Empresa estabelece valor do fumo e restringe opções de produtor insatisfeito

Classificação da produção, feita em 60 segundos, define o resultado de um ano inteiro de trabalho, que muitas vezes termina com endividamento e danos à saúde de quem trabalha

Como fumo não se serve à mesa e empresas uniformizam conduta, Anderson é obrigado a aceitar o preço imposto (Foto: © Gerardo Lazzari. Rede Brasil Atual)

São João do Triunfo (PR) – O contrato assinado pelos produtores de fumo prevê que a empresa compradora defina quanto vale o tabaco oferecido. Um ano inteiro de suor e saúde se define em 60 segundos. 

Os fardos de 60 quilos rolam por uma esteira na sede da fumageira. De cada fardo apresentado se retira uma manoca, também conhecida como “boneca”, que nada mais é que um punhado de folhas amarradas. A partir dessa amostra o classificador define o valor que pagará pela produção de um fumicultor. Grita quanto vale, e quem não se der por satisfeito pode reclamar à própria empresa, ou queixar-se ao bispo.

“Fiquei nervoso na hora. Deveria trazer a produção de volta e não vender. Mas a gente tem conta a pagar. Se não vender, fica ainda pior”, diz Anderson Sviech, fumicultor de Palmeira, a 80 quilômetros de Curitiba. Aos 29 anos, dono de três alqueires de terra e produtor de fumo orgânico, ele chegou a se queixar do valor oferecido pela empresa na hora da classificação. “Não pedi nada além do que valia.” Para a fumageira, foi um abuso. Dali por diante, quem ameaçava abrir a boca estava sofrendo da “doença do Anderson”, e passava a sofrer constrangimentos.

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O pagamento é feito por uma tabela de classificação que leva em conta a qualidade e o tipo do tabaco. Na teoria, melhor a procedência, melhor a remuneração. Na tentativa de disciplinar abusos por parte das empresas, o Ministério da Agricultura editou em 2007 uma instrução normativa que tenta estabelecer parâmetros objetivos para a classificação do fumo. As folhas são avaliadas por classe, subclasse, grupo, subgrupo, tipo, subtipo, mistura, resíduos e umidade. O resultado são 41 classificações possíveis para uma mesma folha de fumo, o que abre espaço a uma interpretação subjetiva. Ainda que se faça uma distinção entre as folhas do topo do pé, da parte intermediária e da parte inferior, restam muitas alternativas possíveis ao classificador.

Quanto ao tipo, por exemplo, há três divisões possíveis. A diferença entre as duas primeiras está nos olhos de quem vê:

4.5.1.1 TIPO “1” – Constituído de folhas maduras, com boa granulosidade e elasticidade, com textura de acordo com sua posição na planta e cor de forte intensidade.

4.5.1.2 TIPO “2” – Constituído de folhas maduras, de granulosidade e elasticidade moderada, com textura de acordo com sua posição na planta e cor de intensidade moderada.

Num ano como 2011, em que sobra produção por aqui e no mundo, a empresa força a mão para baixo. A tabela foi reajustada no início da colheita, mas basta uma classificação mais baixa ao fumo e a correção se torna inócua. A remuneração média está em R$ 4,96 o quilo, o que não é suficiente para cobrir os custos, e há pagamentos bem abaixo disso, o que tem significado um prejuízo de R$ 2 a R$ 3 por quilo. 

Vários produtores estão sendo descredenciados, em até 30% do total em algumas cidades, o que significa que no próximo ano terão de encontrar outra alternativa para sobreviver. “A gente sabe que eles já tiraram o lucro que queriam daqui. Vão investir agora em outros lugares, estão abrindo áreas na Índia, na África e no Paraguai”, adverte Nelson Dias da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João do Triunfo, cidade que integra a região de Irati, principal produtora de fumo no Paraná em área ocupada, com mais de 18 mil hectares.

Muy amiga

A Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) confirma que os dados enviados pelos africanos indicam que a produção no Zimbábue e na Tanzânia mais que triplicou. Com mais oferta e menor demanda, resultado de programas governamentais de combate ao tabagismo, os preços caem.

A Afubra, entidade vista como alinhada às fumageiras, considera que o problema está com os produtores, que cultivaram muito fumo, e não na classificação. Apesar de admitir haver abusos nesse processo, a instituição garante que o agricultor tem direito a reclamar do preço oferecido. “Como temos regiões em que as próprias empresas de classificação não têm condições de acompanhamento o dia todo e todos os dias, certamente entre um e outro acontecem essas questões de rigidez na classificação”, pondera Benício Albano Werner, presidente da associação.

Evaldo Gross, produtor de Palmeira, desistiu de acompanhar o processo de classificação do fumo por conta do nervosismo de apostar um ano todo de produção num lapso minúsculo de tempo. Agora, a “gastura” se dá em outro momento. “Um estresse que dá é quando abre a nota fiscal. Mês passado pagaram tão mal, mas tão mal. A gente conhece a qualidade, sabe que produziu um fumo bom.”

Não tem jeito. O contrato de compra e venda estabelece que negociar o fumo é exclusividade da empresa com a qual se firmou o vínculo. Quem ainda assim decidir enfrentar o risco de retirar o produto do local de negociação não terá muitas opções. As compradoras são poucas e os preços, parecidos. 

“Da próxima vez, se não pagarem o justo pelo meu produto, não vendo. Se não vou ganhar, eles também não vão. Volto para casa com o produto”, promete Anderson. O problema é que as folhas de tabaco não poderão ser cozidas, refogadas ou fervidas, não servirão de alimento a sua família nem a seus animais. 

Quem planta feijão, milho ou soja já tem uma projeção de quanto valerá sua produção ao fim da safra. Fatores climáticos e pragas podem influenciar o valor, mas a margem de segurança é maior. Além disso, o excedente pode ser trocado com os vizinhos ou consumido pela família. Por isso, para muitos agricultores a saída da fumicultura é uma questão de oportunidade. E as portas que se abrem, como se verá na quinta e última reportagem desta série, não são para todos.

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