Audiência sobre terceirização expõe divergências; TST vê ‘face perversa’

Técnicos e sindicalistas alertam para prejuízos aos trabalhadores, enquanto empresários falam que processo é irreversível

Brasília – No primeiro dia da audiência pública realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre terceirização, na terça-feira (4), os participantes demonstraram por que o tema é polêmico. As manifestações variaram desde a exaltação do processo, defendido pelos empresários, aos pedidos de fim da terceirização em qualquer atividade econômica. O presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, admitiu que há muitas posições “polarizadas” e disse ter simpatia por uma “terceirização moderada, limitada a casos pontuais”. Segundo ele, a terceirização tem uma “face perversa” que ofende uma noção básica de justiça social.

Foi, por sinal, a primeira audiência pública da história do tribunal, que tem mais de 5 mil processos sobre o tema. O juiz disse que a Corte quer ouvir as diversas opiniões da sociedade para refletir em torno de sua jurisprudência e também estimular o Congresso a votar um marco regulatório sobre o tema. Isso pode representar, segundo Dalazen, a superação da barreira de um antigo dito  latino segunhdo o qual “o que não está os autos não está no mundo”. “Em uma palavra: sobre terceirização, queremos trazermais mundo para os autos”, afirmou.

O mundo se manifestou de diversas formas. Para o professor da USP José Pastore, também consultor empresarial, sem a terceirização diversos negócios seriam inviabilizados. Para ele, a solução seria combinar lei (direitos básicos) e negociação (direitos complementares), estabelecendo proteções sociais por ramo de atividade. “Nesse campo não se pode pensar em isonomia”, afirmou, citando itens como salário, jornada de trabalho, participação nos lucros ou resultados (PLR) e benefícios.

O professor Ricardo Antunes, da Unicamp, considera as terceirizações “as portas de entrada da degradação no mercado de trabalho”. E rebateu quem considera irreversível o processo. “Na história não há questão inevitável”, disse Antunes, também contestando afirmação de Pastore. “Queremos uma sociedade isonômica.”

A questão a se discutir é sobre o modelo de desenvolvimento, acrescentou o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. Para ele, o preceito de que a liberdade de mercado regula as relações sociais e econômicas foi derrubado pela crise financeira internacional. “Que verdade era esse dos anos 1990 que foi desmentida pelos fatos?”, provocou, defendendo a necessidade de regulação e a presença do Estado nesse processo. “Somos um país extremamente desigual, e a desigualdade é um impeditivo para esse salto (de desenvolvimento). O economista também contestou a afirmação empresarial de que a terceirização abre postos de trabalho. “O que cria emprego numa economia se chama crescimento econômico.”

Sobre o tema, Clemente chamou a atenção para o que chama de “produtividade espúria”, causada pela “exacerbação da produção do trabalho”. Ao lembrar que “trabalho não é mercadoria”, ele avalia que as empresas de terceiros precisam ter sua atividade econômica bem definida, relacionada à prestação do serviço. “Precisa seguir as regras do setor para o qual presta serviço”, acrescentou.

Ex-secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Fernando Henrique Cardoso) e ex-presidente da Sabesp, Gesner Oliveira, representante do grupo Abradee de energia, sustentou que a terceirização é irreversível e fator decisivo na busca pela competividade mundial. “Ir contra a terceirização vai contra a evolução da organização do processo produtivo”, afirmou o executivo.

Em uma das intervenções mais contundentes, a professora Maria da Graça Druck de Faria, comparou a terceirização a uma epidemia sem controle. “Tornou-se um grande problema social”, alertou. Pesquisa da instituição feita no setor industrial baiano encontrou, segundo ela, empresas com 75% de trabalhadores terceirizados. A própria Petrobras tinha, segundo o Relatório de Sustentabilidade de 2009, citado por ela, 295.260 trabalhadores terceirizados e 76.919 contratados. Para a professora, existe no Brasil uma política de precarização por parte das empresas, “com transferência dos riscos para os trabalhadores”. As consequências, cita, são “salários mais baixos, desrespeito a normas de saúde e segurança, mais acidentes, maior jornada e desrespeito a direitos como férias e 13º, além de enfraquecimento dos sindicatos”. “Nem a terceirização nem a precarização são irreversíveis. À medida que ela foi construída por um grupo de homens, também pode desconstruída.”

A audiência pública termina nesta quarta (5), com debates sobre o processo de terceirização nos setores elétrico, de telecomunicações, nos serviços e na indústria.