Em vigor há três meses no Rio, internação e abrigo compulsórios dividem opiniões

Secretário carioca diz que período é pequeno para avaliar resultados. Defensor de direitos humanos vê política 'higienista' a serviço da especulação imobiliária

São Paulo – Em vigor há três meses no Rio de Janeiro, a internação compulsória – ou “abrigamento” – de crianças e adolescentes em situação de rua ainda precisa de mais tempo para ser avaliada, segundo o secretário de Assistência Social carioca, Rodrigo Bethlem. O protocolo de atendimento é adotado na cidade desde o dia 30 de maio e é motivo de contestação por parte de organizações sociais como a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras ONGs.

Parte de Bethlem a diferenciação entre padrões de internação e de abrigamento. Enquanto o primeiro seria aplicado a dependentes químicos, o segundo é voltado ao atendimento de crianças e adolescentes que estejam morando nas ruas. Ainda assim, a prática adota no Rio é compulsória: os funcionários da prefeitura podem obrigar a criança a se instalar em um abrigo.

O modelo para o tratamento de dependentes químicos vem sendo discutido em outras cidades, como a capital paulista. Por isso, o secretário do Rio foi convidado a explicar os resultados e as críticas sofridas pelo programa, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, na quarta-feira (31). Bethlem foi questionado sobre os métodos aplicados e mostrou números das operações em algumas áreas – às quais ele chama de “cracolândias” da cidade – além de fotos tiradas antes e depois do tratamento das crianças no abrigo Casa Viva, da própria prefeitura. No momento, há 85 crianças abrigadas.

“Nós não estamos implantando um programa de internação compulsória, nós temos um abrigo do município que é especializado em tratamento de crianças e adolescentes dependentes químicos, mais especificamente do crack”, garante Bethlem. Para justificar tais medidas, o secretário afirma que há medidas judiciais julgadas, e que foram impetradas pelo Ministério Público, que obrigam a prefeitura do Rio de Janeiro a abrigar essas crianças e adolescentes e as protegerem de qualquer risco à sua vida e integridade física.

Além de perguntas sobre a experiência carioca, outros convidados da audiência expuseram críticas sobre a utilização da internação compulsória aqui em São Paulo. Composta principalmente de profissionais de saúde, a maior parte dos participantes da audiência colocou-se contrária à aplicação de política similar na capital paulista.

Internação compulsória

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (ex-DEM, a caminho do PSD), tem tomado medidas polêmicas em relação aos bairros da Luz e Santa Ifigênia, ambos na região central da capital paulista, analogamente tratados pelo poder público como “Cracolândia”. Em meio à discussão sobre intervenções na área, por meio de concessão urbanística a consórcio privado, ainda não há um projeto definido em relação ao tratamento de dependentes químicos que ocupam parte das ruas da região.

O prefeito paulistano chegou a admitir que a experiência do Rio de Janeiro com crianças e adolescentes poderia servir de exemplo para a cidade. O modelo aplicado em São Paulo seria voltado a usuários de drogas, principalmente de crack, independentemente da faixa etária, mas não há detalhes a respeito.

Para o psiquiatra e presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas (Coned-SP), Mauro Aranha, a internação compulsória deveria ser a última alternativa de tratamento. Ele explica que a lei federal 10.216 de 2001, que dispõe sobre saúde mental, legisla sobre regras de internações involuntárias (sem o consentimento ou contra a vontade do paciente, com aval da família e por recomendação médica) e compulsórias (recomendação médica e imposição judicial). Mas ele deixa claro que o poder público não pode internar qualquer pessoa que seja vista usando drogas sem o amparo legal.

“Para ambas (as modalidades de internação), têm de se decidir caso a caso e não genericamente, não em massa. Não é simplesmente chegar a uma região – que até pode ser uma ‘cracolândia” –, ver pessoas usando drogas e achar que pode levá-las para a internação”, aponta Aranha.

Cid Vieira de Souza, presidente da Comissão de Estudos Sobre Educação e Prevenção de Drogas e Afins da subseção da OAB de São Paulo, discorda. Para ele, a vida das crianças e adolescentes tem de ser preservada e, como usuários de crack, eles não teriam discernimento para decidir o que é bom ou ruim. Por isso a internação compulsória seria uma saída viável. Souza também considera importante o debate e o apoio da sociedade na questão. “Sem uma força tarefa ou sem o apoio da sociedade, não vamos conseguir chegar a nenhum lugar” defende.

A atual abordagem em relação às pessoas em situação de rua foi criticada pelo vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, Ariel de Castro Alves. Ele considera que, especialmente por causa dos grandes eventos esportivos, o poder público carioca e paulistano acabam por promover uma política “higienista” – uma espécie de “limpeza” das ruas, em que as pessoas são tiradas da vista e tratadas sem dignidade.

“A prioridade não tem sido a vida dessas pessoas em situação de rua e que estão viciadas no crack. A grande preocupação tem sido as grandes obras, os grandes eventos, como Copa do Mundo, a Olimpíada e a especulação imobiliária, como no caso da (operação urbana) Nova Luz (em São Paulo)”, acusa.

Castro aponta que a internação compulsória pode ser um recurso importante no caso de algumas pessoas, mas seria necessário um investimento prévio em leitos adequados para o tratamento. “Não adianta colocar no abrigo, os educadores não estão nem preparados para dar tratamento nessas situações”, pondera.