Professores do Rio em greve aumentam pressão política contra Cabral

Mobilização dos bombeiros preparou terreno para greve dos docentes. Outras categorias de servidores podem engrossar coro de descontentamento

Acampamento e greve, dois anos após outra paralisação que terminou sem reajuste (Foto: Samuel Tosta/Divulgação Sepe)

Rio de Janeiro – A uma semana de completar dois meses de duração, a greve dos professores e funcionários da rede pública de educação no Rio de Janeiro parece não ter hora para acabar. Sem apresentar uma proposta concreta de reajuste salarial, o governo estadual viu a categoria decidir pela continuidade da paralisação na assembléia realizada na sexta-feira (15), apesar de ter se comprometido a enviar à Assembleia Legislativa (Alerj) um plano com as propostas para atender às reivindicações do movimento. Enquanto isso, cerca de 60 professores passaram o último fim de semana acampados em frente à Secretaria Estadual de Educação, no Centro do Rio.

Em rota de colisão com o governo estadual desde a parcialmente vitoriosa greve realizada em 2009, quando obteve conquistas como a inclusão dos professores de 40 horas no Plano de Carreira da categoria e a incorporação da gratificação do projeto Nova Escola aos salários, os servidores estaduais da educação vivem um momento de radicalização contra as políticas do governador Sérgio Cabral (PMDB).

“Quando assumiu o governo, Cabral se comprometeu a fazer uma série de mudanças”, lembra Cláudio Monteiro, coordenador-geral do Sindicato Estadual dos Professores de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ). “Essas promessas, no entanto, começaram a não ser cumpridas já no primeiro mandato”, critica.

Apesar das conquistas da greve de 2009, a categoria não conseguiu um reajuste salarial real. “Nos empurraram goela abaixo o parcelamento do Nova Escola até 2015. Mas, na visão do Sepe, uma coisa é a incorporação da gratificação e outra coisa é o reajuste salarial real. O governo dizia que não iria misturar as duas coisas, mas, na prática, foi isso que se deu”, conta Monteiro.

Agora, os professores prometem não recuar se não houver uma proposta concreta de reajuste. “Desde fevereiro entramos num processo de realização de assembleias e mobilização da categoria ao mesmo tempo em que cobrávamos do governo uma proposta de reajuste. Sempre tivemos no horizonte a incorporação das parcelas do Nova Escola de uma só vez, até mesmo porque em 2015 não será mais o governo Cabral. Quando entramos em greve, em junho, não havia sequer uma proposta de reajuste prevista pelo governo para 2011, além da incorporação da parcela anual do Nova Escola”, diz o sindicalista.

Baseado em estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) que apontam o achatamento salarial dos profissionais da educação e também o aumento da arrecadação do estado, o Sepe quer do governo do Rio um “aumento emergencial” de 26%. “O próprio governador, quando assumiu, reconheceu que a categoria tinha uma perda salarial acumulada de 60%. Só que, em seu primeiro mandato, ele deu 8% num ano e 4% no outro. No terceiro ano, aconteceu a greve que incorporou o Nova Escola”, lembra Monteiro, ressaltando a luta para descongelar o Plano de Carreira dos funcionários não-docentes da rede pública estadual.

Entre os compromissos assumidos durante as negociações com o Sepe na semana passada, o governo propôs antecipar aos professores a parcela anual do Nova Escola relativa a 2012 e, no caso dos funcionários, antecipar todas as parcelas previstas até 2015. “No entanto, o achatamento salarial do setor no Rio é tão grande que, mesmo com todas as parcelas sendo antecipadas, os vencimentos da maioria dos funcionários não chegarão ao valor equivalente a um salário mínimo nacional”, afirma Monteiro.

Categoria se cansou

Representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) no Rio de Janeiro, Marco Túlio Paolino analisa os motivos que levaram a uma maior radicalização do movimento dos professores após cinco anos de governo Cabral. “A categoria foi se cansando de ver o governador passar uma imagem de quem se preocupa e dá prioridade à educação, inclusive tomando uma série de medidas ligadas à questão tecnológica.”

Embora seja apresentado um discurso de valorização dos profissionais da educação, na prática, os novos recursos tecnológicos acabaram por ampliar o esforço dos profissionais. “Houve uma sobrecarga de trabalho durante o governo Cabral e também uma tomada de consciência por parte dos professores de que essa sobrecarga não vinha acompanhada da devida valorização profissional”, pondera.

Outro “ponto enganoso” da propaganda do governo estadual, segundo o representante da CNTE, é a valorização de uma suposta unidade de ação com o governo federal: “Existe, na verdade, uma disparidade muito grande entre o que é feito em nível federal e aquilo que está sendo implantado no Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, o governo federal vem tendo toda uma postura de valorização dos profissionais da educação quando aprova políticas como o piso salarial nacional, cria o Fundeb (Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e dobra o número de escolas técnicas federais no pais inteiro”, diz Paolino.

No Rio, segundo o sindicalista, acontece o contrário. “Nós temos uma insatisfação salarial muito grande por parte dos profissionais da educação e também não estamos vendo os recursos do Fundeb chegarem efetivamente à escola nem servir à valorização profissional. O governo Cabral está ameaçando fechar 22 escolas noturnas, indo na contramão do que o governo federal está fazendo”, diz Paolino. Ele lembra que, neste ano, serão inauguradas no Rio três novas unidades do tradicional colégio federal Pedro II.

Ascensão

Na avaliação da CNTE, após a marcante mobilização dos bombeiros por melhores condições de trabalho e salários, agora é a vez de os professores serem a locomotiva de um período de ascensão na luta dos servidores públicos estaduais do Rio de Janeiro. “Podemos entrar em um novo ciclo para tornar mais agudas as lutas dos servidores. Nós da educação estamos apostando nisso”, avalia Paolino.

Ele considera que a insatisfação dos funcionários públicos foi, em um primeiro momento, comandada pelos bombeiros e pela área de segurança em geral. Agora, seria a vez da educação. “Acredito que o próximo passo, e a expectativa é essa, será o setor de saúde entrar nesse movimento, fechando o tripé das grandes categorias do serviço público estadual”, diz Paolino.

Cláudio Monteiro concorda que a mobilização dos bombeiros preparou o terreno para uma greve mais forte dos professores. “Fatalmente, nós faríamos o movimento, mas, sem sombra de dúvida, a mobilização dos bombeiros nos deu um gás a mais para encarar essa luta”, afirma. “O que falta é chamar outros setores dos servidores do estado, como os policiais ou a Saúde, que, assim como os profissionais da educação, não ganharam reajuste durante este governo. Por isso o momento seria propício para mobilizar todo o funcionalismo estadual”, diz.

Por enquanto, a paralisação dos profissionais da educação no Rio continua, reforçada após a decisão da Justiça que considerou o movimento legal e determinou que o governo não pode descontar dos trabalhadores os dias parados. A próxima assembleia da categoria, que agora se encontra em recesso escolar, acontecerá somente em 3 de agosto.

Até lá, o acampamento dos professores e a vigília em frente a Secretaria de Educação promete se tornar um novo point da cidade. No domingo (17), foi realizada no local uma festa junina, com atividades para as crianças, atividades de arte e até mesmo a apresentação de um grupo de forró: “Estamos mantendo isso aqui como o quartel-general da greve”, resume Monteiro.

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