‘Banco Central não pode regulamentar relações de trabalho’, diz juiz

Grijalbo Coutinho indica inconstitucionalidade de decisões trabalhistas do BC e alerta que, com terceirização, os bancos podem funcionar como grandes marcas sem funcionários

São Paulo – “A Terceirização Bancária no Brasil – Direitos Humanos violados pelo Banco Central” é o título do livro do juiz do Trabalho da 10ª Região, Grijaldo Fernandes Coutinho, que será lançado em São Paulo no próximo dia 26. A obra aborda questões das formas de organização da produção capitalista em relação ao sistema de terceirização.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, Coutinho fala sobre o cenário atual da terceirização nos bancos e, consequentemente, das recentes resoluções do Banco Central a respeito da ampliação de serviços aos correspondentes bancários e a precarização do trabalho dos bancários informais.

RBA – Qual é o panorama da terceirização bancária no Brasil?

A terceirização de mão de obra tem tomado um movimento frenético no Brasil e no mundo inteiro. Há um disvirtuamento dos direitos clássicos do trabalhador do ponto de vista de cumprimento das obrigações sociais. Ela é, na minha análise, um desvio dos caminhos naturais do direito do trabalho porque surge a figura de um intermediário como se pudesse haver intermediação de mão de obra. Consequentemente, isso enfraquece os direitos do trabalho como foi concebido.

No Brasil, a terceirização é implantada em diversos segmentos, mas, em boa parte dos casos, não tem aparo legal. Os agentes econômicos acabam de algum modo impondo a terceirização nos mais diversos setores da economia, e têm legalmente autorização para serviços nas áreas de asseio, vigilância patrimonial e bancária, conservação.

No caso dos bancários especificamente, desde 1973 a tercerização vem sendo adotada e o problema é que vem por normas do Banco Central que, a meu ver, não encontram amparo na Constituição e na legislação ordinária. Eu poderia ter investigado outros segmentos, mas este me chamou atenção. 

RBA – Temos observado o crescimento da atuação dos correspondentes bancários, principalmente os locais em que já existe atendimento bancário. Qual sua avaliação?

Nestes quase 40 anos de terceirização via correspondente bancário, a justificativa política apresentada é da democratização e do acesso fácil das camadas mais pobres e distantes aos serviços financeiros. Na prática não é assim que se dá, sendo que tem correspondente ao lado da agência bancária e não vai só lá para o interior. Os dados existentes revelam que os correspondentes quase que triplicaram e as agências cresceram em torno de 5%. Na verdade, os bancos delegaram boa parte de suas atividades.

E, ainda que fosse um sistema de democratização do crédito, isto não daria ao Banco Central o poder de regulamentar relações de trabalho. Em última análise, quando o BC diz que o banco pode contratar um correspondente, ele está interferindo na relação de trabalho. Portanto, só o Congresso Nacional está autorizado a legislar sobre o direito do trabalho. Eles querem dar acesso ao crédito, sacrificando uma categoria de trabalhadores.

RBA – E isso acaba aumentando o lucro dos bancos…

Não tem nenhuma dúvida. O correspondente tem uma diferença enorme no salário – não que os bancários sejam uma categoria de grande remuneração, longe disso. Mas quando se compara a remuneração de um bancário formal e de um informal, a diferença é gritante. Sem plano de saude para os não reconhecidos como bancários. As condições de trabalho são as mais adversas. Os bancários têm participação nos lucros e resultados, jornada de seis horas, plano de saúde, vale-alimentação e salário quatro vezes maior. E os correspondentes bancários, que são milhares espalhados lá fora, não têm estes direitos. É uma categoria com diferenças gritantes, e eles exercem a mesma atividade.

Então estes dois segmentos perdem muito. Se esta terceirização não for domada, corre-se o risco de os bancos se tornarem grandes marcas como a Nike, uma empresa que praticamente não tem empregados e terceirizam tudo. Para mim, o que se revela é que se daqui a vinte ou trinta anos, os bancos terão pouquíssimos empregados formalmente falando.

RBA – Os Correios também irão ampliar seus serviços bancários graças à resolução do Banco Central de que órgãos públicos também poderiam prestar serviços bancários. O que isso representa?

Eles já prestam serviço do Banco Postal há algum tempo. O que pode mudar com a nova resolução é que os Correios, em tese, possam prestar diretamente este serviço. O que me pergunto é se o Banco Central pode fiscalizar estes serviços. Se o Banco Central quer levar os correspondentes para todo o lugar, tudo bem. O que eles não podem dizer é que este serviço não é prestado por bancário. Aí não. Esta hipótese não é da alçada do Banco Central.

RBA – E o senhor acha que tudo isso já saiu do controle?

Não saiu do controle. Eu até diria que, se não fosse pelo Banco Central, não sei se existiria uma terceirização tão avassaladora nos bancos. Para criar um correspondente bancário hoje nem precisa da autorização deles, mas foram os próprios que deram este poder. É evidente que eles sabem o que fazem. Imagino que saibam também o que estão causando com esta medida que está dilacerando uma categoria que ainda é importante na história do movimento sindical brasileiro.

RBA – Quais seriam as medidas fundamentais que o Banco Central deveria tomar para amenizar as  falhas com o sistema de terceirização?

Em primeiro lugar, não é tarefa do Banco Central a terceirização. Eles deveriam revogar sua última resolução que trata de terceirização e deixar este assunto para o Congresso. Não dá para ficar consertando e tapando o buraco. 

Existem dois caminhos para a valorização bancária no Brasil, e estes dois caminhos não passam necessariamente pela ação do Banco Central. A primeira seriam os bancários, formais e informais, se reunirem contra a terceirização. Isso só se resolve com mobilização e luta. O outro caminho seria por ações no Supremo Tribunal Federal. No livro, eu digo que cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF porque o Banco Central está legislando em relações de trabalho, sendo que a Constituição veta.

É evidente que há outras formas, mas as mais consistentes passam por uma ação política e pelo campo judicial.

Lançamento do livro “Terceirização Bancária no Brasil – Direitos Humanos violados pelo Banco Central”
Local: Sindicato dos Bancários – Rua São Bento, 413 – Auditório Azul.
Dia 26 de maio, às 18h.