Profissionais de saúde e educação têm dificuldade em reconhecer dislexia, aponta pesquisa

A dislexia, um distúrbio de aprendizagem para ler, escrever e soletrar atinge de 4% a 17% da população, mas é pouco conhecido, inclusive por especialistas

São Paulo – O que Walt Disney, Albert Einstein e Bill Gates têm em comum? Os três apresentaram, ou apresentam no caso de Gates, um distúrbio de aprendizagem conhecido como dislexia. O distúrbio afeta de 4% a 17% da população, segundo a Associação Brasileira de Dislexia (ABD), mas ainda é pouco conhecido por profissionais de saúde e educação, aponta pesquisa divulgada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

Um estudo realizado pela fonoaudióloga Camila Andrioli Lacerda, quando era aluna da Santa Casa, indica que cerca de 70% dos profissionais das áreas de saúde e educação têm pouco conhecimento sobre o distúrbio. Ela entrevistou 186 profissionais de 11 áreas, entre pedagogos, fonoaudiólogos, pediatras, psiquiatras e neurologistas. A conclusão é que, embora comum, o distúrbio é pouco conhecido. O trabalho será apresentado na Associação Britânica de Dislexia, no Reino Unido, em junho.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, Camila explicou que o desconhecimento da dislexia, em parte, é resultado de lacunas no currículo das universidades que pouco ou nada abordam sobre o tema.  Das diversas áreas pesquisadas, a especialista avalia que o pior quadro foi encontrado entre os psicólogos.

A diretora do Curso de Fonoaudiologia da faculdade, Ana Luiza Navas, analisa que “o diagnóstico não é fácil”, porque a dificuldade para aprender pode ter diversas origens. “A criança pode enxergar mal ou ter uma deficiência auditiva”, relata. Além disso, pessoas com dislexia podem ser rotuladas de preguiçosas e pouco inteligentes.

Na ausência de uma formação aprofundada durante a universidade, a pesquisadora sugere que  os profissionais busquem uma “educação continuada”. “O quadro é grave, levando-se em conta o (grande) número de pessoas que sofrem com esse distúrbio”, relata. Camila analisa que são necessárias campanhas de divulgação sobre o distúrbio e políticas públicas voltadas para os disléxicos. “Fora do país há direitos específicos para pessoas disléxicas, como prova oral na escola, tempo maior para realizar as provas”, elenca.

Para Maria Ângela Nogueira Nico, coordenadora científica da ABD e especialista em avaliação e tratamento de dislexia, é essencial que professores e pediatras – que habitualmente convivem com crianças –, conheçam o transtorno para dar encaminhamento adequado. “Esses profissionais não podem avaliar mas teriam de conhecer o que é dislexia para encaminhar para uma equipe multidisciplinar”, pleiteia a especialista.

Distúrbio de aprendizagem

A dislexia é um dos diversos distúrbios ou transtornos de aprendizagem que podem surgir na época da alfabetização, explica Maria Ângela. Crianças e adultos com dislexia têm uma disfunção neurológica que é genética e hereditária. “Não é lesão, não é uma doença, não tem cura”, esclarece a coordenadora científica da ABD. 

No caso da dislexia, os efeitos do distúrbio manifestam-se na aprendizagem de habilidades como ler, escrever e soletrar. “Eles têm desenvolvimento normal, mas vão falhar na hora de aprender a ler e escrever”, diz Maria Ângela.  Pessoas disléxicas também podem ter dificuldades de organização temporal e espacial, de memória, para aprender uma segunda língua e relacionadas à matemática. 

Um dado que chama atenção a especialista é que, na maioria das vezes, criança e adultos com dislexia têm inteligência superior à média. “O disléxico é inteligente. Se não for inteligente não é disléxico”, diferencia Maria Ângela. “Tem de ouvir bem, enxergar bem, falar bem.  Senão, não é dislexia”, complementa.

Crianças com pais ou parentes disléxicos são candidatas a ter o transtorno. Elas sofrem com atraso na fala e para começar a andar. Ao iniciarem a alfabetização terão dificuldades para fazer relações entre letras e sons. “A parte linguística é muito prejudicada”, indica a especialista.

Durante a alfabetização, as crianças trocam letras, como “vaca” por “faca”, “prato” por “parto” ou “pato”. Também erram ao juntar ou separar partes de palavras: “de repente” transforma-se em “derrepente” (sic) e “comigo” pode ser separado, ilustra a fonoaudióloga.  Ao longo de todo o ensino fundamental e médio, as pessoas com dislexia terão problemas para ler e escrever.

Sofrimento emocional

Quando não há identificação e tratamento da disfunção ainda na infância, os jovens e adultos com o problema costumam sofrer com o “emocional abalado”, indica Maria Ângela  “Eles não conseguem entender o que tem. São muito inteligentes e vão conseguir seus objetivos com a ajuda correta”, ilumina.

Sem o acompanhamento adequado, podem ter um subaproveitamento ao longo de toda a vida. “Há pessoas com traumas terríveis que não podem pensar em fazer exames”, descreve.

Em diversos países há escolas especiais para disléxicos. Embora no Brasil não exista, cita a especialista, as escolas estão acolhendo melhor as crianças. “O professor pode dar mais tempo para o aluno copiar as lições da lousa. Eles são mais lentos para copiar”, informa. “Acabam fazendo mais provas orais que escritas e os professores dão trabalhos para juntar com as notas”, exemplifica.

Além de Bill Gates – que já teria manifestado preferência pela contratação de disléxicos em sua empresa, por considerá-los muito criativos –, Einstein e Disney, somam-se à lista de famosos e notáveis com dislexia, personalidades como a cantora e atriz Cher e a atriz Whoopi Goldberg, menciona Maria Ângela.

“O professor de Einstein sugeriu que ele fosse deficiente mental e fosse tirado da escola. Ele só foi alfabetizado aos nove anos, pela própria mãe”, conta a fonoaudióloga.

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