Proposta de Marco Civil da Internet enfraquece ameaça do ‘AI-5 digital’

Mesmo lideranças favoráveis ao substitutivo criticado por criar vigilantismo na rede dispõem-se a recuar. Demora na apresentação é criticada

O projeto visa regulamentar direitos, deveres e princípios da rede (Foto: Marcello Casal Junior/ Agência Brasil)

São Paulo – Após uma longa espera por alguma atitude do governo, o Congresso Nacional recebeu, na quarta-feira (25), a proposta do Marco Civil da internet, enviado pela presidenta Dilma Rousseff. O projeto visa a regulamentar direitos, deveres e princípios na rede. A iniciativa pode funcionar como uma forma de “enfrentar” e enfraquecer o substitutivo ao PL 84/1999, aprovado no Seando, batizado pelos críticos como “AI-5 digital”.

Por tratar do mesmo tema e com apoio de mais setores da sociedade, o anteprojeto deve produzir um enfraquecimento da iniciativa do parlamentar tucano. O texto foi elaborado a partir de consultas públicas e de um debate realizado via internet, em 2009 e 2010. Depois de reunidas as contribuições, um grupo ministerial elaborou a versão final. A demora na divulgação permitiu que o substitutivo aprovado no Senado voltasse à pauta da Câmara.

Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que atualmente exerce cargo de deputado federal, era senador quando relatou a matéria polêmica. O texto é motivo de contestação por criar um “vigilantismo” na internet com o intuito de combater crime em ambientes virtuais. Defensores da liberdade na rede enxergam ainda exageros e imprecisões na redação.

Um dos aspectos criticados é o período de três anos para a guarda dos logs – dados de endereçamento eletrônico da origem, hora e data da conexão – por parte dos provedores. Ações consideradas suspeitas, como o simples compartilhamento de arquivos, teriam de ser informadas a órgãos investigativos, comprometendo ferramentas empregadas para a difusão da cultura digital. Esse tipo de imposição representaria riscos à liberdade nesses ambientes.

Para o ativista digital João Carlos Caribé a apresentação do Marco Civil é uma sinalização clara, por parte do governo federal, de preocupação com o tema. “Muitas pessoas criticaram a Dilma, por ela não estar dando a devida atenção à cultura digital; agora ela prova, com o envio desse projeto, que ela vai cuidar dessa parte no governo”, observa o ativista.

O Marco Civil prevê a guarda dos endereçamentos eletrônicos de usuários por, no máximo, um ano, sendo que os dados só poderão ser levantados mediante solicitação da Justiça. A medida é vista como razoável por Caribé. “Temos que ter, pelo menos, uma guarda mínima de logs, mais como uma questão administrativa do que policial. Temos dados provando que a média de solução de um cibercrime é de 18 dias, então não precisamos guardar esses dados por tanto tempo”, avalia.

Outra importante regulamentação que o projeto do governo federal propõe é a não responsabilização do intermediário – sites, blogues, portais e redes sociais – que viabilizar a publicação do material dentro de seu espaço, seja ele um comentário, seja uma adição a informações. Caberá ao intermediário retirar qualquer intervenção caso a Justiça assim determine. O ativista considerou acertada a medida proposta pelo executivo. Atualmente, há jurisprudência para responsabilizar o dono do site mesmo por comentários apresentados por leitores.

Mesmo vendo como um projeto de “enfrentamento” ao AI-5 digital, Caribé contou que o próprio deputado Azeredo já cogitou a possibilidade de abandonar sua proposta e endossar a do governo. “As duas vezes em que tive interlocução com Azeredo, ele confirmou que, assim que o Marco Civil chegasse à Câmara, ele assinaria embaixo”, afirma o ativista.

Parlamentares que acompanham o debate, porém, mostram-se menos otimistas. A avaliação de parte da bancada alinhada aos grupos favoráveis pela liberdade na internet e pela democratização dos meios de comunicação é de que a maior parte dos deputados preferiria um conjunto de medidas mais duras. A expectativa é de que, apesar da demora, o governo coloque peso junto a sua base para fazer o texto, tido como mais brando em termos de controle e de restrições na rede, seja aprovado.

Leia a íntegra do Marco Civil – PL 2126/11

I. Sobre o Marco Civil da Internet

v Projeto de lei do Poder Executivo para dar regras mais claras quanto a direitos, deveres e princípios para o uso da internet no Brasil.

v Três eixos principais:

• Garantir os direitos dos usuários;

• Definir responsabilidades dos provedores de serviços; e

• Orientar a atuação do Estado no uso da rede.

v A proposta foi elaborada colaborativamente pelo blog www.culturadigital.br/marcocivil, que recebeu mais de 2 mil contribuições.

v O debate online foi organizado pelo Ministério da Justiça e aconteceu em duas etapas, entre 2009 e 2010.

 

II. Principais pontos abordados pelo Marco Civil da Internet

 

v Princípios para a Internet

• O texto foi elaborado a partir de resolução do Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cgi.br), que propõe 10 diretrizes para a governança e uso da Internet no país.

• O Marco Civil estabelece que sejam respeitados princípios como a liberdade de expressão, pluralidade, diversidade, abertura, colaboração, exercício da cidadania, proteção a privacidade e dados pessoais, livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor.

• O texto do projeto busca estabelecer uma regulamentação geral sobre o tema, com princípios para balizar de forma harmonizada futuras leis e regulamentações sobre o assunto.

• O Marco Civil não trata diretamente de temas como cibercrimes, comércio eletrônico, direito autoral, expansão da banda larga e regulação setorial das telecomunicações, os quais são objetos de outras normas específicas.

 

v Neutralidade da rede

• A proposta é que a transmissão de pacotes de dados não seja discriminada em razão do conteúdo, origem, destino, serviço, terminal ou aplicativo. Assim, um provedor de serviços de transmissão de dados não poderá prejudicar o tráfego de dados de uma empresa concorrente, por exemplo.

• Esse princípio de que os pacotes de dados devem ser tratados de forma igual é conhecido como “neutralidade da rede”.

• Os dados só podem ter tratamento diferenciado por requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços.

• Isso significa que os dados devem trafegar na mesma velocidade e receber o mesmo tratamento. A exceção é para situações em que se precise dar prioridade no tratamento para que um determinado serviço funcione.

• Os casos passíveis de tratamento diferenciado serão definidos por regulamentação técnica posterior.

v Responsabilização de intermediários

• Um ponto que tem gerado decisões judiciais divergentes é a responsabilização dos intermediários (sites, blogs, portais) quanto aos conteúdos postados por terceiros. A ausência de uma regra especifica dá margem a diferentes interpretações: há juizes que entendem que quem hospeda um comentário pode ser responsibilizado pelo dano causado por uma injúria ali publicada, ainda que não tenha conhecimento sobre tal conteúdo.

• O Marco Civil da Internet propõe que o intermediário que viabilizou a postagem do material não seja responsabilizado, salvo se descumprir decisão judicial que determine a remoção do conteúdo.

• A proposta busca evitar que sites e blogs tenham que fazer um controle prévio de tudo o que for inserido ali por terceiros, o que seria contrário à liberdade de expressão e à natureza colaborativa da internet.

• O projeto não impede que os sites implementem outros mecanismos para solucionar conflitos dessa natureza.

v Guarda de registros

• Cada vez que um computador é conectado à internet, ele é identificado por um código, chamado de endereço IP. São as empresas que prestam o serviço de conexão que atribuem aos seus usuários os endereços IP. Essas empresas mantêm cadastros de seus usuários e podem, assim, identificar o computador responsável por determinado endereço IP em uma data específica. Essas informações recebem o nome de “registro de conexão”.

• Quando um site ou aplicativo de Internet é acessado, a empresa responsável por tal serviço tem ciência do endereço IP que o acessou e quais os serviços e endereços acessados. Essa informação recebe o nome de “registro de acesso a aplicações da Internet”.

• Atualmente, não há nenhuma regra que defina se os sites e provedores de acesso à Internet devem ou não guardar esses dados, como devem guardá-los, o período de guarda e nem a quem e sob quais circunstâncias podem fornecê-los. Isso gera insegurança para os usuários e provedores e dá margem à violação de direitos.

• O Marco Civil propõe que os registros de conexão sejam guardados sob sigilo, em ambiente controlado e seguro pelos provedores de conexão, pelo prazo de um ano. Essas informações só poderão ser fornecidas mediante ordem judicial.

• A proposta prevê ainda que a autoridade policial ou administrativa possa requerer que os registros sejam preservados por prazo superior, caso haja alguma suspeita. Nesses casos, o Poder Judiciário deverá ser acionado em até 60 dias, para confirmar o pedido de guarda e permitir o acesso aos registros.

• Aos sites e demais serviços de Internet é facultada a guarda dos registros de acesso a aplicações. Caso sejam armazenados, aplicam-se os mesmos requisitos de segurança previstos para a guarda dos registros de conexão.

• Também é aplicável, nos casos de registro de acesso a aplicações, a possibilidade de requisição policial ou administrativa para guarda de registros, a ser confirmada pela autoridade judicial.

• A medida tem o objetivo de permitir investigações sem criar uma lógica de vigilância permanente nem estabelecer requisitos exagerados para o funcionamento de blogs e sites pequenos que não tiverem condições de arcar com a guarda de dados.

v Diretrizes para o poder público

• Ao Estado, cabe promover programas de capacitação para o uso da internet e diminuir desigualdades no acesso e uso das tecnologias da informação e comunicação.

• Entre as diretrizes para o poder público, também estão o uso da Internet para dar mais transparência e acessibilidade a informações publicas, de modo a estimular a participação social nas políticas públicas.