Lei de FHC fez brasileiros pagarem mais caro por remédios, acusa associação

Lei de propriedade intelectual aprovada em 1996 garantiu lucros maiores à indústria farmacêutica e custo alto de medicamentos. Genéricos foram saída de emergência para reduzir tamanho do estrago

Consumidor paga por propriedade intelectual de remédios que já estavam em domínio público em outros países (Foto: Benjamin Earwicker/Sxc.hu)

São Paulo – Uma lei aprovada em 1996, ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, permitiu que empresas do setor farmacêutico elevassem seus lucros e cobrassem mais caro por remédios desde então. A Lei Brasileira de Propriedade Industrial (LPI), elaborada e aprovada às pressas, permitiu que medicamentos que já eram de domínio público no mundo todo fossem patenteados no Brasil, aumentando o custo de medicamentos para o consumidor. A informação está na edição 52 da Revista do Brasil.

O poder público também arcou com o prejuízo. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) calculam em US$ 519 milhões as perdas da União apenas com a compra de cinco medicamentos do coquetel anti-HIV/Aids de 2001 a 2007. Por causa disso, a Federação Nacional de Farmacêuticos (Fenafar), em nome da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip), recorreu à Procuradoria Geral da República, que protocolou no Supremo Tribunal Federal, em 2009, uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin). 

Os artigos 230 e 231 da Lei 9.279/96 são o motivo do gasto além do que seria necessário. Eles instituíram as chamadas “patentes pipeline”, sistema que permitiu a aprovação automática, sem avaliação prévia, dos pedidos ou depósitos feitos ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) até um ano após a lei entrar em vigor. Bastava ao requerente comprovar o depósito original em outro país para obter o direito de exclusividade no Brasil. A corrida foi grande. Entre maio de 1996 e de 1997 foram depositados pedidos de 1.182 produtos, dos quais mais de 700 medicamentos.

“Os artigos da LPI protegem invenções que, por estarem registradas em outros países antes de 1995, deixaram de ser novidade absoluta e por isso não cumpriam mais o principal requisito de patenteabilidade”, explica a advogada Renata Reis, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) da Rebrip. A avaliação da entidade é de que parte dos princípios patenteados já eram de domínio público, quer dizer, havia passado o prazo em que restrições de propriedade intelectual seriam aplicáveis.

A expectativa da Rebrip é que a Adin, ainda sem previsão de apreciação no STF, mude esse cenário. “Queremos que essas patentes sejam derrubadas, o que permite a fabricação de suas versões genéricas. Assim corrigiremos esse erro histórico cometido no país”, acredita a advogada.

Remendo genérico

Como antes da LPI o Brasil não reconhecia patentes de medicamentos, um laboratório vinculado à Fundação Oswaldo Cruz, chamado Far-Manguinhos, fabricava sete medicamentos do coquetel antiaids. A produção e a comercialização foram interrompidas com a nova lei. Começavam então o sucateamento do parque industrial nacional e a luta das organizações de saúde para mitigar o impacto das novas regras.

As patentes provocam impacto no preço dos remédios. Dão ao detentor o direito de exclusividade de venda, ou de designar quem vai vender, por 20 anos. E de impor o preço que quiser. E não só a substância ativa é patenteada. Há patentes da substância, da manipulação que vai transformá-la em medicamento e até das combinações que poderão ser feitas no futuro.

A fórmula da legislação aprovada pelo governo FHC elevou de US$ 35 milhões para US$ 305 milhões os gastos do Ministério da Saúde apenas com medicamentos contra o HIV entre 1995 e 1996.  Pressionado pelo impacto desses custos no orçamento do Ministério, o então ministro a Saúde José Serra criou o programa de medicamentos genéricos.

Sem quebra de patentes

Nesta quinta-feira (14), o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, defendeu a quebra de patente para medicamentos antirretrovirais. O custo de remédios para pessoas com HIV/Aids é elevado e poderia ser contido, segundo ele. Porém, durante sua gestão nenhuma medida do gênero foi adotada.

A primeira vez em que o Brasil decretou o licenciamento compulsório – ou quebra de patente – foi em maio de 2007, na gestão de José Gomes Temporão, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Muito depois da gestão de Serra como ministro da Saúde.

O Efavirenz, produzido pelo laboratório norte-americano Merck para terapia antiaids, foi declarado de interesse público. O recurso é permitido pelo Acordo Trips, firmado na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994, mas nunca havia sido empregado. Com o licenciamento, foi possível importar versões genéricas de laboratórios qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A reportagem completa estará na edição 52 da Revista do Brasil.