angariar a força de trabalho de novos agricultores, não é tão boa quanto parece. 

O fumicultor é remunerado apenas uma vez ao ano, na ocasião da venda da produção. O montante é definido caso a caso e ano a ano pelas próprias empresas. “Você tem que colocar dinheiro numa coisa que não sabe se vai dar retorno. Não é que nem soja, feijão, que você sabe qual vai ser o preço”, resume o produtor Evaldo Gross, de Palmeira, sobre um problema que será abordado na próxima reportagem da série.

Nem em condições ideais

Levando em conta condições ideais, de 40 mil pés por hectares, com produtividade média de 180 gramas por pé, chega-se a um total de 4.200 quilos. Mesmo nesse cenário – perfeito – a conta é difícil de fechar. O sindicato levou em conta os investimentos realizados e a durabilidade dos equipamentos. Insumos, instalações como estufa e paiol, lenha, energia elétrica, combustível, animais de tração e o custo do tempo de produtor levam a um preço de R$ 4,95 por quilo. 

A remuneração média paga pelas empresas este ano está em R$ 4,96, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), que é vista como uma entidade amiga das empresas. A Afubra pondera que se trata de uma variação conjuntural provocada pelo aumento do plantio na África, pelo dólar desvalorizado e pelo excesso de produção no Brasil. “Somos obrigados na próxima safra a reduzir a área em 20%. Este ano está realmente complicado”, admite Benício Albano Werner, presidente da associação.

Segundo os cálculos do sindicato, não há ano fácil. O lucro máximo a que um produtor poderia chegar fica em R$ 1.080 ao ano. Dividido ao longo de doze meses e por três ou quatro pessoas que integram cada família, sobra pouca coisa. Descontado o custo do trabalho, resta menos ainda: R$ 1,77 ao dia. 

“Plantar e produzir a gente é acostumado, sabe fazer, mas o que não deixa sossegado é a parte da comercialização. Não bastasse o risco da produção, de chuva de menos, chuva demais. Depois de todo o processo, você ainda é desvalorizado. Vive com uma incerteza”, queixa-se Anderson Sviech, um jovem produtor de fumo orgânico e o responsável pelos cálculos feitos pelo sindicato.

Quando não consegue quitar os débitos ao fim de uma safra, pelo contrato assumido com a empresa, o produtor terá de dar parte de sua próxima colheita para cobrir essa pendência – ou correr o risco de ver sua terra hipotecada. 

Isso após um árduo ano de trabalho. Nos meses de junho e julho começa-se a semeadura em bandejas, fase em que já há aplicação de agrotóxico. Em setembro e outubro é feito o transplante para o campo. A colheita se dá 90 dias depois, em pleno verão, uma etapa que pode se estender até março. É o momento mais exaustivo: durante o dia, o fumicultor fica no campo colhendo as folhas. Durante a noite, precisa levantar de hora em hora para controlar a temperatura da estufa. Cada secagem do fumo Virgínia, o mais comum no Brasil, leva de oito a dez dias, e um vacilo pode colocar a perder parte da produção.

A renda muito baixa inviabiliza a contratação de mão de obra. O resultado é que filhas e filhos acabam ajudando na lavoura. Em estudo conduzido em 2008 pelo Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser), 10,5% dos produtores confessaram que meninas e meninos com menos de 12 anos trabalhavam no campo. “Não é que o fumicultor queira empregar seu filho nessa atividade, é que as exigências da empresa e a baixa rentabilidade levam a fazer isso porque não tem possibilidade de contratar um trabalhador. E se descumprirem têm de pagar uma multa altíssima”, assinala Margaret Ramos de Carvalho, procuradora do Trabalho no Paraná. 

Evaldo, de Palmeira, já tomou a decisão de parar dentro de cinco anos. E não quer quer o filho o suceda na fumicultura. “Se for se lascar, a gente prefere a gente se lascar, mas não quer que o filho sofra”, resume o produtor, que tem começado a diversificar sua produção para se ver livre de um outro problema.

Com tempo escasso, agricultor se vê forçado a deixar de lado o plantio de alimentos, o que apaga um traço cultural da vida no campo e submete essas famílias aos mesmos efeitos a que estão expostos todos os que consumem produtos industrializados. “A qualidade de vida piorou, o custo de vida ficou altíssimo. As fumageiras fizeram de tudo para ter um monopólio”, constata Vilmar Sergiki, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeiras. Uma famíla de fumicultores gasta muito mais no supermercado que um vizinho que produza alimentos, que depende apenas de sal e açúcar. 

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