‘Sociedade esconde o suicídio no trabalho’, diz psicólogo

Nilson Berenchtein Netto considera que a organização capitalista da sociedade colabora para que suicídios decorrentes de assédio moral sejam encobertos

Para especialista, suicídio decorre da forma violenta em que as relações sociais se estabelecem (Foto: Sxc.hu)

São Paulo – Editado pelo Sindicato dos Químicos de São Paulo, o livro “Do Assédio Moral à Morte em Si – Significados Sociais do Suicídio no Trabalho” será lançado no próximo dia 28, no Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho. Além de focalizar o suicídio como resultado do assédio, a obra busca fundamentos para contrapor a argumentação criada de que adquirir transtornos em ambiente de assédio seria sinal de “fraqueza” do trabalhador.

A organização dos textos selecionados para a publicação é feita por três especialistas em saúde no trabalho. Margarida Barreto, médica do Trabalho e pesquisadora do Núcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social (Nexin PUC/SP), Lourival Batista Pereira, coordenador da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente, e o psicólogo e Mestre em Psicologia Social pela PUC/SP, Nilson Berenchtein Netto. Em entrevista à Rede Brasil Atual, Netto fala sobre a abordagem do tema, as deficiências nos programas de orientação aos trabalhadores, entre outros pontos.

Confira a seguir a entrevista na íntegra.

RBA – O livro aborda um tema ainda delicado na visão da maioria das pessoas, que é o suicídio. Como esse assunto foi tocado?

Antes, a ideia era falar exclusivamente da questão do suicídio. Mas, conforme a gente foi escolhendo os autores e tendo mais participação, fomos vendo que era importante incluir questões ligadas ao assédio e a violência em um âmbito geral e mais especificamente no trabalho. Tem um dos capítulos que faz um resgate histórico na questão da violência e do assédio, que muitas vezes está ligado aos casos de suicídio.

O suicídio relacionado ao trabalho é um tema que vem crescendo estrondosamente, e não é uma novidade. Esta questão existe desde a antiguidade. Em si, não é um assunto novo, mas a forma como ele está se dando é muito característico da forma com a sociedade em que a gente vive está organizada, do modo de produção capitalista. Apesar de não ser uma novidade, este tipo de suicídio não alarmava tanto. Nos últimos dez anos o número de suicídios evidentemente relacionados ao trabalho cresceu enormemente e fica realmente difícil esconder isso. Em geral, o que a sociedade costuma fazer? Esconde o fato.

RBA – E o assédio moral no local de trabalho parte, majoritariamente, de que grupos? Dos patrões ou dos colegas em posição hierarquicamente similar?

Em geral, parte de uma pessoa que está hierarquicamente acima do sujeito, mas algumas vezes ocorre dos pares – que são aqueles que estão na mesma posição hierárquica do assediado. A figura do patrão nem sempre aparece. Quem faz (a ação de pressão moral) geralmente é a gerência ou a chefia imediata. 

Na sociedade capitalista, a violência faz parte da forma com que as pessoas se relacionam. Não dá pra pensar em um capitalismo sem violência, ela é inerente ao modo de produção capitalista. A exploração do homem pelo homem não está apartada da violência.

Uma coisa que é importante lembrar é que, durante oito horas por dia, ele (o trabalhador ou trabalhadora) está sofrendo isso (assédio) no local de trabalho, mas quando ele está fora (o assédio) também faz parte da vida dele, de um modo (psicologicamente) muito forte. O cara sai de lá (do local de trabalho) exausto do cansaço físico e também entristecido e muitas vezes com raiva e impotência frente à violência que ele vem sofrendo. Ele chega na casa dele desse jeito e, no dia seguinte, tem que levantar e voltar ao trabalho. No fim de semana, ele também está envolvido por este problema.

RBA – Quais são os sinais de danos mentais e físicos que o trabalhador que sofre assédio moral apresenta?

Em geral, a tristeza, a vontade de não ir trabalhar, a falta de vontade de se relacionar com as pessoas (principalmente as do ambiente de trabalho), até mesmo de falar sobre a situação, são algumas coisas (sinais) que podem denunciar o problema.

RBA – Citando o caso de empresas, como algumas conhecidas pela grande ocorrência de suicídio dentro do ambiente de trabalho, já existem as que desenvolvem programas de humanização das relações de trabalho?

A empresa chinesa Foxconn, por exemplo, tem um programa horroroso. Ela chegou a desenvolver um contrato em que as pessoas se comprometem a não se matar e, caso se matem, garantem que a culpa não seria da empresa. Este é o nível do absurdo. O suicídio é um tabu no mundo todo, e não é só no mundo do trabalho que se tenta disfarçá-lo. Hoje, os índices de suicídio que mais crescem mundialmente, inclusive no Brasil, são entre jovens na faixa de 15 e 25 anos, que estão na escola – ou ao menos deveriam estar – e estão prestes a entrar no mercado de trabalho, ou jovens que já estão trabalhando.

O que acontece nestes espaços, principalmente escolas que teriam objetivo de fazer os estudantes desejarem a vida, que faz as pessoas desejarem a morte? O problema é que a forma de lidar socialmente com este fenômeno tenta justamente ofuscar esta questão e apagar esta relação que se estabelece de suicídio no trabalho. Vão falar que o suicida é um sujeito que está se matando por problema dele, porque ele tem uma doença mental ou que é incompetente e estava deprimido por outros motivos familiares ou pessoais. Mas, muito raramente, vai se assumir que este suicídio está relacionado ao trabalho.

Uma coisa que tenho escutado muito em palestras e discussões é que, quando a pessoa começa a dar sinais de depressão ou até mesmo comete uma tentativa de suicídio, é dispensada do trabalho para não estabelecer o vínculo trabalho-suicídio. As pessoas não se incomodam que ele morra, desde que não seja no local de trabalho.

Outra questão são os programas de prevenção. Algumas companhias já os têm e a própria Organização Mundial de Saúde desenvolveu um cartilha sobre a situação. Mas o problema é que a cartilha produzida é para orientar os patrões a como impedir o ato suicida no (local de) trabalho. A gente tem que fazer uma discussão que é totalmente o contrário, criar formas de o trabalhador se sentir apoiado e seguro em seu emprego.

Além disso, este tipo de orientação dada pela OMS às empresas visa fazer com que o indivíduo permaneça vivo, mas não dá condições para ele entender o porquê de querer morrer. Ou seja, obriga a pessoa a continuar naquela vida que a leva a desejar a própria morte.

RBA – O que poderia ser feito para melhorar o ambiente de trabalho? Acha válida as atividades nas comissões de trabalhadores para discutir estes pontos?

Na minha opinião, os sindicatos são um dos principais agentes nesta questão da prevenção do suicídio. O patrão tem que fazer o que lhe cabe, a responsabilidade dele dentro da empresa, mas o que eu estou querendo dizer é que os trabalhadores não podem largar na mão dos patrões as suas vidas. Então é essencial (a atuação sindical) para a discussão da saúde no trabalho.

RBA – E para os que sofrem assédio mas, por um fator ou outro, se sentem presos ao emprego? Como proceder?

Mais uma vez, os sindicatos vão ter um papel fundamental. É lá que o trabalhador poderá fazer suas denúncias, ser ouvido e acreditado. Muitas vezes, dentro do local de trabalho, além de sofrer toda a violência e assédio que sofrem, os trabalhadores não têm espaço para falar sobre o problema. Ou porque é desacreditado, ou porque os colegas não desejam compartilhar o sofrimento, até por não quererem ser envolvidos e não sofrerem igualmente.

Lançamento do livro “Do Assédio Moral à Morte em Si – Significados Sociais do Suicídio no Trabalho”

Dia 28 de abril, às 19h.
Sindicato dos Químicos de São Paulo – Rua Tamandaré, 348 – Liberdade – SP