Divisão interna nos sindicatos e rigor do governo barraram acordo nos Correios

Trabalhadores e empresas fazem nesta sexta uma última tentativa de acordo antes do julgamento pelo TST

Na terça-feira, o acordo esteve muitas vezes próximo, mas a proposta foi derrubada nas assembleias (Foto: Elza Fiúza/ Agência Brasil)

São Paulo – Trabalhadores e Correios voltam a se encontrar nesta sexta-feira (7), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Será a última tentativa de alcançar um acordo antes e evitar o julgamento do dissídio coletivo. Na primeira audiência de conciliação, realizada na terça (4), esse acordo esteve muitas vezes próximo. A reunião foi interrompida quatro vezes para que a empresa consultasse a direção e o próprio governo, e os sindicalistas falassem com os companheiros nas bases. As quatro horas de reunião, das 13h às 17h, em uma pequena e lotada sala, reservaram momentos tensos, algumas risadas, ironias, irritação e, por fim, uma tentativa de acordo que acabou derrubada nas assembleias. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) mostrou margem estreita de manobra, e o comando da greve, liderado pela Fentect, a federação nacional da categoria, mostrou divisão.

“A greve é um direito constitucional, que todos temos o dever de respeitar”, disse logo na abertura da reunião a vice-presidente do TST, Maria Cristina Peduzzi. À direita dela, estavam os representantes da ECT, tendo à frente o vice-presidente de Recursos Humanos, Larry Manoel Medeiros de Almeida, e o vice jurídico, Jefferson Carus Guedes. À esquerda, o secretário-geral da Fentect, José Rivaldo da Silva, integrantes do comando e advogados. A ministra adiantou que, se não houvesse acordo direto entre as partes, ela faria uma proposta conciliatória. Mais adiante, ela lembraria que o tribunal não concede aumento real (acima da inflação) de salários.

Dois complicadores ficaram evidentes logo no início. Do lado da ECT, seus representantes deixaram claro que havia um limite imposto pelo Ministério do Planejamento. Do lado sindical, os sete integrantes do comando eram ligados a diferentes grupos políticos: três da Central Única dos Trabalhadores (CUT) – sendo dois da Articulação e um da Articulação da Esquerda –, dois da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), um do Conlutas e um do Movimento Resistência e Luta (MRL). No final, os dois últimos rejeitariam a proposta de acordo fechada na audiência de conciliação.

“A nossa vontade é para o acordo, o que a gestão pode, o que a federação pode”, garantia Larry Almeida, destacando as 21 “reuniões formais” realizadas desde meados de julho. Segundo ele, a empresa, com seus 110 mil trabalhadores, tem folha de pagamento de R$ 6 bilhões (as despesas com pessoal somaram R$ 5,4 bilhões em 2010, segundo o Planejamento) e a primeira proposta representaria um impacto de R$ 500 milhões. Posteriormente, nova proposta elevou esse impacto para R$ 780 milhões. Os números, lembrou o executivo, sempre foram apresentados “em conjunto com a ministra do Planejamento (Miriam Belchior)”.

Orçamento

A ECT é vinculada ao Ministério das Comunicações, mas sofre impacto da atuação do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), do Ministério do Planajento. O órgão é responsável pela elaboração do programa de dispêndios globais (PDGs) e do orçamento de investimentos (OI) “das empresas em que a União detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social”.

Segundo o Dest, os Correios, como boa parte das estatais, puxou o freio em 2010 em relação aos investimentos. Dos R$ 500 milhões previstos, foram realizados R$ 114 milhões, 22,8% do total. O número fica abaixo da média geral (44,1% de mais de R$ 108 bilhões).

“Nunca nos furtamos a sair dessa mesa de negociação”, disse Rivaldo. “Mas não tivemos reconhecimento desse esforço junto ao governo.” Ele reclamou que os trabalhadores têm sobrecarga de serviço, após dois anos sem contratações. “A empresa, a duras penas, realizou agora um concurso público, mas ainda não começou a contratação”, afirmou o sindicalista. Posteriormente, a ECT diria que já iniciou o processo de contratações de concursados, a princípio com 3 mil pessoas.

Passada a fase das declarações, a ministra perguntou se existia alguma proposta concreta de acordo. O vice jurídico dos Correios apresentou imediatamente a condição de que os dias parados (21, até então) fossem descontados, ainda que em parcelas. Haveria ainda uma condição determinada pelo Planejamento, de aceitação pela bancada sindical de qualquer proposta na mesa. “Superamos nosso limite econômico-financeiro”, disse Larry. A ECT informou que já haviam sido descontados seis dias.

Rivaldo criticou a postura da empresa de não negociar durante a greve, lembrando que os Correios só procuraram a Fentect dez dias depois de iniciada a paralisação. E acrescentou que as propostas econômicas da companhia não traziam avanço. “Com 800 milhões a gente tem condições de fazer um bom acordo coletivo.” E reiterava uma condição considerada essencial para qualquer acordo: “Os trabalhadores querem ganho real agora, retroativo a 1º de agosto (data-base). Representamos 110 mil trabalhadores e queremos fazer um acordo que contemple todos eles. A ECT tem o menor piso das estatais (R$ 807). Desculpe a expressão, mas quem está segurando a peteca são os trabalhadores.” O sindicalista acrescentou que outro item importante estava ligado aos dias parados: eles aceitavam no máximo um esquema de compensação, sem desconto.

Compensação

 Diante de novo impasse, a juíza Maria Cristina Peduzzi disse que apresentaria proposta que considerava vantajosa para ambas as partes: reajuste de 6,87% na data-base, aumento linear de R$ 80 em janeiro e abono de R$ 500 a serem pagos imediatamente, em folha suplementar. “Faço um apelo à empresa no sentido de compreender que um esquema de compensação poderia atender a uma demanda reprimida”, afirmou. Em seguida, propôs que, dos seis dias já descontados, cinco fossem devolvidos imediatamente, também em folha suplementar, para serem descontados posteriormente, à razão de um por mês. Os outros 15 seriam compensados aos sábados e domingos. “Entendo que o índice que a empresa propôs é satisfatório”, afirmou a ministra, estendendo a proposta a outros benefícios, como vale refeição (R$ 25).

Primeiro dos quatro intervalos. Seriam 15 minutos, foram quase 30.

“Acredito que para as assembleias aceitarem, a proposta teria de ter ganho real agora”, insistiu Rivaldo. “Essa proposta (conforme dito pela juíza) já foi rejeitada pelos trabalhadores. Na conciliação, era importante que a ECT se permitisse flexibilizar. Pode ser que a política do governo não permita ganho real, mas a ECT tem condições (de melhorar a proposta)”, afirmou.

“Estamos no limite do que foi autorizado pelo Ministério do Planejamento”, reforçou Larry.

“O que está pegando para nós é o ganho real ser em janeiro”, disse Rivaldo.

A juíza lembrou novamente que o tribunal não fixa aumentos reais de salário. Fez nova sugestão: e se a ECT pagasse os R$ 80 em outubro em vez de janeiro?

Os representantes dos Correios conversaram e depois informaram que talvez fosse possível um parcelamento, pagando R$ 50 em outubro e R$ 30 em janeiro.

Intervalo, mais telefonemas, um dos quais para o presidente da ECT, Wagner Pinheiro. Na volta, a proposta: R$ 40 em outubro e R$ 40 em  janeiro. O abono de R$ 500 fica de fora. Um sindicalista intervém, Larry reclama: “Como se diz no jornalismo não pode ter nariz de cera”. A juíza tenta conciliar: não pode ser R$ 40, R$ 40 e abono? Os Correios dizem que não, porque a nova proposta já teria impacto de R$ 850 milhões.

Outro sindicalista sugere: por que não compensar todos os 21 dias em vez de só 15? A ministra parece simpática à proposta, mas os Correios batem pé nos seis dias já descontados. Já recuamos no ganho real, alegam. “Realmente, é uma pena não compor por tão pouco”, lamenta a juíza.

Terceiro intervalo. Ao voltar, a ECT disse que a manutenção do desconto de seis dias obedece a um “nível hierárquico superior”. Mantém a proposta de R$ 40 mais R$ 40. Rivaldo não gosta: só se os R$ 80 forem de imediato. “Abrimos mão do abono. Queremos compensar”, diz. Muitas conversas paralelas, e o TST faz novo intervalo.

Na última parte da reunião, os Correios aceitam pagar os R$ 80 em outubro. “Se descontar três dias e não seis, nós topamos”, reagem os sindicalistas. Um executivo se irrita e fala em respeito à população.

“Hoje tem diretor entregando carta na rua e as horas extras deles são altíssimas”, diz um integrante do comando.

“Todos os diretores estão trabalhando em serviço voluntário”, responde o vice jurídico, arrancando algumas risadas dos militantes que assistiam à audiência.

Vem outra proposta: devolver os seis dias agora e descontar em 12 vezes, a partir de janeiro. Começa a se esboçar uma proposta de acordo. Depois de tiradas algumas dúvidas, a proposta é redigida. A ministra observa que o acordo tem eficácia suspensiva, ou seja, depende da aceitação pelos trabalhadores em assembleia. Rivaldo ressalva que o acordo não tem consenso, mas pode ser aprovado pela maioria do comando. Dois rejeitam (Conlutas e MRL). Os trabalhadores querem ainda garantias de que não haverá represálias pela participação na greve.

Quando tudo parecia mais calmo, na leitura do acordo, a juíza falou que os R$ 80 seriam pagos em 1º de outubro de 2012, causando espanto geral, exclamações e alguns risos. Mas se corrigiu em segundos.

Centenas de trabalhadores aguardavam o resultado da audiência do lado de fora, diante do TST. Muitos ficaram frustrados, em uma possível sinalização de que a proposta não seria bem recebida nas assembleias. Às 20h, três horas depois de encerrada a reunião, ainda havia grupos discutindo os termos do acordo. Mas Rivaldo garantiu que as bases foram ouvidas antes. “Surpreendeu (a rejeição unânime nas assembleias), mas é a vida. Só o tempo vai dizer quem estava certo. Nós consultamos as pessoas antes de topar.”