Em São Paulo, parto humanizado carece de esclarecimentos e divulgação

Casa de Parto de Sapopemba tem sido escondida pela prefeitura, que não permite visitas ou divulgação dos trabalhos; Conselho de Medicina é contra este tipo de nascimento

Nossa reportagem não recebeu autorização da Secretaria Municipal da Saúde para visitar a Casa de Parto de Sapopemba (Foto: Gerardo Lazzari/RBA)

São Paulo – Ao buscar alternativas ao parto em hospitais, atualmente dominados pelas cesarianas, as futuras mães têm dificuldade em obter informações e orientações que ajudem a escolher qual método querem para trazer seu filho ao mundo. O parto humanizado, técnica que valoriza o processo de nascimento, dispensando intervenções cirúrgicas ou medicamentosas, pode ser realizado nos centros de parto humanizado, conhecidos como Casa de Parto. Porém, a prática sofre com a desinformação, a não divulgação e a oposição da classe médica.

“O parto natural respeita o tempo da mulher e do bebê, promove ações como massagens, banhos, exercícios com bola suíça, caminhada, incentiva o acompanhamento do companheiro e da família, e possibilita à mulher decidir onde quer realizar o parto: na banheira, na cama, de cócoras, etc. É feito, em geral, em locais determinados especialmente para isso, chamados casas de parto. Já o parto normal é o parto vaginal, feito de maneira convencional nos hospitais, com a mulher deitada, podendo utilizar medicamentos que estimulam as contrações, realizar anestesia, incisões e até o rompimento artificial da bolsa”, explica a presidenta da Associação de Obstetrizes do Estado de São Paulo, Ruth Osava.

Casa Ângela, na zona sul de São Paulo, preza por um ambiente familiar que tranquilize as gestantes na hora do parto (Foto: Gerardo Lazzari/RBA)

As Casas de Parto foram oficializadas em agosto de 1999, por meio da Portaria 985 do Ministério da Saúde, de autoria do então ministro José Serra. Neste mesmo ano foi criada a Casa de Parto de Sapopemba, anexa a Unidade Básica de Saúde Reunidas I, no bairro São Lucas, zona leste de São Paulo. No entanto, o processo estagnou e nenhuma outra casa de parto ligada ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi aberta desde então na capital. A Casa Ângela, mantida pela Associação Comunitária Monte Azul com auxílio de parceiros internacionais, que, desde 2009, funciona no Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo, não está integrada ao SUS.

Ruth Osava dirigiu a Casa de Parto de Sapopemba por cinco anos, desde sua fundação. Ela reclama da falta de transparência da prefeitura de São Paulo. “Parece que a prefeitura não quer que as pessoas saibam da existência da Casa de Parto. Desde 2009 temos solicitado autorização para realizar estudos sobre parto humanizado na casa e a Secretaria Municipal da Saúde não nos autoriza. Esse trabalho seria fundamental para comprovar, ou não, a segurança do parto natural”, lamenta a obstetriz. Ela afirma, ainda, que os funcionários da Casa não podem fazer divulgação ou outra ação de promoção do trabalho desenvolvido.

O procedimento de parto natural possui alguns requisitos. As mães não podem apresentar complicações durante a gravidez, como hipertensão, diabetes gestacional ou outros fatores de risco. Além disso, se qualquer problema ocorrer durante o parto, como o bebê estar em posição sentada, por exemplo, a gestante será removida para um hospital próximo por uma ambulância que permanece à disposição da unidade todo o tempo. As duas casas citadas nesta reportagem permanecem abertas 24 horas por dia e podem ser visitadas por futuros pais a qualquer momento.

Ruth destaca diversos pontos para a necessidade de “desospitalizar” o parto, o que, inclusive, surgia como recomendação da OMS à época da publicação da Resolução 985. “O ambiente hospitalar é muito estressante para uma mãe em trabalho de parto. Muita gente estranha, luzes fortes, muitas vezes sem acompanhante. Tem ainda a medicalização, que afeta não só a mãe como o bebê. Além disso, existe uma preocupação com o tempo, com a ocupação do leito, que é uma lógica mercantilista, de produção industrial. Um parto natural pode levar até 12 horas, já uma cesária não consome mais do que uma hora, o que é mais vantajoso na ótica financeira”, considera a obstetra.

O número de cesarianas no Brasil tem crescido de maneira alarmante. Em 2010, as cesárias foram 52% de todos os partos, sendo 82% dos partos na rede privada e 37% na rede pública. No entanto, a cidade de São Paulo apresenta um índice ainda maior, com 54% de cesarianas, nos partos realizados na rede pública, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os procedimentos cirúrgicos respondam por somente 15% dos partos.

Para a obstetriz do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (Gama) Ana Cristina Duarte, é preciso um processo de educação para que o parto seja visto com naturalidade e não como prenúncio de sofrimento. “É preciso investir em informação para as futuras mães, desconstruindo essa ideia de sofrimento ligado ao parto que leva tantas delas, até mesmo, a optar pela cesariana. Muitas consideram que o parto foi bom, que foram bem atendidas, se não sentiram dor. O parto é um processo natural, que envolve, sim, alguma dor. Mas que pode ser amenizada se forem construídas experiências que coloquem a mãe e o bebê como protagonistas, que proporcionem um ambiente tranquilo e a presença de pessoas queridas”, esclarece Ana Cristina.

Para ambas as profissionais, o problema da omissão de informações e de não se incentivar a prática se deve à resistência por parte de alguns setores da saúde, como os conselhos de medicina. “Como a Casa de Parto não demanda, necessariamente, um profissional médico, ocorreu um movimento de desaprovação que evoluiu para a pressão pelo fechamento das casas e a proibição de os médicos atuarem nas unidades”, disse Ana Cristina. Em 2004, o Conselho emitiu a Resolução 111, proibindo os médicos de atuarem nestas unidades por considerá-las inseguras e inadequadas.

O Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo é contrário à existência das casas de parto por considerar que estes locais não possuem estrutura para o profissional trabalhar adequadamente, além de não poder dar a assistência necessária em caso de complicação. Para o Conselho, o parto um processo complicado, de risco, e existem dezenas de condições em que a intervenção do médico deve ser imediata.

Ruth afirma que essa preocupação se deve mais ao embasamento das escolas de medicina que, segundo ela, adotam o pensamento das escolas dos Estados Unidos. “É o medo da natureza. Nos Estados unidos tem-se a ideia de que o parto não é exatamente natural, que se deve atuar preventivamente, o que nos leva a essa quantidade de intervenções e cesarianas. Na Europa o número de cesarianas é muito baixo, pois a ideia é de que parto é um evento da natureza, que pode, eventualmente, apresentar complicações”, pondera a obstetriz.

A assessora de políticas públicas da Casa Ângela, Regina Wrasse, apresenta informações que contradizem o potencial de risco afirmado pelo CRM. “Desde fevereiro deste ano, quando começamos a realizar partos, foram 106 nascimentos, sem nenhum problema. Quando houve potencial de risco, a mãe foi transferida, em segurança, para um hospital. Vejo esse posicionamento contra as casas de parto muito mais em uma perspectiva política, de controle da atuação em saúde, do que efetivamente por um risco que elas tragam”, afirma Regina. Para ela, na defesa das casas de parto está implicado também o direito de decisão da mulher, como destacam as mães ouvidas pela nossa reportagem.

Segundo Ana Cristina, o parto natural é melhor, quando possível, porque contribui para o desenvolvimento da criança e a relação entre mãe e filho. “O processo do parto natural promove a produção de hormônios específicos que fortalecem o vínculo entre mãe e bebê, ajudam na amamentação e, também, no desenvolvimento da criança. As mães se recuperam mais rápido e vão para casa, em geral, 24 horas depois. Não somos contra a cesariana, mas defendemos que ela só deve ser utilizada, como procedimento cirúrgico que é, quando as condições apresentarem risco para a mãe ou para o bebê, ou seja, quando houver necessidade de intervenção”, explica.

A reportagem da RBA entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde, solicitando informações sobre o número de mulheres atendidas pela Casa de Parto de Sapopemba, números de partos, complicações e outras informações, além de autorização para visitá-la. Após quatro dias de insistência, a resposta foi de que uma visita não seria autorizada e que a secretaria não iria apresentar qualquer informação referente à Casa.

 

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