Para presidente de CPI, escravocratas têm assento no Congresso

Erradicação da condições de trabalho análogas à escravidão encontra resistência dentro do Legislativo, ocupada em parte por maus empregadores (Foto: reprodução/Sul 21) São Paulo – O presidente da Comissão Parlamentar […]

Erradicação da condições de trabalho análogas à escravidão encontra resistência dentro do Legislativo, ocupada em parte por maus empregadores (Foto: reprodução/Sul 21)

São Paulo – O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo na Câmara, Cláudio Puty (PT-PA), considera que o discurso da bancada de representantes do agronegócio no Congresso os transforma em “escravocratas modernos”. 

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Puty lamentou os argumentos utilizados para barrar a votação da Proposta de Emenda à Constituição 438, de 2001, a chamada PEC do Trabalho Escravo, que aguarda há oito anos pela apreciação em segundo turno. Esta semana, os ruralistas impediram a votação, mesmo com apoio do governo Dilma Rousseff, com o argumento de que a lei brasileira não deixa claro de que se trata o trabalho escravo.

Se aprovada, a PEC permitirá expropriar para fins de reforma agrária a terra na qual seja flagrada escravidão. Após a tentativa frustrada desta semana, o Planalto tem expectativa de promover nova votação no dia 22. Mas os representantes do agronegócio avisam que querem uma definição sobre o conceito de trabalho escravo. 

Puty lembra que a definição já existe: é o artigo 149 do Código Penal. Para ele, um próximo passo no combate ao trabalho escravo no Brasil é a aplicação efetiva da lei. A maior parte dos juízes converte a pena de dois a oito anos de prisão no pagamento de multa ou na prestação de serviços à comunidade. 

Confira a seguir trechos da entrevista.

Quem perde com a aprovação desta PEC?

São dezenas de proprietários rurais e algumas empresas urbanas, sejam elas da construção civil ou do setor têxtil, que têm recorrido historicamente ao uso de trabalho forçado, ou escravidão por dívida, ou trabalho degradante a custa da ignorância e da enganação pura e simples dos trabalhadores mais pobres em diversos lugares do Brasil, mas também recentemente em São Paulo. Essas pessoas têm representação aqui no Congresso e o discurso dos escravocratas modernos é sempre de que o trabalho escravo não existe, de que não há uma definição clara na lei sobre o que é o trabalho escravo e de que o problema seria na realidade o excesso de fiscalização que criminalizaria os proprietários. 

Como opera atualmente a escravidão no Brasil?

A fiscalização do Ministério do Trabalho funciona de acordo com a lei. A lei diz que o trabalho escravo ou análogo ao escravo é caracterizado pela escravidão por dívida, no qual o trabalhador é arregimentado por um “gato”, ou o “coiote”, e a pessoa, ao chegar na fazenda, descobre que tem uma divida e que tem de pagar os custos do transporte, do alojamento e da alimentação. Só que ele nunca consegue pagar essa divida, pois sempre coloca na conta mais gastos com alimentação. 

Em segundo lugar, a  jornada exaustiva, na qual o excesso de trabalho leva as pessoas à morte. Em terceiro lugar, as condições degradantes, aí envolve tomar água com animais, não ter tratamento médico, alimentos estragados, dormir em barracões sujeitos ao relento e sem condições. Essas três características básicas fazem com que nós chamamos algo de trabalho escravo. 

O senhor preside uma CPI que está investigando a prática do trabalho escravo. O que o senhor conseguiu apurar até agora?

A nossa CPI só tem um mês, nós estamos na primeira fase. Nós decidimos no plenário da CPI resgatar um debate sobre o trabalho escravo no Brasil, resgatando as histórias, as experiências internacionais, a legislação internacional e a legislação brasileira e, portanto, nós ainda não convocamos réus nem vitimas. 

O que que deu para apurar é que existe uma legislação brasileira, um conceito estabelecido, que o Brasil é um exemplo internacional nas iniciativas de combate ao trabalho escravo. E uma  última coisa, existe uma intensa controvérsia aqui na Câmara com a bancada ruralista.

O que o senhor considera fundamental para que, aprovando a lei, ela seja validada?

Aprovando a PEC, o próximo passo é nós chegarmos a uma mais clara interpretação por parte da Justiça desse artigo 149 do Código Penal. A Justiça federal tem seguidas vezes dado uma interpretação diferente da interpretação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho e da Justiça trabalhista acerca do trabalho escravo. Em termos práticos, o fiscal vai lá, autua, o Ministério Público denuncia, mas a juiz não dá seguimento ao processo ou dá ganho de causa ao proprietário. Então, com a PEC aprovada, o problema se transfere para o judiciário.

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