Cerco ao cigarro é nacional

Depois de Rondônia, corrida de leis antitabagismo em locais fechados se espalha por todo o país. Quatro estados já convivem com a medida, um aguarda sanção do governador e cinco têm projetos em tramitação nas assembleias legislativas

Rondônia foi o primeiro estado a proibir fumo em locais fechados. Cidades apostam em medidas educativas e ações integradas com Saúde e Trabalho (Infográfico: Julia Lima/Rede Brasil Atual)

Os malefícios do cigarro à saúde e o impacto das doenças causadas pelo tabaco nas contas públicas leva cada vez mais estados e municípios a adotarem legislações de restrição ao fumo. Ao mesmo tempo em que a ofensiva contra o cigarro se tornou febre no Brasil, a todo momento, diferentes figuras requerem a “paternidade” das leis antifumo.

Rondônia, São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão já aderiram à leis que restringem o consumo de cigarros e congêneres. O Amazonas aguarda sanção do governador. Ao mesmo tempo, Assembleias Legislativas da Paraíba, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais analisam iniciativas nesse sentido. Salvador (BA), Curitiba (PR), Maringá (PR), Ponta Grossa (RS) e Manaus (AM) também possuem legislações em aplicação, enquanto inúmeras cidades avaliam ações do gênero.

Apesar da febre antitabaco nos estados e municípios, a Advocacia Geral da União (AGU) apresentou ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ao Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 21 de agosto. No parecer do órgão, somente a União teria competência para legislar sobre o assunto. A expectativa é de que a Adin seja julgada até a segunda quinzena de outubro.

Tendência mundial

A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) afirmou em nota que “é urgente e imperioso que a norma (antifumo) seja estendida a todo o Brasil”.

“Leis que restringem o fumo são tendência mundial e já são uma realidade em mais de 15 países. É uma modificação importante, prevista inclusive pela Convenção Quadro de Controle do Tabaco, da qual o Brasil é signatário, e fundamental no controle do tabagismo”, comenta Irma de Godoy, presidente da Comissão de Tabagismo da SBPT.

Paternidade cobiçada

Em busca do “DNA” das iniciativas antifumo, a Rede Brasil Atual consultou prefeituras, secretarias de estado da saúde e assembleias legislativas em vários estados e apurou que o primeiro estado a instituir uma legislação antifumo rigorosa, proibindo fumódromos e prevendo aplicação de multas, inclusive a fumantes, foi Rondônia. A legislação está em vigor desde outubro de 2008.

No estado, a lei 1.969 de outubro de 2008, proíbe qualquer produto fumígeno em estabelecimentos coletivos, inclusive fumódromos. Só é permitido fumar ao ar livre. Usuários podem ser multados em R$ 601,80 e estabelecimentos de R$ 1.203,60 a R$ 60.180. O estado não informou o número de multas e fiscalizações efetuadas.

Entre as cidades, Porto Alegre (RS) e João Pessoa (PB) tiveram atuações antitabaco mais voltadas à educação a partir de 2006. Recife aplica políticas similares desde 2008. Manaus, Curitiba, Goiânia, Belém e Salvador adotaram medidas apenas nos últimos meses. E mais um grande número estão discutindo a adoção em suas Câmaras Municipais.

Enquanto a leva recente de leis aposta em penalizações, as capitais do Rio Grande do Sul, Paraíba e Recife preferem medidas educativas. João Pessoa e Recife não têm leis municipais sobre o tema, mas ações educativas. Porto Alegre (RS) adotou legislação antifumo em julho de 2006, mas permite que estabelecimentos criem áreas próprias – os fumódromos – desde que haja ventilação adequada, e aplica multas apenas na terceira infração do estabelecimento.

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Apesar da publicidade maciça que sustenta o ineditismo da ação do governador José Serra (PSDB), o estado de São Paulo instituiu uma lei antifumo rigorosa apenas em 7 de agosto. Rio de Janeiro e Maranhão adotaram leis semelhantes também em agosto.

Em São Paulo, já foram multados 71 estabelecimentos até o fim de semana de 16 de agosto. No mesmo período foram fiscalizados 11.896 locais, de acordo com o site especial sobre o tema criado pelo governo do estado para tratar do assunto. O estado é o único a divulgar esse tipo de dado.

No Paraná, o governador Roberto Requião (PMDB), encaminhou à Assembleia Legislativa, em regime de urgência, projeto de lei que acaba com o fumo em recintos fechados de uso coletivo no estado, inclusive dando fim aos fumódromos.

Mas, as polêmicas em torno da severa restrição proposta por Requião enfrenta debates acalorados entre deputados contra e a favor da rigidez do governador.

Em recado aos parlamentares, Requião classificou a indústria de cigarros de assassina: “Espero que a Assembleia Legislativa jogue claro e duro e repudie a pressão da indústria assassina do cigarro, que opera aqui e no mundo inteiro”.

Opção pela educação

Multar fumantes e estabelecimentos não é a opção de cidades como João Pessoa (PB) e Recife (PE). Na capital da Paraíba, a luta contra o fumo une Secretaria Municipal de Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vigilância Sanitária e Ministério Público. A cidade aposta em políticas de educação e saúde que caminham juntas à lei federal 9.294/96.

“Aqui em João Pessoa, trabalhamos muito mais na educação e muito menos no poder de repressão. Há quatro anos essa receita está dando certo”, afirma Ivanildo Brasileiro, gerente da Vigilância Sanitária

“A melhor prática é a educação. Orientar é nosso forte e dá certo há quatro anos”, afirma Ivanildo Brasileiro, gerente da Vigilância Sanitária.

“Aqui há uma grande parceria para acabar com o cigarro. Distribuímos camisetas para os estabelecimentos comerciais e os funcionários usam para atender os clientes”, explica.

Uma parceria eficaz, explica ele, é o trabalho realizado com o MTE no Estado. A Vigilância Sanitária realiza a fiscalização e encaminha relatórios ao ministério, que multa os locais em que o cigarro oferece riscos ao trabalhador. “O MTE atua em função da saúde do trabalhador. Sabemos que a fumaça do cigarro é extremamente nociva à saúde das pessoas”.

A Secretaria Municipal de Saúde, por outro lado, criou cinco unidades para tratamento de pessoas que desejam deixar de fumar. Equipes multidisciplinares com psicólogos, médicos e assistentes sociais atendem aos interessados em abolir o cigarro. De acordo com o responsável pela vigilância sanitária, 55% das pessoas que procuram as unidades conseguiram largar o cigarro.

“Aqui em João Pessoa, trabalhamos muito mais na educação e muito menos no poder de repressão. Há quatro anos essa receita está dando certo”, afirma Brasileiro.

No Recife, as autoridades de saúde combinam a lei federal sobre o assunto, com o código municipal de saúde e há uma Coordenadoria de Controle ao Tabagismo e Outros Fatores de Câncer.

De acordo com Adeílza Gomes Ferraz, diretora de Vigilância à Saúde do município, o órgão capacitou estabelecimentos para criar áreas para fumantes e estabeleceu prazos para cumprimento das normas. “Trabalhamos inclusive com vistorias noturnas. Até o momento, 90% dos estabelecimentos se adaptaram”, comemora.

Na cidade, o Ministério Público do Trabalho (MPT) além de solicitar fiscalizações, também autua quando o cigarro e a fumaça oferecem risco ao trabalhador.

Ferraz calcula que 99% da população compreendeu e aderiu à batalha contra o fumo em locais fechados. Descumprir a regra pode custar multas de R$ 40 a R$ 400 mil.

A capital gaúcha também optou pela educação e orientação dos fumantes antes de aplicar multas. Primeiro, houve um período de orientação. Depois, quando há fumantes em locais fechados, o estabelecimento é notificado e, em caso de duas reincidências, parte-se para multa.

Rigor e multas

Os projetos antifumo que surgiram nos últimos meses variam principalmente em relação à permissão ou não de fumódromos e ao valor das multas.

Há legislações que permitem locais específicos para fumantes e outros, mais rigorosos, proíbem os fumódromos mesmo com separação de ambientes. Os estados que liberam locais próprios para fumantes, exigem em geral o tratamento do ar com exaustores ou filtros.

Rondônia, São Paulo e Rio de Janeiro proíbem fumódromos. Já no Maranhão, esses locais são permitidos, mas a multa para quem não cumprir a lei pode chegar a R$ 1,5 milhão. O único estado a prever multa a consumidores é Rondônia.

Difícil de aprovar

No Rio Grande do Sul, o maior produtor de fumo do país, seis projetos de lei de restrição ao fumo já passaram pela Assembleia Legislativa desde 1995. Todos foram arquivados, rejeitados ou vetados. Atualmente, um PL está em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Casa Legislativa gaúcha e já gerou discussões, segundo a assessoria do deputado Miki Breier (PSB), autor do projeto. Se aprovado, o texto permitiria fumódromos.

Em Santa Catarina, a Secretaria de Estado da Saúde tenta fugir da polêmica e prepara uma pesquisa para saber a opinião da população, antes de encaminhar a matéria a votação. “Queremos saber se a população é favorável ou não a leis restritivas”, explica Elma Fior da Cruz, Gerente do Programa de Controle de Tabagismo Estadual.

No estado, há uma lei de 1989 que proíbe fumar nas áreas de saúde e transporte públicos, elevadores, teatros e cinemas, mas segundo Cruz, é muito aberta e genérica. De acordo com a assessoria da Assembleia Legislativa, há diversos projetos em tramitação no momento pela casa, mas nenhum em regime de urgência.

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