Presidente eleita tem desafio de liderar coalizão para aprofundar mudanças no país

Dilma Rousseff, primeira mulher a vencer uma disputa eleitoral para o principal cargo do Executivo brasileiro, tem questões chave pela frente. Redução da jornada de trabalho, implantação de diretrizes de conferências setoriais e PNBL são alguns deles

Dilma Rousseff foi eleita nesta domingo (31) a primeira mulher presidente do país (Foto: Roberto Stuckert Filho)

São Paulo – A primeira mulher eleita presidente da República do Brasil tem desafios colocados de aprofundar as mudanças pelas quais o país passa nos últimos anos. A redução da jornada de trabalho, a viabilização do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e a necessidade de lidar com um governo de coalizão, com mais peso para o PMDB, são alguns deles. Dilma Vana Rousseff Linhares, nascida em 14 de dezembro de 1947 em Belo Horizonte, terá de mostrar que usar toda a experiência administrativa adquirida em sua trajetória política.

A Rede Brasil Atual traçou um perfil de alguns pontos importantes para o país, considerando a visão manifestada por Dilma.

Trajetória de Dilma

Antes de ingressar na vida partidária, lutou durante a juventude pela redemocratização do país. Tinha 16 anos quando ingressou em organizações que militavam contra o regime militar instaurado no Brasil. Presa, passou três anos no Presídio Tiradentes, no centro de São Paulo. Após a libertação, mudou-se para Porto Alegre, onde estudou engenharia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As campanhas pela Lei de Anistia e, na sequência, pelas Diretas, levaram Dilma a retomar a militância, então no PDT. Em 1986, escolhida para comandar a Secretaria da Fazenda de Porto Alegre, iniciou sua vida de cargos administrativos.

Em 2003, chegou ao Ministério de Minas e Energia e, em 2005, ao comando da Casa Civil, sempre no governo Lula. No primeiro, afastou o risco de apagão que assolava o país no início da década, com um novo modelo para o setor. Na Casa Civil, rearticulou a coordenação governamental e ganhou destaque na condução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ponto fundamental do último mandato de Lula. Em abril, deixou o governo para ser candidata.

PNBL

A expansão do acesso à internet de alta velocidade no país deve ser uma das prioridades da gestão. A presidente eleita apoia a efetiva implementação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Foi a Casa Civil, ainda sob sua chefia, que encontrou o caminho do meio entre os rumos indicados pelo governo. Prevaleceu, com isso, a linha que coloca a Telebrás, estatal, fazendo a parte de infraestrutura, chegando ao consumidor final apenas nos locais em que não há interesse do setor privado.
Até o fim deste ano, a ideia é atender a cem cidades, numa espécie de experiência-piloto que dará as diretrizes a serem seguidas na universalização do acesso. A intenção é chegar a 40 milhões de domicílios com conexão de alta velocidade, incremento de 350% sobre o nível atual.

Democratização da comunicação

Dilma promete fortalecer o acesso à comunicação. A universalização da internet, por si, abre espaço para que mais gente tenha contato com outras fontes de informação, passando inclusive a produzi-la e a debatê-la.

O programa provisório de governo de Dilma Rousseff não é claro quanto ao debate sobre mudança na distribuição dos meios de comunicação, atualmente concentrados em poucos grupos familiares. O texto trata principalmente da necessidade de fortalecimento dos veículos públicos de comunicação. “A maioria da população brasileira conta, como único veículo cultural e de informação, com as cadeias de rádio e de televisão, em geral, pouco afeitas à qualidade, ao pluralismo, ao debate democrático”, contrapõe.

Pelo tipo de crítica produzida durante a campanha, com duros ataques ao PT – taxado de autoritário e responsável por cerceamento de liberdades de imprensa e de expressão – analistas vêm poucas possibilidades de se debater mudanças efetivas. Apesar de boa parte das concessões de rádio e TV operar por meio de licenças precárias (mantidas após o período original), o governo terá pouca margem para ação.

O papel predominante na tarefa de fazer oposição ao governo, provavelmente com ainda menos cadeiras no Congresso, deve permanecer na velha mídia. O cenário promete novas tensões entre governo e as empresas de comunicação.

Conferências setoriais

As conferências setoriais se consolidaram como um meio para o debate público de ideias e para a elaboração de propostas acordes com os sentimentos da sociedade. 70% das conferências realizadas na história do país ocorreram nos últimos oito anos, delineando políticas públicas.
Dilma Rousseff prometeu, respondendo a questionamento apresentado pela Rede Brasil Atual aos candidatos, dar sequência às conferências. “Elas são espaços de democracia importantes e necessários para a construção de diretrizes e políticas públicas (…) O diálogo sempre traz respostas positivas, mesmo onde haja discordâncias.” 
Um compromisso importante no fortalecimento à democracia. Kazuo Nakano, especialista em políticas públicas do Instituto Pólis, avalia que qualquer caminho diferente seria ruim para a sociedade: “Já vivemos esse momento das políticas públicas obscuras, centralizadas, verticais, de cima para baixo no Brasil e sabemos que não é bom.”

Papel do PMDB

O PMDB obtém, pela primeira vez, o cargo de vice-presidente dentro da coalizão de forças que sustenta o governo comandado pelo PT. O tema da governabilidade permeou o debate político nos últimos oito anos, dividindo as próprias alas petistas e levantando a pergunta sobre qual o preço que se paga pela possibilidade de aprovação de temas importantes no Congresso. O PMDB teve, ao longo dos oito anos de Lula, ministérios-chave nas mãos, e a condução das políticas ministeriais nem sempre foi de agrado de outros setores do governo.

André Singer, professor da USP, entende que o PMDB gera um sistema político único no país. “É um partido que não disputa as eleições presidenciais desde 1994 e, no entanto, é um partido importante, parlamentar, majoritário (…) É o partido que, quem quer que ganhe a eleição, tem que levar em consideração na composição de governo, uma vez que vivemos este regime presidencialista de coalizão”. 

Brasílio Sallum, também professor da USP, avalia que o PMDB representa um risco de desestabilização à medida em que vai querer mais e mais poder. “O PMDB é um partido de grupos clientelistas regionais, sem expressões nacionais. Não vai ser muito fácil gerir o novo governo.”

Bolsa Família

O Bolsa Família deve seguir como a ação social central do próximo governo. O programa é visto pelo PT como um dos motivos para explicar o crescimento do mercado consumidor e a drástica redução nos índices de pobreza. 

Dilma avalia que os projetos de assistência social devem ser vistos no horizonte de médio e longo prazo como instrumentos de combate à fome e à desigualdade. A promessa é de fortalecer o Ministério do Desenvolvimento Social como ponto de convergência dos programas sociais, aumentando a articulação para que cada vez menos pessoas precisem receber o benefício.

Salário mínimo

Durante a campanha, Dilma Rousseff foi enfática quanto à política de valorização do salário mínimo. Prometeu manter a atual regra, que é a seguinte: correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Em 2010, por exemplo, o reajuste foi de 9,67%, que é a soma do INPC de 2009 mais o crescimento de 2008 do PIB. O salário mínimo atual é de R$ 510, com projeção de R$ 538 para o próximo ano.
Assim como no governo Lula, a expectativa é de que

Redução da jornada de trabalho

Um dos pontos quentes da discussão no Congresso em 2011 será a redução da jornada de trabalho máxima de trabalho de 44 para 40 horas semanais. A Proposta de Emenda à Constituição 231 de 1995 espera pela avaliação no plenário da Câmara, mas setores empresariais representados no Legislativo querem evitar a aprovação.
Dilma Rousseff ponderou, durante a campanha, que não acredita que esse seja um tema para o Poder Executivo, evitando se posicionar a respeito. “Eu concordo inteiramente que não é questão de governo. É reivindicação do movimento social. Se conseguirem negociar com os patrões e eles aceitarem, nos setores que aceitarem”, afirmou. A presidente eleita, por outro lado, afirmou que sancionará a PEC caso seja aprovada.

Taxa de juros

Ponto central da polêmica em torno da política econômica do governo Lula, o Banco Central deve manter sua autonomia na prática – mesmo sem que isto esteja assegurado em lei. O ponto é considerado “sagrado” por bancos e investidores do mercado financeiro, mas criticada por movimentos sindicais e sociais e por algumas correntes de economistas. 

O pomo da discórdia é a condução da política macroeconômica. Na prática, a autoridade monetária trabalha para controlar a inflação usando apenas a taxa de juros básica, a Selic, como ferramenta. Isso significa desconsiderar os efeitos nocivos para a indústria e o agronegócio de um câmbio desvalorizado (que favorece importações e prejudica exportações).

Apesar de estar próximo dos menores patamares da história, a taxa de juros ainda é considerada muito alta, por encarecer o crédito e exigir economia do setor público para pagar a dívida interna.
Reduzindo o poder de investimento do Estado e a possibilidade de crescimento do país. “Acho importantíssima a autonomia operacional que o Banco Central teve no governo do presidente Lula. Sempre tivemos uma relação muito tranquila com o BC”, defendeu a presidente eleita, em maio deste ano.

Evilásio Salvador, professor da Universidade de Brasília (UnB), considera um equívoco não discutir a autonomia do Banco Central. “É inconcebível que seja independente, descolado da política econômica do governo e entregue à administração do setor financeiro.”

Analistas vêm possibilidade de outros mecanismos serem adotados, mas ainda não está claro se as estratégias envolve mudanças na condução da taxa de juros..

Piso salarial dos professores

A implementação do piso salarial dos professores será um dos desafios da presidente na área educacional. A lei 11.738, aprovada em 2008 pelo Congresso, sofre resistência por parte dos governos estaduais, que resistem e não adotam o salário de R$ 1.024 sugerido pelo Ministério da Educação.

“Nossa meta é cumprir as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira (…), que são garantir remuneração condigna, progressão salarial, melhores condições de trabalho dos educadores e formação dos profissionais da educação”, afirmou Dilma, em entrevista publicada no Portal Aprendiz em agosto deste ano.

Fazer cumprir a lei, no entanto, é mais complicado. O que a presidente poderá fazer é convencer governadores por meio de negociações. Não será fácil. Foram vários os administradores estaduais que se uniram para mover ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá aos ministros do STF, portanto, a principal decisão, que é a da validade da lei.

O legado da ditadura

A discussão sobre a revisão da anistia concedida aos torturadores do regime militar (1964-85) não deve ser foco do próximo governo. Dilma Rousseff, que foi ativista da luta contra a ditadura, considera que a decisão deste ano do Supremo Tribunal Federal colocou um ponto final no assunto. O STF definiu, com base no suposto caráter amplo da Lei de Anistia (1979), que não há por que permitir a reabertura de casos, o que abriria a possibilidade de condenar os torturadores. Dilma avalia que a lei é fundamental para que o Brasil não corra o risco de cair numa ditadura. “Que tenha no Brasil sempre democracia, liberdade de imprensa e direito de opinião.”